Tradição democrática

Indicação dos ministros do Supremo respeita interdependência dos poderes

Autor

  • Luiz Edson Fachin

    é sócio fundador do escritório Fachin Advogados Associados e sócio do Fachin Girardi Escritórios Associados. É pesquisador convidado do Instituto Max Planck (Alemanha) e professor titular de Direito Civil da UFPR.

1 de junho de 2014, 12h25

[Artigo originalmente publicado na edição deste domingo (1º/5) da Folha de S.Paulo]

Na indicação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, desassossegos práticos podem acontecer. Nada obstante, subscrevo posição favorável a esse atual procedimento republicano, coerente com a tradição presidencialista e democrática. Parafraseando Winston Churchill, tal sistema é a pior forma de escolha, exceto todas as outras que têm sido tentadas.

Se há inconveniências na operação desse modelo, não se aponte, entre estas, diferentes visões de mundo, às vezes antagônicas, no exercício desse poder de nomeação, pois o campo do direito é mesmo ocupado tanto por conflitos quanto por mediações da própria luta simbólica que emerge da sociedade.

O funcionamento da suprema autoridade judicial não tem como ser alheio aos mecanismos existentes no mundo social. O tempo e o espaço do STF refletem o Brasil contemporâneo e suas atribulações. Contudo, como advertira San Tiago Dantas, o jurista, tal como o Direito, "ao invés de estar comprometido com uma ideologia, solidário com um regime", somente estará bem justificado se tiver "sobrevivência às transformações que passam".

O procedimento de hoje respeita, em termos gerais, a interdependência entre os Poderes e coloca em prática o arquétipo dos freios e contrapesos entre o Executivo e o Legislativo em face do Judiciário. Enquanto a indicação é atribuição do presidente da República, a escolha deve ser aprovada pela maioria absoluta do Senado Federal.

Se o sistema padece de males superficiais, não se pode pretender curá-los afrontando instituições vitais à vida democrática reconquistada.

Não basta somente alterar a forma de escolha. O Brasil está cansado de alterações rituais sem mudança de conteúdo. O pior é que não raro, quando não se consegue tratar a doença, a solução cerebrina é matar o doente. Impõe-se cautela com propostas novidadeiras, como a fixação de mandato para o exercício do cargo de ministro do STF, ou a organização de listas oriundas de órgãos de classe. Prudência também se deve ter com soluções importadas, cujos marcos culturais são diferentes, a exemplo de certas cortes constitucionais europeias.

O atual sistema, apesar de merecedor de críticas, não é um procedimento de um só eleitor. Nesse processo complexo integrado por mais de um Poder, o constituinte democraticamente deferiu competência ao Executivo e ao Legislativo. A fidelidade ou não a esse soberano mandato constitucional diz respeito às pessoas que o exercitam.

O magistrado independente, portador das qualidades intelectuais e de idoneidade para o posto, é o que se almeja. Para tanto, a escolha deve ser vista como via de mão dupla; o que se requer daqueles que são titulares do encargo de indicar, impõe-se também ao escolhido. Sobral Pinto, advogado intimorato, recusou convite do presidente Juscelino Kubitschek para assumir o STF.

Recorde-se a advertência feita por Celso Furtado para que, no exercício do poder, seja assumida "a plena responsabilidade pelos destinos do país". Obstáculos e desvios não ocorrem ao acaso nem por consequência direta do sistema de escolha. A ética da responsabilidade pode ser boa conselheira a todos os sujeitos desse processo; deles se aspira tenham alma de condor e que, como escreveu Orlando de Carvalho no Portugal em luta pela democracia, saibam cumprir a vida. Espera-se que a história não teime em provar o contrário.

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