Previsão legal

Contribuinte tem direito a fracionar doação para ter isenção de ITCMD

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26 de julho de 2014, 8h07

É comum a ocorrência de problemas e equívocos quanto à interpretação das hipóteses de isenção Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), sobretudo nos casos de doação de bens levadas a efeito por intermédio de escrituras públicas lavradas nos competentes cartórios extrajudiciais.

O Decreto 46.655/2002, que legisla acerca do ITCMD e aprova o Regulamento da matéria de que trata a Lei 10.705/2000, alterada posteriormente pela Lei 10.992/2001, determina que as doações limitadas em até 2,5 mil Ufesp’s ficam isentas do recolhimento do tributo em questão, conforme abaixo transcrito:

Artigo 6º. – Fica isenta do imposto (Lei 10.705/00, art. 6º., na redação da Lei 10.992/01):

I …

II – a transmissão por doação:

a) cujo valor não ultrapassar 2.500 (duas mil e quinhentas) UFESP’s;

(…)

Ressalte-se que as leis que concedem isenção tributária, como a que teve o trecho acima transcrito, admitem apenas a interpretação literal (princípio da literalidade na interpretação da legislação tributária), à luz do que dispõe o Código Tributário Nacional, no artigo 111:

Artigo 111 – Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

II – outorga de isenção;

(…)

No entanto, muitas vezes, ao providenciar uma escritura de doação, o cliente é informado acerca do valor do imposto a ser recolhido sem que tenha conhecimento de que, em várias circunstâncias, há previsão legal que possibilita o fracionamento do patrimônio a ser doado, para que possa usufruir do benefício da isenção que a lei concede.

A própria lei que regulamenta e dispõe sobre o ITCMD prevê, na hipótese de ocorrência de mais de uma doação entre os mesmos doadores e donatários no mesmo exercício, punibilidade onerosa ao contribuinte:

Artigo 9o. – (…)

Parágrafo 3º. – Na hipótese de sucessivas doações  entre  os  mesmos  doador  e  donatário, serão consideradas todas as transmissões realizadas a este título, dentro de cada ano civil, devendo o imposto ser recalculado a cada nova doação, adicionando-se à base de cálculo os valores dos bens anteriormente transmitidos e deduzindo-se os valores dos impostos já recolhidos.

(…)

Resta claro o efeito prático desse dispositivo, que foi o de impedir que, com o fracionamento de doações, em valores iguais ou superiores a 2,5 mil Ufesp’s, dentro do mesmo ano civil, os contribuintes pudessem obter o benefício da isenção.

Ora, se há previsão de punibilidade no caso de inobservância dos limites estabelecidos na própria norma, fica ainda mais evidenciado o escopo da lei de conferir benefício àquele que obedece aos pressupostos nela elencados de forma pontual.

Vale atentar para o fato de que a legislação determina a forma de recolhimento do ITCMD no caso de mais de uma doação entre o mesmo doador e donatário, no mesmo ano civil, o que indica, obviamente, o efetivo propósito do legislador:

Artigo 31 – O imposto será recolhido (Lei 10.705/00, arts. 17, com alteração da Lei 10.992/01, e 18):

II. – na doação

b) antes da celebração do ato ou contrato da doação que, somada às anteriores, superar o montante de 2.500 UFESPs, dentro do ano civil, relativamente a esta doação e às anteriores até então isentas, quando se tratar de sucessivas doações entre os mesmos doador e donatário;

Em suma, a interpretação literal da lei permite seja efetivada a doação entre os mesmos doadores e donatários até o limite de 2,5 mil Ufesp’s por ano civil.

O proprietário de um imóvel cujo valor não exceda o equivalente a 5 mil Ufesp’s pode doá-lo a terceiro, de forma fracionada, em dois anos diferentes, metade em cada ano. E, utilizando-se de tal permissivo legal, fica o doador (ou donatário) isento do recolhimento do respectivo imposto de transmissão.

Lamentavelmente, em muitos casos, o tabelião, por desconhecimento ou até mesmo falta de vontade no sentido de facilitar a vida do seu cliente, suscita dúvida ao juiz corregedor, quando instado a fazê-lo, visando esclarecer a questão acerca do recolhimento ou não do tributo. E não são raras as interpretações equivocadas de primeira Instância no sentido de atribuir ao doador a responsabilidade pelo recolhimento do imposto tomando-se por base a soma de todos os montantes doados de forma fracionada.

Muito embora o procedimento de dúvida tenha cunho meramente administrativo, a “determinação” do juízo acaba sendo acatada, posto que o cidadão simples, a rigor, também desconhece a possibilidade de ulterior provocação do Judiciário a respeito da questão.

Entretanto, no âmbito dos tribunais, o entendimento é de que o fracionamento da doação com fins de beneficiar-se da isenção é perfeitamente plausível:

Agravo de Instrumento – Mandado de segurança – Isenção de ITCMD. Isenção de ITCMD – Transmissão de parte do imóvel – Fragmento que ostenta valor venal inferior ao limite de 5.000 UFESPS, fazendo a Agravada jus à benesse legal – Aplicalidade do art. 6o, I, “a” da Lei 10.705/00 – Agravo desprovido” (AI no 0141305-55-2012.8.26.0000. Rel. Des. Marrey Uint, 3a Câmara de Direito Publico, j. em 27-11-2012).

Arrolamento de bens – Isenção relativa ao ITCMD – A parte ideal objeto do presente inventário tem valor inferior ao limite de isenção determinado na nova lei, conforme verificado. E por isso não se pode deixar de reconhecer a isenção – Não há desrespeito algum à interpretação restritiva da lei que concede a isenção, pois no caso não houve ampliação do benefício, mas apenas inexistiu a transmissão da totalidade do imóvel – A presente hipótese está abarcada pela benesse legal, sendo indevido o imposto que a Fazenda tenta cobrar do agravante – Recurso provido. (Agravo de Instrumento no 0002656-47.2011.8.26.0000, 9a Câmara de Direito Privado, Relator Des. José Luiz Gavião de Almeida).

Reconhecimento do direito de isenção, bem como à repetição do indébito – sentença de improcedência – reforma que se impõe – limite de isenção que deve ter por base o valor venal apenas da parcela do imóvel transmitido que, na hipótese é de 50% – subsunção do fato à norma isenção – reconhecida repetição determinada – recurso provido. (TJSP, Apelação no 0076990-69.2009.8.26.0114, 3a Câmara de Direito Público, rel. Amorim Cantuária, j. 24/09/2013).

Trata-se de mais uma hipótese onde o contribuinte não tem facilidade de acesso ao benefício que a lei traz no seu bojo. Não deveria haver a necessidade de percorrer tão sinuoso caminho, muitas vezes também dispendioso, para usufruir do que lhe é de direito.

A intenção de economizar tributo com apoio na legislação não pode ser tratada como um comportamento pretensamente ilícito, como se verifica, por exemplo, nos casos de simulação e fraude fiscal. É cediço que o legislador constitucional contemplou certos fatos sociais e econômicos com abrandamentos no campo tributário.

Por fim, é importante asseverar que, com o aumento do número de cartórios e de realização de concursos para preenchimento das vagas destinadas à delegação de novos notários e registradores, a tendência já perceptível é de melhora no tocante ao atendimento e às informações passadas pelos tabeliães aos cidadãos que neles procuram respaldo e serviços.

A Lei 11.441/2007, que trata dos procedimentos extrajudiciais realizados em cartório, trouxe à baila tal necessidade: não basta amoldar a legislação à demanda dos cidadãos. Há de se modernizar igualmente o contingente pessoal que disponibiliza e torna possível a efetivação de tais serviços públicos.

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