Tribunal do Júri

Falar demais ao negociar um acordo pode comprometer o caso, ensina especialista

Autor

21 de julho de 2014, 10h40

Em um país em que mais de 90% das ações criminais jamais vai a julgamento porque promotores e advogados negociam acordos para evitá-lo, os profissionais americanos correm um risco frequente nas negociações: falar demais. Quem “conta vantagens” durante as negociações ou fora delas fornece, inadvertidamente, informações preciosas à outra parte, que podem ser aproveitadas se o caso for, de fato, para a decisão do tribunal.

O advogado e professor de Direito Eliott Wilcox, editor do site Trial Theater, conta que, quando era promotor, no início de sua carreira, recebeu uma “ajuda” involuntária do advogado de defesa em uma ação criminal.

Antes do julgamento, Wilcox tentou fazer um acordo com o advogado para que um caso simples, de “posse de droga com intenção de vender”, não fosse a julgamento, porque havia outros casos mais sérios na pauta do dia. Ele propôs que o réu se declarasse culpado de contravenção penal (misdemeanor), apenas. O advogado, com autorização do cliente, não aceitou a proposta. Ambos queriam levar o caso a julgamento, com certeza de vitória.

Seria o segundo julgamento do mesmo caso. O primeiro havia resultado em um veredicto de 5 votos a 1 a favor de “culpado”, o que levou o juiz a decidir por novo julgamento. Outro promotor havia trabalhado no caso e, por isso, o advogado resolveu explicar a Wilcox por que recusou a proposta.

Depois de se vangloriar sobre sua competência e experiência em julgamentos, declarar que seu caso era forte e que o da Promotoria era fraco, ele comentou: “No primeiro julgamento, seu antecessor chamou três testemunhas. Eu destruí a credibilidade da terceira testemunha na inquirição cruzada. E hoje vai ser a mesma coisa. Quando eu terminar de inquiri-la, a sala de julgamento estará inundada de dúvidas razoáveis. Na verdade, estou ansioso para inquirir aquela testemunha de novo”, afirmou.

“Nesse momento, dá muita vontade de discutir”, diz Wilcox. “Mas preferi fechar minha boca. Apenas pedi desculpas porque tinha de preparar mais uma coisa ou outra para o julgamento”. Como já se sabia, as mesmas três pessoas iriam ocupar o banco das testemunhas.

No julgamento, feitas as alegações iniciais da acusação e da defesa, Wilcox chamou sua primeira testemunha. Ela testemunhou que encontrou uma grande quantidade de “drogas suspeitas” nos bolsos do réu e que as drogas estavam embaladas para venda, em vez de para uso inicial.

Depois que o advogado fez a inquirição cruzada, Wilcox chamou sua segunda testemunha. Era uma analista de drogas, que testemunhou sobre seu trabalho no laboratório de drogas e confirmou que os itens apreendidos eram realmente narcóticos. A inquirição cruzada do advogado foi curta, porque a terceira testemunha, a que seria “destruída” e que permitiria à defesa encher o júri de dúvidas razoáveis, já vinha aí.

“Enquanto o juiz dispensava a testemunha, olhei para o advogado e percebi que sua ansiedade para o grande ato do dia era visível. Ele se preparava para destruir a terceira testemunha”, conta Wilcox. Quando a analista de drogas saiu da sala, o juiz disse: “Estado, por favor, chame sua próxima testemunha”.

Wilcox se levantou e disse em alto e bom som: “Meritíssimo juiz, isso conclui a apresentação de provas do Estado. O Estado encerra a instrução do processo” (“The State rests its case”).

“O advogado entrou em estado de choque, por assim dizer. Ele foi até o juiz e, com voz embargada, disse que o promotor não podia fazer isso, pois ele havia planejado toda a defesa com base na inquirição cruzada da terceira testemunha. Queria saber o que ele iria fazer agora”, narra Wilcox.

A questão mais importante não era o que "iria fazer agora", mas o que "não deveria ter feito antes" do julgamento: contar ao promotor seu trunfo para ganhar o caso. Perdido o trunfo, seu caso foi torpedeado e seu cliente foi condenado.

Wilcox disse que aprendeu algumas lições com o erro do advogado. A mais importante delas é não se vangloriar ou “contar vantagem” sobre as estratégias de seu caso e sobre suas partes fortes ou fracas. “Eu, como a maioria dos advogados — e como a maioria das pessoas — tenho um ego que anseia por reconhecimento e por elogios. Mas, depois desse caso, aprendi a fechar minha boca”, ele diz.

“Na verdade, é natural que o advogado, como todo ser humano, busque alguma espécie de reconhecimento por seu esforço, por seu bom trabalho e por seu sucesso. Odiamos perder, adoramos ganhar, e quando somos bem sucedidos, queremos compartilhar nosso sucesso com outras pessoas. Só é preciso fechar a boca quando há que evitar entregar o ouro ao adversário. Deixar para se vangloriar depois de ganhar o caso”, declara.

Há uma expressão típica no léxico americano, ele diz: “Bocas abertas afundam navios” (“Loose lips sink ships”), que se originou de uma campanha publicitária durante a II Guerra Mundial. O governo criou a campanha publicitária para convencer os americanos a não entregar informações restritas ao inimigo, por falar demais.

“A lição é simples: seja discreto em suas comunicações, especialmente quando você não sabe quem pode estar ouvindo. Mas mantenha seus ouvidos atentos, e ouça. Se a outra parte quiser discutir o caso, faça-se de desentendido, diga que pode estar certo e o estimule a falar mais”, ele aconselha aos advogados americanos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!