Segunda Leitura

Equipe alemã na Copa do Mundo dá
lições aos profissionais do Direito

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

20 de julho de 2014, 8h01

Spacca
O título pode gerar surpresa, pois, em princípio, a Copa do Mundo e as profissões da área do Direito são coisas separadas, linhas paralelas que não se comunicam. Mas não é bem assim.

A Copa do Mundo foi vencida pela Alemanha, que passou por uma reformulação profunda em seu futebol a partir de 2000. Neste período, chegou a ser vice-campeã em 2002 e foi eliminada nas semifinais em sua própria casa, em 2006, e na África do Sul, em 2010. O retrospecto mostra que, embora as derrotas façam parte do esporte, a conquista recente não foi obra do acaso. 

Aí está a primeira lição. Durante anos a equipe alemã se entregou com força total ao seu objetivo, ciente de que só com dedicação absoluta e disciplina conseguiria alcançar o difícil objetivo. Esforço e meta a perseguir, dois requisitos básicos para o sucesso final.

Não é diferente no Direito. Como se consegue aprovação em concursos públicos que contam com 10 mil ou mais candidatos? Só com entrega absoluta, renúncias, horários estabelecidos previamente, corpo e alma direcionados àquele objetivo. Na advocacia não é diferente. Sólida formação jurídica, pesquisa de mercado, relações sociais, atenção ao cliente antes e depois da causa, em suma, empenho total, pois, caso contrário, não se alcançará o sucesso.

Espírito de equipe é a segunda característica da equipe alemã. O individualismo estava fora dos objetivos do time. Ação integrada ao contrário da pessoal. No Direito, da mesma forma, ninguém faz nada sozinho. As operações da Polícia Federal, que desvendam com sucesso crimes da maior gravidade, não são obra de um policial astuto, não há mais espaço para Sherlock Holmes. Elas são o resultado uma ação integrada, muito embora possam ser conduzidas por apenas uma mente brilhante.

O time vencedor não se entregou a simulações. Ou seja, seus jogadores não se jogavam ao chão, fingindo terem sido atingidos ou matreirices semelhantes. Nas atividades jurídicas esta prática chama-se chicana, ou seja, tumultuar o processo para que ele não chegue ao seu final. Pode ser feita de maneiras diversas, como arrolando testemunha inexistente, simulando doença da parte para adiar a audiência ou interpondo seguidos embargos de declaração. Pode dar resultado benéfico a curto prazo, mas a médio e longo prazo a imagem do escritório ficará maculada e os efeitos serão prejudiciais. Não funciona.

Preparo psicológico foi outra característica do esquadrão germânico. Os jogadores estavam preparados para agir sob pressão. Enquanto isto, os brasileiros se entregavam ao choro. Ora, um profissional do Direito, tal como um jogador, precisa estar psicologicamente preparado para enfrentar situações difíceis. Imagine-se uma juíza da Vara de Família despreparada para enfrentar as complexas situações que lhe são submetidas e daí pôr-se a chorar em meio a uma audiência. Fiasco total. Não é para ser boazinha que ela está ali, mas sim para dar a solução justa, dentro das circunstâncias e do possível.

Ao vencer, a equipe alemã não tripudiou sobre o vencido. A vitória de 7 a 1 sobre o Brasil não teve nenhuma ironia, deboche ou desprezo do vencedor sobre o vencido. Passando à nossa realidade jurídica, os que vencem uma causa devem cuidar para serem discretos na vitória. Um promotor de Justiça que consegue uma condenação importante no Tribunal do Júri não deve humilhar o advogado do réu. Isto só vai gerar ódio e o adversário não se esquecerá jamais; se puder, um dia irá à forra.

O uso da tecnologia não foi desprezado. Por exemplo, estudos da tendência dos jogadores de outros times ao chutarem a bola na cobrança de pênaltis foram feitos através de filmes. Portanto, o goleiro ia para a disputa sabendo que o jogador X do time contrário direcionava 80% de seus chutes para o lado esquerdo. As chances de defesa aumentavam. No Direito, a tecnologia está à disposição de todos. Não apenas para fornecer a jurisprudência mais recente, como também para mostrar as tendências políticas, ideológicas ou filosóficas do juiz que decidirá um caso. Ou para localizar, em meio a uma audiência, decisão da Corte Constitucional da Itália ou da Suprema Corte do Reino Unido em caso semelhante, Em suma, quem não usa estes novos meios de comunicação está fora do mercado.

Os alemães ficaram concentrados em um vilarejo em Santa Cruz Cabrália (BA).  Ficaram isolados da agitação dos grandes centros, mas, além da rotina de treinamentos, dedicavam-se ao relacionamento com os moradores locais — inclusive participaram de danças com índios. Por trás dessa cortesia, estava o objetivo de ganhar a simpatia do torcedor brasileiro. Foi um grande trabalho de Relações Públicas que funcionou. Da mesma forma o profissional do Direito. Parte do seu tempo deve ser dedicado também às relações públicas. Ter amigos é essencial para ter clientes. Ninguém se sobressai sozinho. Fazer parte de clubes de servir ou de outros tipos de entidades, esportivas, culturais ou religiosas,  é o caminho para ampliar o círculo de relacionamentos e ampliar espaços de atuação.

Terminado o campeonato, conforme noticiado, a Federação de Futebol Alemã doou um cheque de 10 mil euros (cerca de R$ 30 mil) para índios da tribo Pataxó e deu uma ajuda financeira para a aquisição de uma ambulância para a comunidade indígena e ainda fará doações por três anos para a Escola da Vila de Santo André. Aí está uma atitude solidária. Os profissionais do Direito possuem um nível de escolaridade maior, uma posição de destaque na sociedade. Dar o troco, da forma que lhes for possível, é um dever ético. Por exemplo, um procurador federal, recebendo um caso de construções antigas em área de marinha, poderá simplesmente pedir a demolição, invocando as normas existentes, ou tentar solucionar o caso com a regularização da área. Claro que a segunda hipótese será sempre mais trabalhosa.

Finalmente, a queda do técnico Luiz Felipe Scolari dá uma boa lição de vida aos que chegam aos cargos mais importantes da hierarquia profissional. Tido como herói em um dia, Felipão acordou vilão no dia seguinte. Isto mostra a transitoriedade do poder. O exemplo aqui recai sobre as chefias do Poder Judiciário, porque esta é a profissão jurídica que mais atrai a atenção e os holofotes. Do diretor do foro de uma comarca ao presidente do STF, o poder de chefia é transitório. Tem prazo de dois anos de duração. Depois acaba definitivamente pela aposentadoria compulsória ou por doença. Aí, aquele que teve à disposição veículo oficial, segurança e muito poder, será um a mais na multidão. Do pomposo título que ostentava, passará a ser chamado pelo porteiro do prédio de “Seu Antônio” e só lhe restarão a família e os velhos amigos. Isto, se deles cuidou bem na trajetória pois, caso contrário, a solidão.

Do que foi dito não se conclua que, a partir de agora, devemos nos tornar germanófilos, tingir os cabelos de loiro e colocar lentes de contato azuis. Não somos, não queremos e jamais seremos. O que se está a dizer é que os bons exemplos da seleção vencedora podem e devem ser aplicados pelos profissionais do Direito, para que todos consigam alcançar momentos de glória na sua vida profissional.

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Vice-presidente para a América Latina da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É presidente do Ibrajus.

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