Juizados Criminais

Participação do responsável civil traz benefícios para vítima e autor

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16 de julho de 2014, 8h02

A nossa Constituição Federal de 1988, seguindo uma tendência moderna de despenalização, previu no seu artigo 98, inciso I, a criação, pela União, Distrito Federal, territórios e estados, dos Juizados Especiais Criminais, para julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, nos seguintes termos:

“Art.98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;” (negritei).

Como pode se observar no texto constitucional supra, foi prevista a criação de um juízo criminal especial, voltado exclusivamente às infrações penais de menor potencial ofensivo, contudo, o constituinte não definiu o que vinha a ser tal infração de “menor importância”, deixando essa missão para o legislador ordinário.

Percebe-se claramente, no próprio texto constitucional acima, que as inovações no âmbito criminal seriam grandes, na medida em que, além de, como dito, ter sido criado um juízo criminal próprio, o Juizado Especial Criminal (Jecrim), só para julgar infrações menores, que o constituinte chamou de “infração penal de menor potencial ofensivo” (Ipempo), também previu um procedimento “oral” e ainda “sumaríssimo”, deixando evidente que a intenção era a celeridade para o julgamento da Ipempo.

Inovou também o constituinte na previsão expressa do “acordo” (transação) no âmbito criminal, o que até então inexistia sendo, portanto, uma novidade gritante para um juízo criminal. Além disso, também criou um “tribunal”, que foi chamado de Turma, composta por juízes de primeira instância, para o julgamento dos recursos referentes às infrações penais de menor potencial ofensivo.

Vejam que o constituinte, dessa forma, acenou com mudanças radicais na Justiça criminal, repito, criando um “juízo próprio” só para julgar infrações menores (Ipempo), um rito procedimental “oral” e “rápido” (sumaríssimo), com previsão expressa de “acordo” (transação), e ainda uma turma de julgamento em segunda instância, composta por juízes de primeiro grau, tudo visando abreviar o julgamento.

No entanto, todas estas previsões modernas e até radicais para o âmbito criminal, só puderam ser vistas no nosso ordenamento penal com a vigência da Lei 9.099/1995, ou seja, após aproximadamente sete anos de vigência da nossa Carta Magna, que as previu.

Foi essa lei que, dentre todas as inovações constitucionais trazidas e acima citadas, explorando especificamente a da “transação”, previu pela primeira vez o denominado “responsável civil”, em seus artigos 71, 72 e 79, para atuar na fase da “transação civil”, que o legislador denominou de “conciliação civil”.

O nosso ordenamento penal não havia conhecido ainda o denominado “responsável civil”. Até então, todo e qualquer assunto referente à responsabilidade civil era tratado apenas no âmbito cível, com as respectivas ações cíveis.

Contudo, a contar da vigência da nossa citada Lei 9.099/95, vimos, de forma inédita, previsão de “responsabilidade civil” no próprio âmbito criminal, introduzida no Jecrim.

O denominado pela lei do Jecrim de “responsável civil”, como dito, figura nova no nosso ordenamento penal, foi criado com o fim de, na fase conciliatória, “facilitar a possibilidade de indenização da vítima de uma Ipempo, no próprio âmbito criminal, no Jecrim”, sem a necessidade dela ter que se socorrer do âmbito cível para tal.

O reponsável civil “é aquele que pode responder civilmente, no Jecrim, pela conduta do autor do fato”, ou seja, é aquele que seria acionado no âmbito cível para indenizar os prejuízos causados à vítima da Ipempo.

A título de exemplo, podemos citar: um pedreiro que foi contratado pelo proprietário de uma casa, para consertar a calçada. Durante o serviço, o pedreiro, culposamente, atinge a cabeça de um transeunte com a enxada, causando-lhe lesões corporais culposas (crime do artigo 129, parágrafo 6º, do Código Penal).

Nos termos do artigo 61 da Lei 9.099/95, o crime de lesão corporal culposa, pela pena máxima em abstrato que possui, de um ano, é uma Ipempo. Nesse exemplo, o autor do fato é o pedreiro, que praticou a Ipempo, e o “responsável civil” é o proprietário do imóvel que o contratou — a pessoa que, em tese, no âmbito cível, poderia ser acionada para indenizar a vítima da Ipempo.

Às vezes a figura do responsável civil não existe separadamente da do autor do fato, porque pode se confundir com este.

Aproveitando parte do mesmo exemplo, imaginem que o proprietário do imóvel, em vez de contratar um pedreiro para consertar a calçada, resolvesse ele próprio fazê-lo. Se causasse as lesões corporais culposas acima citadas durante a execução do serviço, por culpa, o proprietário do imóvel seria o autor do fato e o responsável civil, ao mesmo tempo. Não haveria, portanto, que se intimar o responsável civil para a audiência conciliatória. É como se não existisse o responsável civil.

O responsável civil que a lei do Jecrim pretende que participe da tentativa de transação ou conciliação, na audiência preliminar, é pessoa diversa da do autor do fato, e ainda, em regra, com melhores condições financeiras que este, exatamente para poder ajudá-lo na conciliação, ou mesmo assumir sozinho a responsabilidade de indenizar a vítima na fase conciliatória.

Logo, posso afirmar que a finalidade do chamamento do “responsável civil” à audiência preliminar, como previsto nos artigos 71 e 72, ambos da Lei 9.099/95, e, excepcionalmente, à audiência de instrução e julgamento, nos termos do artigo 79 da mesma lei, é a de sua participação ativa na tentativa de conciliação civil, com o fim de indenizar a vítima, hipótese em que, além de evitar contra si um futuro processo cível de indenização movido pela vítima, pelos prejuízos sofridos por esta, também, em regra, livra o seu funcionário de um processo criminal.

Foi dito que em regra a indenização da vítima, na fase de conciliação civil, livra o autor do fato do processo criminal, porque isto só vai ocorrer quando a Ipempo praticada for de Ação Penal privada ou de Ação Penal pública condicionada à representação, nos termos do artigo 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95, a saber:

“Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.
Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação”. (negritei).

Nessas hipóteses, havendo a conciliação e a indenização da vítima, haverá a extinção do processo por renúncia ao direito de queixa e de representação por parte da vítima.

O acordo nestas situações impedirá o prosseguimento do processo, impossibilitando a responsabilização criminal do autor do fato. Daí podermos afirmar que a participação do “responsável civil”, em figura diversa da do autor do fato, no Jecrim, é de fundamental importância, tanto por facilitar a indenização da vítima da Ipempo, ao propiciá-la no próprio juízo criminal, como também por evitar, em regra, a aplicação de pena privativa de liberdade ao autor do fato, consequências estas previstas como objetivos da lei, expressamente descritos no artigo 62, segunda parte, da Lei 9.099/95, a saber:

“Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade”. (negritei).

Portanto, a atuação do “responsável civil”, em última instância, como dito acima, acaba por facilitar o atendimento dos objetivos da Lei do Jecrim (Lei 9.099/95), traçados pelo legislador ordinário, em atendimento à previsão constitucional do artigo 98, inciso I.

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