Estabelecer credibilidade da testemunha é crucial no tribunal do júri
10 de julho de 2014, 9h37
Na inquirição direta no tribunal do júri, a primeira coisa a fazer é solidificar a credibilidade da testemunha. Se é uma testemunha ocular do que se discute no julgamento, é preciso fazer-lhe perguntas sobre as circunstâncias que a credenciam a depor sobre os fatos, antes de fazer qualquer outra sobre o que aconteceu ou o que ela viu — ou enquanto a testemunha descreve os fatos.
Do contrário, os jurados podem ter dúvidas ou desconfianças. E a outra parte pode destruir a credibilidade da testemunha, o que anula seu valor. O advogado e professor de Direito Elliott Wilcox, editor do site Trial Theater, dá o exemplo de um caso em que um testemunho parecia perfeito. Mas, aparentemente, não convenceu os jurados, porque o resultado do julgamento foi desfavorável.
A testemunha declarou, entre outras coisas: “Eu vi o réu sentado em uma mesa. De repente, ele foi até a mesa mais próxima, pegou um saleiro e o jogou no palco. O saleiro atingiu o olho esquerdo do cantor, que gritou e caiu no chão, com as mãos sobre o olho”.
O que pode haver de errado com esse testemunho? A resposta mais provável é a de que a credibilidade da testemunha não foi suficientemente estabelecida. Isso pode ter gerado desconfianças nas mentes dos jurados, que concluíram que o testemunho não era prova suficiente para condenar o réu. É possível imaginar as dúvidas dos jurados:
— Por que devemos acreditar nessa testemunha?
— Como podemos saber se ele realmente viu o que diz que viu?
— A que distância do réu ele estava, para ter certeza do que está dizendo?
— Como era a iluminação do ambiente?
— Como poderia ver bem o acusado, se a iluminação se concentrava no palco?
— Estava prestando atenção no réu, em vez de assistir o show?
— Qual eram seus ângulos de visão, em relação ao cantor e ao acusado?
— Qual é sua capacidade de se recordar dos fatos?
— Havia alguma espécie de relacionamento entre ele e o réu?
— Havia algum problema pessoal com o réu ou com a vítima?
— Tem algum interesse pessoal no resultado desse julgamento?
Nesse caso, a testemunha é obviamente da acusação e o promotor deve fazer essas e outras perguntas que sejam necessárias para indicar aos jurados que o testemunho é válido. Se não as fizer, a defesa deve fazê-las, para tentar desacreditar a testemunha. E, é claro, checar com novas perguntas as respostas da testemunha às perguntas do promotor. Como é que ela sabe, por exemplo, que foi o réu, e não outra pessoa, que jogou o saleiro no palco?
De uma maneira geral, é sempre preciso estabelecer o ponto de observação, a posição favorável ou desfavorável, o posto privilegiado, o ângulo privilegiado ou a perspectiva.
É como em um jogo de futebol. O juiz deixa de marcar um pênalti “claro”, aos 48 minutos do segundo tempo, a favor de seu time. E ainda mostra o cartão amarelo ao atacante. A torcida vaia, xinga o juiz. O xingamento mais gentil é o tradicional “juiz cego”. Até que o telão do estádio mostra o replay do lance. Realmente não foi pênalti. Foi só uma simulação do atacante de seu time.
No tribunal, não há replay do lance, não há tira-teima ou qualquer outro recurso tecnológico. Imagine que o juiz tenha, então, de testemunhar, em um tribunal, que realmente não foi pênalti. Nesse caso, será preciso estabelecer a capacidade do juiz de ver, ouvir e conhecer as coisas sobre as quais está testemunhando.
Se um advogado ou promotor vai interrogar o juiz sobre a não marcação, aos 48 minutos do segundo tempo, não deve começar perguntando o que ele viu ou o que ele não viu. Deve, antes de tudo, estabelecer, por meio de perguntas ao juiz, que ele estava bem posicionado, suficientemente próximo do lance e que, em outras palavras, tinha a capacidade de ver o que realmente aconteceu:
— Qual é a capacidade do juiz de ver? Que tal sua visão?
— A qual distância ele estava do lance?
— Como ele pode garantir que estava posicionado corretamente?
— Há um treinamento ou orientações para o posicionamento do juiz em campo?
— Como um juiz pode saber quando um jogador está simulando um pênalti?
— Há algum treinamento para isso?
— Qual é a importância de seguir esses treinamentos?
— Havia algum jogador no caminho que pudesse atrapalhar sua visão?
— Onde sua atenção estava focada no momento do lance?
Ao esclarecer essas possibilidades de dúvidas e estabelecer a credibilidade do juiz, os jurados irão atribuir mais peso a seu depoimento. É preciso estabelecer o ponto de observação muitas vezes privilegiado da testemunha, bem como sua capacidade de ver, de lembrar ou interpretar os fatos. Em alguns casos, a testemunha pode ter um treinamento especial, uma habilidade de percepção, conhecimento ou experiência que outras pessoas não têm.
Tudo o que uma pessoa testemunha, no fundo, é uma versão dos fatos. Uma pessoa, a alguns metros de distância, com um outro ângulo de visão, pode ter uma versão um pouco diferente. Por isso, tudo o que contribuir para aumentar a credibilidade da sua testemunha deve ser convenientemente explorado, para assegurar a aceitação e a validade do testemunho.
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