Sem abuso

Dicionário pode mostrar definição pejorativa do termo “cigano”

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8 de julho de 2014, 8h24

Os dicionários apenas registram o significado atribuído a uma determinada palavra, sem o papel de expressar juízo de valor sobre alguma coisa ou alguém. Com esse entendimento, a Justiça Federal em Minas Gerais julgou improcedente tentativa do Ministério Público Federal de retirar de circulação edições do dicionário Houaiss por “definição pejorativa ou preconceituosa da palavra cigano”.

Em 2012, a Procuradoria da República em Uberlândia (MG) apresentou Ação Civil Pública contra a forma como o termo era tratado. Segundo o Houaiss, cigano é usado como “aquele que trapaceia; velhaco, burlador” e “aquele que faz barganha, que é apegado ao dinheiro; agiota, sovina”. Para a procuradoria, trata-se de uma visão depreciativa que influencia o conceito que a sociedade possui dessa etnia.

Como a editora Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss ignoraram recomendação extrajudicial, o MPF queria a suspensão definitiva da tiragem ou da venda das edições publicadas na época, em todo o território nacional, e também que as rés fossem condenadas a pagar R$ 200 mil por dano moral coletivo.

O juiz federal Marcelo Aguiar Machado, da 19ª Vara Federal de Belo Horizonte, avaliou que a informação contida no dicionário não pode ser classificada como abusiva, injuriosa, caluniosa, difamatória ou mesmo inverídica, pois retrata apenas uma definição catalogada.

“Os dicionários procuram apreender o significado atribuído a uma determinada palavra, através dos usos e empregos dos mais diversos, no padrão culto ou informal da língua, de forma que não se trata de expressar determinada ideia a respeito de alguma coisa ou alguém, ou de conceituar, mas sim de registrar e informar ao leitor as diversas significações que aquela palavra adquiriu nos seus mais diversos usos sociais, em momentos históricos variados, inclusive eventuais usos pejorativos ou discriminatório”, afirmou.

Dessa forma, para o juiz, os significados e usos atribuídos à palavra cigano no dicionário não contêm juízo de valor próprio, não ferem o direito constitucional e não denotam o propósito de ofender ou macular a honra dos ciganos. Ele afirmou que não cabe aos responsáveis pelo dicionário fazerem qualquer tipo de censura ou adequação do uso social de determinada palavra, respeitando o direito constitucional dos leitores de ter acesso à informação.

Machado disse ainda que o próprio Houaiss alerta os leitores quando o significado atribuído a determinado verbete é pejorativo, por meio da abreviação “pej.”. Ainda cabe recurso.

Retrato histórico
Para a juíza Olga Vishnevsky Fortes, titular da 73ª Vara do Trabalho de São Paulo e que se autodenomina como cigana, dicionários devem mostrar como a língua é falada, o significado histórico atribuído pelo povo. “O que originou esse significado é fruto de preconceito, mas o significado de fato existe, por isso não pode ser retirado”, afirma.

Em artigo publicado na revista Consultor Jurídico em 2012, quando o MPF apresentou a ação, ela defendeu que a luta contra o preconceito depende de que os ciganos assumam sua identidade e esclareçam a sociedade.

Clique aqui para ler a sentença.
0001657-29.2012.4.01.3803

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