Mercadoria do Paraguai

Motorista pode ser punido por contrabando feito por passageiros

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5 de julho de 2014, 6h04

A autoria do delito de contrabando ou descaminho pode ser imputada ao motorista que transporta irregularmente as mercadorias se ele tiver consciência da ilicitude de sua conduta. Com este entendimento, a 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou, por maioria, Embargos Infringentes a um motorista condenado em sede de Apelação. Em primeira instância, a sentença o absolveu do delito de descaminho, por causa da ausência de elementos que apontassem conluio com os proprietários das mercadorias trazidas do Paraguai.

O juiz convocado José Paulo Baltazar Junior, relator do recurso no TRF, se convenceu de que o réu transportou as mercadorias ciente de que se tratava de importação irregular, pois foi feita sem o recolhimento de tributos. Ele também citou jurisprudência assentada nas duas turmas criminais. A 8ª Turma da corte, observou, já havia firmado entendimento de que motorista de excursão, ciente da finalidade da viagem para aquisição de mercadorias estrangeiras em país vizinho, pode ser caracterizado como autor do crime de descaminho.

"Outrossim, a tese defensiva de que as mercadorias pertenceriam aos passageiros que estariam no ônibus não restou provada, ante inexistência de lista de passageiros com identificação das mercadorias", apontou no acórdão, lavrado na sessão do dia 22 de maio.

A denúncia
O imbróglio teve início no dia 24 de setembro de 2006, quando um ônibus que transportava grande quantidade de mercadorias procedentes do Paraguai foi parado no Paraná. Como a fiscalização da Receita Federal apurou que os produtos importados sem o recolhimento de tributos, a denúncia foi dirigida contra o motorista.

O Ministério Público Federal informou, na petição inicial, que o denunciado viajava semanalmente com o objetivo fazer compras no país vizinho. O veículo era cedido pelo dono da empresa de transporte, por meio de contrato verbal. O denunciado foi incurso nas sanções do artigo 334 do Código Penal, que tipifica crime de descaminho.

Sem liame subjetivo
A juíza substituta Raquel Kunzler Batista, da 4ª Vara Federal de Foz do Iguaçu (PR), ponderou que, no procedimento fiscal, não há presunção de que o motorista do veículo seja o titular das mercadorias apreendidas. Para a julgadora, uma coisa é estender a ação fiscal ao transportador; outra é fazer esta extensão gerar consequências penais. Afinal, não há responsabilidade objetiva no Direito Penal.

Ela também destacou que o acusado não só se negou a assinar o "Termo de Retenção e Lacração do Veículo" como apontou os passageiros como os verdadeiros donos das mercadorias. "Não há na denúncia, nem no respectivo procedimento administrativo, qualquer elemento que aponte que o acusado estivesse de conluio com os proprietários das mercadorias na prática da conduta criminosa", explicou.

Por fim, a juíza observou que o fato de o acusado conhecer o destino e a finalidade da rota não é suficiente, por si só, para lhe atribuir responsabilidade criminal pelo transporte ou propriedade das referidas mercadorias. 

Condenação por maioria
Inconformado com a sentença, o MPF interpôs Apelação no TRF-4, repisando o argumento de que o réu não atuou apenas como motorista neste delito de descaminho. Na verdade, assegurou o MPF, ele faz desta atividade o seu modo de vida.

O relator do recurso na 8ª Turma, desembargador João Pedro Gebran Neto, observou, como regra, que o motorista de excursão será responsabilizado se ficar comprovada a sua participação no descaminho, inclusive acobertando o ilícito praticado por terceiros. Ou seja, não se presume autoria do crime apenas ante a presença das mercadorias irregularmente internalizadas no interior do veículo.

Entretanto, no caso concreto, disse que o réu tinha o dever, por força de sua função, de efetuar a identificação das bagagens, embora não fosse obrigado a examinar os volumes. Convicto da autoria do crime, o relator condenou o réu à pena de um ano de reclusão, em regime aberto. Na dosimetria, a pena corporal foi substituída por restritiva de direitos, consistindo em prestação de serviços à comunidade. O entendimento foi acompanhado pelo voto do então juiz convocado, hoje desembargador, Leandro Paulsen.

O terceiro integrante do colegiado, desembargador Victor Luiz dos Santos Laus, entretanto, teve entendimento diferente e negou provimento à Apelação. Para ele, em nenhum momento, foi atribuída ao réu a condição de proprietário ou responsável pelas mercadorias, mas apenas a de condutor do veículo. Assim, este poderia ser enquadrado como partícipe, destacou Laus, mas os passageiros do ônibus não foram identificados na persecução penal.

"Para a configuração do tipo penal em tela [artigo 334 do Código Penal] e responsabilização do motorista do ônibus que teria agido como partícipe, mostrar-se-ia indispensável a comprovação de que os autores do delito teriam introduzido mercadorias no país sem a respectiva documentação de regular importação, o que, in casu, somente seria viável mediante a identificação dos respectivos proprietários e/ou dos organizadores da viagem", justificou em seu voto.

Além disso, assinalou, a doutrina e a jurisprudência adotam a "teoria de acessoriedade limitada"na análise da punição do partícipe. Ou seja, é necessário apurar se este praticou, no mínimo, um fato típico e antijurídico, situação que não ficou demonstrada nos autos deste processo.

Condenado, o réu interpôs Embargos Infringentes na 4ª Seção do TRF-4, pedindo, num novo julgamento, a prevalência do voto divergente. O colegiado, formado por integrantes da 7ª e 8ª Turmas, é especializada em Direito Penal e sua função é uniformizar a jurisprudência naqueles casos em que não houve consenso nas turmas singulares. Os magistrados da Seção, por maioria, condenaram o motorista.

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Clique aqui para ler o acórdão de Apelação.

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