Sob nova direção

"A Justiça não é dos juízes, ela está a serviço das pessoas"

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12 de janeiro de 2014, 8h55

Spacca
O desembargador José Renato Nalini iniciou, no dia 2 de janeiro, a mais desafiadora etapa de sua atuação junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Nos dois anos anteriores à sua aposentadoria compulsória, ele será o presidente daquele que é tido como o maior tribunal do mundo, exatamente no momento em que o TJ-SP passa por radicais transformações.

Corregedor-geral da Justiça durante a gestão de Ivan Sartori, Nalini percorreu o estado, durante dois anos, visitando as comarcas do interior. O conhecimento adquirido o faz defender propostas como a instalação de câmaras extraordinárias no interior de São Paulo, levando a segunda instância para o interior paulista.

O desembargador promete uma gestão diferente de seu antecessor, o que inclui uma nova relação com o Ministério Público e a advocacia, sem deixar de lado os servidores e magistrados, grandes beneficiados pela atuação em defesa do tribunal que pautou a presidência de Ivan Sartori.

Defensor do home office como alternativa ao horário rígido de trabalho e dos julgamentos temáticos para reduzir o estoque de processos e evitar decisões distintas em matérias iguais, José Renato Nalini apresentou, minutos após a confirmação de sua eleição, uma proposta polêmica: buscar recursos para o TJ-SP junto aos organismos internacionais.

Passados quase 50 dias da vitória, ele não mudou de ideia. De acordo com o presidente do TJ-SP, os órgãos “sempre criticam o Judiciário, falando sobre a lentidão dos processos e a imprevisibilidade das decisões”, e nada melhor do que obter auxílio financeiro destas mesmas entidades para corrigir os problemas da Justiça paulista.

José Renato Nalini recebeu a reportagem da revista Consultor Jurídico na tarde de 3 de janeiro, um dia após a missa solene que marcou o início de sua gestão. Com o TJ-SP em recesso, seria de se esperar um início de trabalho marcado pela calma e o estudo da situação, mas o notívago desembargador — que, segundo colegas de tribunal, dorme apenas quatro horas por noite — já estava lotado de compromissos.

A primeira reunião do novo presidente com sua equipe durou mais do que o esperado, e apertou o início da entrevista, já que Nalini também receberia Oscar Vilhena, diretor da Direito GV, para fechar um acordo de colaboração. Retomada a entrevista, o presidente do TJ-SP voltou a explicar como pretende trabalhar até a véspera do Natal de 2015 quando, já com o sucessor eleito, se aposentará.

Leia a entrevista:

ConJur — Presidente, quais são seus planos e prioridades à frente do Tribunal de Justiça de São Paulo?
José Renato Nalini — Pretendo continuar com o que já está sendo feito, porque são metas próprias e também metas do Conselho Nacional de Justiça, órgão que está acima de todos os tribunais superiores, exceto o Supremo Tribunal Federal. Então, o TJ-SP está se afinando com o CNJ e vai seguir as metas também. Mas a gestão terá um estilo diferente da anterior, e um dos focos será melhorar o orçamento do Tribunal, que embora milionário, é um orçamento insuficiente para a estrutura atual, que foi ampliada, com reposição de milhares de servidores, o que terá impacto agora.

ConJur — E como o senhor pretende trabalhar essa questão do orçamento?
José Renato Nalini — Em várias frentes. Uma é convencendo a Assembleia Legislativa e o governo estadual de que, se o Tribunal de Justiça de São Paulo é o maior do Brasil e o maior do mundo, ele precisa ter orçamento compatível. Pretendo convencer o governo e os deputados sobre o artigo 99 da Constituição, que fala sobre a observância da autonomia financeira e administrativa da Justiça, regra essa que é repetida no artigo 55 da Constituição estadual. Atualmente, o Judiciário elabora seu orçamento, mas ele já chega mutilado pelas assessorias e pela secretaria de Planejamento. Eu, por exemplo, começo a gestão com um déficit de R$ 600 milhões, sem recursos.

ConJur — Qual é o orçamento ideal?
José Renato Nalini — Não sei. As necessidades do tribunal são crescentes, assim como a demanda por justiça. Isso baseou um manifesto meu questionando se a sociedade quer um Judiciário que atenda a toda e qualquer demanda, mesmo o que não precisa ser levado ao juiz. Isso tornaria necessário um juiz em cada esquina, mais varas, aumentar o tribunal até o infinito. A outra opção é investir em outras áreas, para aliviar a Justiça das causas que não são conflitivas, como as execuções fiscais e questões menores, que poderiam ser resolvidas administrativamente. Mas esta questão não será discutida e concluída pela sociedade em dois anos.

ConJur — E como fazer enquanto essa decisão não é tomada?
José Renato Nalini — Enquanto isso não ocorre, com a necessidade de sustentar a máquina, eu buscarei melhorar o orçamento, lutando para que o governo repasse ao Judiciário todos os emolumentos extrajudiciais, como ocorre no Brasil inteiro, especialmente no Rio de Janeiro. O TJ-RJ inclusive empresta dinheiro para o governo e constrói seus prédios. Em São Paulo, o cenário é diferente, os emolumentos vão para a Fazenda. Eu também quero convencer os organismos internacionais como Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Fundação Ford, Fundação Harvard, Fundação Bill Gates, que sempre criticam o Judiciário, falando sobre a lentidão dos processos e a imprevisibilidade das decisões, de que se o objetivo é um Judiciário eficiente, eles podem auxiliar com capacitação, infraestrutura de informática e com recursos.

ConJur — Como o senhor pretende distribuir o orçamento?
José Renato Nalini — O orçamento que foi aprovado é de aproximadamente R$ 6,88 bilhões, sendo que R$ 6,29 bilhões, cerca de 90%, são apenas para pessoal, já que o Judiciário depende dos 2,4 mil magistrados e dos 44 mil funcionários. O restante deve ser utilizado para investimento, informatização, obras em prédios e outras necessidades. É evidentemente insuficiente. Eu tenho um grande problema em março, mês que é a data-base do reajuste dos funcionários, e não posso passar para a história como o presidente que não deu seguimento à gestão que atendeu as expectativas dos funcionários.

ConJur — Quais projetos do ex-presidente Ivan Sartori o senhor pretende manter e o que quer mudar?
José Renato Nalini — Eu não mudarei nada, apenas tentarei reduzir custos. Um exemplo é a vigilância privada, um serviço terceirizado. São quase três mil funcionários, com salário variável, e o gasto mensal do tribunal é superior a R$ 15 milhões. Eu tentarei reduzir gradualmente, já que não é possível interromper imediatamente.

ConJur — A gestão do desembargador Ivan Sartori foi muito aprovada por servidores e magistrados, mas desagradou aos advogados e membros do Ministério Público. Isso vai mudar?
José Renato Nalini — Foi importante a tomada de posição do tribunal em relação a uma situação que vinha se prolongando: o Ministério Público é tradicionalmente um hóspede do Judiciário, que é sempre bem avaliado quando se analisa o sistema. É interessante, então, que o MP tenha uma estrutura compatível com essa responsabilidade. A magistratura e o MP caminham juntos, em alguns países são uma coisa só, a magistratura de pé — o MP — e a magistratura sentada — os juízes. Então, não faz sentido forçar a desocupação de salas. A polêmica serviu para que o Ministério Público pensasse em uma política de sedes próprias, mas não pretendo despejar os promotores. Como corregedor, eu vi em visita a comarcas do interior que o convívio é muito saudável.

ConJur — E quanto à Ordem dos Advogados do Brasil?
José Renato Nalini — Pretendo conversar com a advocacia. A reclamação que eu ouvi da OAB foi sobre a revista para ingresso em fóruns. Eu já estou repensando se é necessária a vigilância privada a um custo elevado, e vou flexibilizar a revista. Quando houve episódios preocupantes sobre a segurança das instalações? Houve o caso isolado de Rio Claro — em janeiro de 2012, uma bomba dentro de uma caixa com pregos e esferas de chumbo explodiu no fórum, deixando dois funcionários feridos. Talvez o aparato não seja necessário, é só observar a quantidade de seguranças, e não é apenas a revista aos advogados, que é um pouco exagerada, mas também em relação aos juízes, os seguranças não conhecem os magistrados. Isso vai eliminar ou atenuar bastante o problema com os advogados.

ConJur — Há alguma outra queixa da advocacia?
José Renato Nalini — Outro ponto é o processo eletrônico, as informações mostram que, passado o trauma inicial, as pessoas se acostumaram e o sistema está funcionando. Quem realmente precisa da Justiça sabe que é melhor a decisão em seis meses, com o processo digital, do que em dois anos com o processo físico. É preciso ter outra realidade, se o advogado tem dificuldade com a informática, um estagiário ou um parente pode ajudar.

ConJur — Ou seja, o processo eletrônico garante celeridade?
José Renato Nalini — Já trouxe, está provado. Na reunião que ocorreu antes da entrevista, as secretárias de primeira e segunda instância relataram os benefícios do processo eletrônico. Outro ponto importante é que está diminuindo o consumo de papel, sem cartão de Natal, de aniversário, que você recebe, lê e joga no lixo.

ConJur — A Justiça paulista até julga mais do que no passado, mas o aumento da demanda faz com que o número de novos processos supere o de julgados. Como inverter a equação?
José Renato Nalini — O Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania vai continuar, sob a responsabilidade do desembargador José Roberto Neves Amorim, que era do CNJ e foi quem intensificou o estímulo à conciliação. Ele tem um know-how grande, novas ideias. Ao mesmo tempo, é preciso estimular um refluxo da demanda, identificando os maiores clientes do Judiciário, por exemplo, e recomendando que nos casos de execução fiscal, seja utilizado o cartório de protesto, ou a busca por estratégias de administração da dívida ativa administrativamente. Também é possível definir um piso, porque a tramitação de uma execução fiscal fica em torno de R$ 1,5 mil, e não tem sentido entrar com uma execução de valor inferior a esse.

ConJur — Como será a parceria que o senhor acaba de fechar com a FGV?
José Renato Nalini — Dentro da linha de incentivar a sociedade a se interessar pelo Judiciário, foi fechado um convênio de cooperação com a Escola de Matemática Aplicada da FGV do Rio de Janeiro. Um engenheiro comandará a análise de dados jurídicos, utilizando técnicas de análise de estatísticas, de processamento da linguagem natural, de visualização de dados, de georeferenciamento, e permitirá que seja identificado com precisão o perfil dos maiores litigantes do Judiciário. Também será possível estimar a evolução das demandas, verificar os locais em que há crescimento e estudar a evolução dos objetos das petições. O TJ-SP terá subsídios valiosos para o planejamento de novas estruturas, e também será feito um levantamento completo do estudo de andamento de processos, como já ocorreu no TJ-RJ.

ConJur — Também será analisado o conteúdo das decisões?
José Renato Nalini — Sim, é um trabalho que tem como base o universo inteiro dos 20 milhões de processos, e não por amostragem. Isso é muito importante, e se soma aos convênios que já existem, com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) , Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Fiesp/Ciesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo/Centro das Indústrias do estado deSão Paulo), já mantive contato com a Fipe (Fundação e Instituto de Pesquisa Econômica). O intuito é mostrar que a sociedade sustenta o Judiciário, a justiça não é dos juízes, é um serviço público para resolver problemas das pessoas.

ConJur — Esse estudo está relacionado ao projeto de levar os desembargadores para outras cidades?
José Renato Nalini — Sim. Essa é uma ideia antiga, desde a época em que ainda existiam os tribunais de alçada já se cogitava a existência de câmaras fora de São Paulo. O planejamento está mais fácil, é possível fazer um levantamento do número de demandas por região e verificar se isso justifica a descentralização. Eu penso em testar isso experimentalmente, para ver se funciona, mas acho que há vantagens, como amenizar o problema da mobilidade urbana na capital. Alguns desembargadores moram em outras regiões e, em vez de vir para São Paulo, ficariam na região, o advogado também não precisa se locomover, a parte pode assistir. De certa maneira, isso leva a segunda instância para a região em que surgiu a demanda.

ConJur — As câmaras seriam rearranjadas ou é preciso criar novas câmaras com desembargadores que moram na região?
José Renato Nalini — Normalmente, há uma agregação natural, como os desembargadores viajam juntos, já se conhecem, existe uma conjugação, nós chamamos de pássaro de igual plumagem. Se for preciso, criam-se câmaras extraordinárias experimentais. Há pessoas que não querem morar em São Paulo, o grande pedido de remoção é para o interior. Essa medida atenderia à busca por qualidade de vida, sem aumentar o quadro de desembargadores, porque o número é suficiente, só elevando a produtividade.

ConJur — E como se pode aumentar a produtividade?
José Renato Nalini — Uma tentativa é o julgamento temático. Por que as causas idênticas ou muito semelhantes, são distribuídas, por exemplo, entre 190 desembargadores da Seção de Direito Privado? Os tribunais superiores já fazem julgamento temático, em bloco. Eu sei que há resistência, com base no argumento clássico do juiz natural, mas é preciso flexibilizar essa argumentação. Juiz natural é aquele que está no exercício regular da função. Se for comparado o custo-benefício, seria menos oneroso e mais producente para Justiça a decisão em atacado de uma série de demandas iguais.

ConJur — Presidente, o senhor defendeu o home office, alegando que os funcionários podem produzir mais. O trabalho de casa também deve valer para os desembargadores?
José Renato Nalini — A tendência é essa, não é o TJ-SP que está inventando. Há alguns anos, esteve no Brasil o ministro Anthony Kennedy, da Suprema Corte dos Estados Unidos, e ele decidia do exterior os processos que chegavam para ele. Já existe um sistema que permite a decisão de casa, cada desembargador tem a sua assinatura eletrônica, recebe o processo, lê e já decide. Isso não deixa a pessoa mais tranquila, ao contrário, ela está sobre vigilância permanente, pois está com o celular, ele toca e é preciso responder.

ConJur — Esse modelo vai substituir o julgamento físico?
José Renato Nalini — A tendência é de aumento das seções virtuais, pois a parte que tem pressa, que realmente quer a decisão, e não utiliza a Justiça para prolongar uma situação, vai perceber que isso é melhor para ela. Essa ideia do home office depende de estudos, de se formar uma cultura entre a chefia, para verificar qual é o servidor que merece. Alguém que tem como função preparar minuta de voto, fazer pesquisa de jurisprudência, não rende mais em casa, desde que com consciência e responsabilidade? O modelo é adotado no mundo inteiro, porque o Judiciário precisa ter o modelo rígido, todos os funcionários entrando e saindo na mesma hora?

ConJur — Existe alguma outra possibilidade para esse tema?
José Renato Nalini — É possível adotar turnos, ou um esquema de compensação, cativando as pessoas e mostrando a elas a importância e relevância do que fazem, e não ficar fiscalizando como se fosse um preso, de forma rígida. Foi aberta uma discussão saudável, porque o tribunal sai de uma previsão de horário rígido para a possibilidade de flexibilizar, e é bom que esse assunto seja debatido.

ConJur — Como presidente, o senhor pretende incentivar os desembargadores a promoverem audiências com advogados pelo Skype, como faz a ministra Nancy Andrighi, do STJ?
José Renato Nalini — Eu sou favorável a tudo isso que acelere e simplifique a prestação, e que elimine o formalismo, o ritualismo. A Justiça ficou muito hermética, ficou muito defasada, ficou muito anacrônica. O ritmo da sociedade é um, o ritmo do Judiciário é outro. É preciso que a Justiça acerte o passo com a contemporaneidade, algo que não vai ocorrer em dois anos, mas é preciso levantar as novas perspectivas, olhar de forma diferente para coisas que sempre foram feitas da mesma forma.

ConJur — Presidente, existem casos idênticos que caem em câmaras diferentes e são julgados de forma oposta. Alguns desembargadores também criticam o julgamento temático, apontando que não seria necessária a câmara, bastaria uma decisão monocrática. Como resolver essa dualidade?
José Renato Nalini — O sistema jurídico permite que a hermenêutica seja a grande regra que preside os julgamentos. A grande regra, o grande critério para julgar é a interpretação. O magistrado pode tender de um lado, de outro. Isso é decorrência de uma Constituição que é um deposito de antagonismos, que abrange tudo. É muito fácil para qualquer julgador escolher a opção que mais se coaduna com a sua formação filosófica, jurídica, sociológica, antropológica, histórica, econômica, religiosa. O risco de decisões conflitantes ou contraditórias é do sistema, não do juiz. Até o Supremo Tribunal Federal fica às vezes empatado diante da mesma situação, da mesma leitura. Eu acredito que seja melhor para a outorga da prestação jurisdicional ter uma decisão, mesmo que proveniente de uma orientação, do que você ter 20 decisões.

ConJur — O que o advogado poderia fazer se ele sabe que já um caso igual em que o pedido foi aceito?
José Renato Nalini — Entrar com ação rescisória e verificar. No entanto, a estratégia da defesa é uma questão pessoal, personalíssima, cada um sabe como é que vai defender ou postular os seus direitos, e existe também um problema de prazo. Desde os romanos que se repete, dormientibus non sucurrit ius — o Direito não socorre os que dormem —, se você não atuou em um certo tempo, a porta da Justiça não fica permanentemente aberta. A demanda prescreve e situações de injustiça podem se perpetuar.

ConJur — O senhor pretende estimular a edição de súmulas, que pode ser uma solução para estes casos?
José Renato Nalini — Essa é uma ferramenta interessante. O presidente é um administrador do tribunal, deve pensar em fazer com que o pessoal esteja satisfeito, seja atendido nas suas pretensões legítimas, para produzir bem e atender a comunidade. Porém, eu não tenho poder de interferir na questão jurisdicional. Essa não é a função do presidente, que é um administrador. As seções têm editado súmulas, e eu acho vantajoso, pois é uma referência, um parâmetro para quem vai se servir da justiça, indicando para qual lado a jurisprudência predominante se inclina. Mesmo assim, o juiz sempre pode, de acordo com os seus olhos, dizer que aquilo não se aplica exatamente.

ConJur — A PEC dos Recursos pode ajudar a reduzir a demanda da Justiça?
José Renato Nalini — Eu sou favorável. Os advogados resistem à PEC, e é por isso que ela não foi aprovada, mas o projeto é o resultado da constatação de que há um uso abusivo do Judiciário. Não faz sentido que existam mais de 50 oportunidades de reapreciação do mesmo tema. É normal um reexame se a decisão de primeira instância foi insatisfatória, mas essa é a decisão que tem que ser prestigiada. O juiz é quem examina as provas com mais profundidade, olha no rosto da vítima enquanto ela está viva, inquire as testemunhas, e tem mais condições de fazer justiça. Quando chega à segunda instância, o trabalho já é sobre teses, teorias, a interpretação sobre a incidência concreta da lei ao caso.

ConJur — O caso deveria acabar na segunda instância, então?
José Renato Nalini — O juiz monocrático pode ter apreciado mal. Mas, depois, vem um colegiado, com ao menos três pessoas, presumivelmente mais experiente, que só fazem isso, e dão uma solução. Por que não aceitar isso? O caso vai para o STJ, depois chega ao STF, mas com idas e vindas, Embargos de Declaração, Embargos Infringentes, agravos, Mandado de Segurança. A pacificação deve preferir uma decisão, ainda que não fosse a mais justa, à indefinição. É questão de ponto de vista, existe controvérsia, mas eu considero um suplício.

ConJur — O senhor acompanhou de perto, durante os últimos dois anos, a primeira instância. Qual é o cenário?
José Renato Nalini — A primeira instância, que deveria ser a mais prestigiada, foi de certa forma relegada nos últimos anos, em virtude das vicissitudes que ocorreram no Judiciário. Existiam três tribunais de alçada, além do TJ, que foram unificados em um só, algo que é traumático. O Tribunal de Justiça passou de 136 desembargadores para 360, e foi preciso se preocupar com gabinete, pessoal, estrutura. E de onde vieram esses funcionários? Do primeiro grau de jurisdição. Os melhores servidores começaram a deixar as varas, prejudicando a primeira instância, e apenas na última gestão houve reposição de escreventes, foram pagas diferenças salariais, dando ânimo novo ao pessoal. Ao visitar as comarcas, eu vi que algumas estão bem aparelhadas e estruturadas, mas outras passam por situação de insuficiência de estrutura, funcionando em galpões, em um salão paroquial, em um cinema abandonado, por exemplo.

ConJur — E quanto à situação dos servidores?
José Renato Nalini — O funcionalismo está muito animado, o que me motiva a seguir com essa política de manter o pessoal satisfeito. Não é só para agradar, é para que ele retribua prestando o melhor serviço. Há pessoas heroicas, que trabalham em condições sofríveis, levando sabonete e papel higiênico de casa, o que me faz pensar na necessidade de a sociedade ajudar a manter o judiciário. O município que se serve da justiça estadual, por exemplo, pode colaborar, a prefeitura que puder deve ajudar a manter o fórum, e também com pessoal, pois não há condições de chegar ao número considerado ideal de servidores.

ConJur — Houve contato com a advocacia durante as viagens que o senhor fez como corregedor?
José Renato Nalini — Sim, até porque as visitas correcionais não são de surpresa. As viagens eram precedidas de um edital convocando todas as pessoas para audiências públicas e outorgando ao juiz a responsabilidade de oficiar a prefeito, Câmara Municipal, delegados, a OAB, além da população. Todas as visitas resultaram em uma ata com dos pedidos, e ninguém ficou sem resposta e providencia. Existia um grupo para auxiliar aquelas varas ou comarcas que estivessem com acúmulo de serviço, e funcionou tão bem que o Pedro Cristovão Pinto, coordenador do Gabinete de Apoio Técnico e Administrativo da Corregedoria e responsável por esse “pronto-socorro”, assumirá uma das secretarias do TJ-SP.

ConJur — Como foi a relação com os cartórios?
José Renato Nalini — Eu tive muita alegria com o setor extrajudicial. Eu fui juiz da 1ª Vara de Registros Públicos, e era corregedor permanente dos cartórios de São Paulo, tanto de Registros de Imóveis como dos Tabelionatos de Protestos. Também fui temporariamente juiz da 2ª Vara de Registros Públicos e corregedor dos outros cartórios, Registros Civil das Pessoas Naturais, registro de todos os documentos e tabelionato de notas. No passado, o tabelião era responsável também pela vara, e o trabalho era excelente, feito por gente dedicada, entusiasta.

ConJur — Quando isso mudou?
José Renato Nalini — Com a Constituição de 1988, começou a estatização, os cartórios passaram a ser objeto de delegação por parte do Estado, sem nenhuma contribuição estatal, trabalhando por sua conta e risco. Isso gerou uma espécie de distanciamento entre o Judiciário e o extrajudicial. Quando eu assumi a corregedoria, queria reaproximar a categoria, que pode ajudar a desafogar a Justiça. Isso levou à atualização das normas de serviço da corregedoria geral do extrajudicial e ao Provimento 17, que autorizava a conciliação, algo que já é feito. Se alguém vai ao tabelião e diz que quer lavrar uma escritura de acordo, ele é obrigado a fazer, essa é sua função. O provimento institucionalizava isso, a OAB recorreu ao CNJ e uma liminar impugnou o provimento.

ConJur — Agora como presidente, o senhor pretende voltar à carga de alguma maneira com o Provimento 17?
José Renato Nalini — Não. Eu sou muito cioso das atribuições, fiquei muito feliz com a atuação enquanto corregedor, mas acho que uma lição de sabedoria é não voltar, virar a página. Assumi a presidência e há outro corregedor — o desembargador Hamilton Elliot Akel —, que vai imprimir a direção dele. O que passou, passou, fiz o que foi possível e não quero me imiscuir nas atribuições correcionais, ainda que vá palpitar em relação ao registro de imóveis, pois conheço a matéria e tenho de votar

ConJur — Foram abertos muitos processos administrativos contra juízes durante sua gestão na corregedoria?
José Renato Nalini — O nível foi semelhante a outros períodos. Eu tinha uma proposta de corregedoria diferente, transformada em um órgão de aconselhamento, de orientação, de apoio, e só em ultimo caso, um órgão punitivo. Acredito que a maior parte dos juízes, quando tem uma fissura em sua conduta, ou quando erra, o faz por falta de orientação, da presença de alguém que diga a ele como deveria se portar. Especialmente no interior, o juiz é um cidadão muito isolado, solitário, o que causa angústia e pode levar o julgador a cometer algum deslize.

ConJur — O corregedor deve então auxiliar, e não punir?
José Renato Nalini — Eu sempre busquei conversar com os juízes, monitorar a situação, e arquivei uma porcentagem grande dos processos administrativos. A corregedoria recebe muitas reclamações de pessoas que perderam uma causa e, pelo insucesso, começam a culpar o juiz. Ele era ouvido, ficava claro que foi uma questão jurisdicional e o processo era arquivado, com controle do CNJ. Só foram abertos processos administrativos quando nada mais era possível, tratava-se de um atraso reiterado, que perdura por anos, em uma comarca em que todos os juízes têm produção razoável, alguns acima da média, outros na média, e uma juíza sempre está com produção insuficiente.

ConJur — E como é o processo administrativo?
José Renato Nalini — Primeiro, é feita uma verificação, que comprova a possibilidade de abertura de procedimento administrativo. Ao juiz é permitida a defesa prévia, antes da abertura do processo, e quando ela não é satisfatória, o pedido é encaminhado ao Órgão Especial do TJ-SP. O problema é que, durante o caso, muda a diretoria da OAB, e os novos dirigentes passam a defender o juiz, por exemplo. Além disso, o Brasil é o país do “coitadinho”. Todo mundo fala sobre o problema e, quando começa o processo administrativo, as pessoas ficam com dó.

ConJur — Como a sua boa relação com o ministro Joaquim Barbosa pode beneficiar a Justiça de São Paulo?
José Renato Nalini — A boa relação é sempre melhor do que a má relação. É preciso entrar em uma fase de menor contestação, e eu defendo que o tribunal se antecipe ao CNJ. Quais são as metas? Será que é possível se adiantar, ir além do que o CNJ estipulou? Outra possibilidade é estimular ideias e práticas criativas, ousadas, que podem ser disseminadas pelo conselho na sequência. É preciso que o TJ-SP colabore com o CNJ em vez de fazer oposição, criar resistência.

ConJur — Presidente, o senhor disse que o Judiciário não deveria ser responsável pelos precatórios ou priorizar essa questão. Como trabalhar essa situação?
José Renato Nalini — Eu já me reposicionei, estou conversando com o Flávio Brando, representante abalizado dos setores interessados, e vou manter um dialogo com ele. Depois de ter conversado também com o desembargador Pedro Cauby Pires de Araújo, coordenador da Diretoria de Execuções de Precatórios e Cálculos do TJ-SP, e a área de precatórios terá boas novidades. Ao falar sobre precatórios, eu disse que assim como cobrar dívida não deveria ser função do Judiciário, o mesmo vale para o pagamento de dívidas, pois trata-se de funções anômalas. No entanto, há essa obrigação, que será enfrentada da melhor forma possível. Não posso adiantar nada, porque é coisa ainda muito precoce, prematura, mas os planos que já foram discutidos me animam a dizer que o setor de precatórios do TJ-SP terá boas novidades.

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