"Conduta antijurídica"

Advocacia critica ataque do MPF a diretores do Google

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27 de fevereiro de 2014, 16h46

A atitude do Ministério Público Federal de São Paulo ao denunciar os diretores jurídicos do Google pelo crime de desobediência após a empresa não cumprir ordens de enviar dados de usuários chamou a atenção da advocacia no país. Para advogados, a medida fere as prerrogativas dos profissionais, ao tentar responsabilizá-los por uma atitude da empresa em que trabalham. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pretende entrar em contato com os acusados para que eles, “se entenderem conveniente", formalizem pedido para a intervenção da entidade em seu favor, segundo José Luis Wagner, procurador nacional de defesa das prerrogativas da Ordem.

O MPF pediu a abertura de uma ação penal contra Fabiana Siviero e André Zanatta — que não são diretores estatutários da empresa — porque, segundo o órgão, eles tiveram “conduta omissa” por o Google deixar de cumprir ordens judiciais relativas à apuração de divulgação de pornografia infantil por usuários da rede social Orkut. A denúncia é assinada pelas procuradoras da República Adriana Scordamaglia e Melissa Garcia Blagitz de Abreu e Silva. 

A denúncia do Ministério Público diz respeito ao descumprimento de 14 ordens para fornecimento de dados por parte do Google, conforme apurou a revista Consultor Jurídico. No entanto, desde 2008, mais de 8 mil ordens do mesmo tipo foram cumpridas. A empresa afirma cumprir todas as ordens “que estão ao seu alcance”, uma vez que há questões técnicas e tecnológicas envolvidas.

A base para a contagem é 2008 porque foi nesse ano que o Google assinou um Termo de Ajustamento de Conduta segundo o qual deve notificar a Justiça sobre a publicação de qualquer material ilícito, além de preservar em seus servidores os conteúdos necessários à investigação do crime por um prazo de 180 dias, prorrogável por igual período. Desde então, mais de 18 mil usuários com conteúdo impróprio foram reportados à Justiça.

Francisco Teixeira/OAB-RJ
A tentativa de responsabilizar pessoalmente os advogados Fabiana Siviero e André Zanatta “é flagrantemente antijurídica, e revela preconceito e desconhecimento com relação ao papel do advogado nas relações empresariais e com relação ao Poder Judiciário”, afirma o conselheiro federal da OAB Wadih Damous (foto). Ele explica que não cabe ao advogado, ainda que ocupe a posição de diretor jurídico, a responsabilidade por dar cumprimento a decisões judiciais.

Possível perseguição
O fato de a denúncia se basear em 14 decisões supostamente não atendidas, de um total de milhares acatadas, ainda segundo Damous, “faz presumir que se esteja diante de algum tipo de perseguição”. 

O presidente da OAB de Santa Catarina, Tullo Cavallazzi Filho,faz coro. Ele conta que o MP tem oferecido denúncia contra advogados, assistentes ou assessores jurídicos que elaborem ou assinem pareceres “cujo teor simplesmente desagrada ou não se coaduna com teses do Ministério Público”. Isso é, para Cavallazzi, uma forma de pressão que viola a liberdade do exercício profissional e deve ser repelida pela OAB e pelo Poder Judiciário.

A acusação contra os diretores jurídicos do Google é insubsistente também na opinião do presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB de São Paulo, Ricardo Toledo Santos Filho. Isso porque o trabalho do advogado é, basicamente, receber informações e retransmiti-las. “Não é o advogado que vai lá e deleta o arquivo que não é fornecido”, pontua. Por isso, não se pode atribuir ao advogado “algo funcional e material de cumprir algo que não seja da alçada dele”. Ainda é preciso observar, diz ele, as questões técnicas envolvidas, pois não se pode cobrar o cumprimento de ordens impossíveis de serem cumpridas.

Santos Filho Classifica como “lamentável” o fato de haver certa frequência nas tentativas do Ministério Público de “arrastar para o banco dos réus” advogados que exercem atividade licita. Em 2013, conta, a comissão que ele preside deu assistência a mais de 170 advogados e, se houver pedido dos profissionais do Google, sendo cabível, a comissão atuará novamente.

Outro ponto questionado é o fato de a empresa ter firmado um TAC — que nem foi assinado pelos advogados em questão — e o MP tentar responsabilizar os profissionais pessoalmente. “Não faz sentido”, reclama Fernanda Tórtima, presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB do Rio de Janeiro. Segundo ela, o caso é “esdrúxulo”.

Marcelo Knopfelmacher, presidente do Movimento de Defesa da Advocacia concorda. “Em tese e sem acesso à íntegra dos autos e da denúncia, os advogados em questão jamais poderiam responder por crime de desobediência se não estavam à frente da gestão da empresa, sem poderes, portanto, para determinar que se adotasse ou se deixasse de adotar as providências no sentido de revelar os dados de usuários de redes sociais.”

Pare ele, ao proceder desta maneira, o Ministério Público Federal estaria adotando conduta absolutamente ilegal, que decorre, lamentavelmente, da total incompreensão acerca do papel do advogado e de seu exercício profissional.

Procurado pela ConJur, o Ministério Público Federal de São Paulo não quis dar explicações sobre o caso.

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