Índices reajustados

É falso discurso dos bancos no debate sobre planos econômicos

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18 de fevereiro de 2014, 9h17

Será na próxima semana, enfim, o julgamento dos planos econômicos pelo STF. A questão jurídica é – e sempre foi – singelíssima. Os bancos aplicaram retroativamente índices novos e menores às cadernetas de poupança. Há mais de 20 anos todo o Judiciário brasileiro vem decidindo sempre no mesmo sentido, reconhecendo ilegal prejuízo aos poupadores. A aplicação dos índices menores estava em evidente conflito com a garantia constitucional da intangibilidade do ato jurídico perfeito, como está em muitas decisões do STF. É esta premissa jurídica, grosso modo, que o Supremo terá de decidir se confirma ou não no julgamento da próxima semana.

Derrotados na argumentação jurídica, os bancos reinventaram o debate a partir de uma racionalidade exclusivamente econômica. Apresentaram ao STF uma ADPF que simplesmente não aborda a controvérsia judicial em torno dos expurgos inflacionários, tal qual tratada no ambiente da consolidada jurisprudência. Na ADPF o argumento é essencialmente econômico: há risco sistêmico em eventual decisão favorável aos poupadores e, sustenta-se, não teria havido vantagem econômica alguma para os bancos com a aplicação retroativa dos novos índices.

Recentemente os bancos contaram com uma boa ajuda do ex-ministro Maílson da Nóbrega para referendar o discurso econômico que está no cerne da ADPF. Mas o que certamente não estava na conta dos bancos era o categórico desmentido, também recente, do Credit Suisse.

Em artigo na revista Veja, há duas semanas, Maílson da Nóbrega sustentou, repetindo a ADPF, que, se a decisão for favorável aos poupadores, os bancos perderiam R$ 150 bilhões. Com isso, segue o ex-ministro em discurso alarmista, “haveria contração de crédito, com redução drástica da atividade econômica e do emprego” e, consequentemente, “um desastre econômico e social de graves dimensões”. Sem se referir expressamente ao artigo do ex-ministro, mas de igual forma avaliando a dimensão do impacto econômico do julgamento, o Credit Suisse apresentou estudo em sentido contrário, indicando que a repercussão seria muito menor (Economic plans: In reality more smoke than fire – versão apenas em inglês).

Com todo o respeito, mas também com todas as palavras, é falso o discurso alarmista de Maílson da Nóbrega. Grosseiramente falso, como já havia demonstrado o IDEC, a Procuradoria-Geral da República e agora o Credit Suisse. O número terrorista é concebido a partir de premissas irreais.

O Credit Suisse, em exaustivo estudo, desconstruiu os números apresentados pelo ex-ministro. De forma objetiva, o estudo diz que o valor apresentado por Nóbrega simplesmente does not make sense. Realmente não faz sentido ou há mais fumaça do que fogo nos tais números. O impacto potencial do julgamento é inferior a dez por cento do número terrorista vocalizado por Nóbrega, concluiu o Credit Suisse. E a conta seria paga parceladamente, em anos de tramitação judicial dos milhares de processos. Acrescente-se que o estudo do Credit Suisse sequer considerou recentes vitórias que os Bancos obtiveram no STJ. O número real é ainda menor, não há dúvida.

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No mesmo artigo veiculado na Veja, Nóbrega repete outro falso argumento econômico da ADPF: os bancos não teriam tido nenhuma vantagem com a aplicação retroativa dos índices menores, pois os valores captados na caderneta de poupança estavam integralmente comprometidos com os empréstimos imobiliários (SFH), em idênticas taxas.

O ex-ministro deveria ter conferido o estudo apresentado pelo ex-economista chefe da própria Febraban, Roberto Troster, demonstrando exatamente o contrário. Os bancos faturaram R$ 450 bilhões com a aplicação retroativa dos índices menores, confirmou depois a Procuradoria-Geral da República. Isso porque, diferentemente do que escreveu o ex-ministro, havia um descasamento entre valores da poupança e os empréstimos ao SFH. Esse descasamento autorizou que os bancos emprestassem boa parte do valor captado na poupança a taxas maiores (fora do SFH), gerando o faturamento extra de R$ 450 bilhões apontado pela procuradoria. Esse argumento nunca foi desmentido pelos Bancos; eloquente silêncio que parece não ter sido suficiente para inibir Maílson da Nóbrega em insistir na estória da ausência de vantagem.

Sim, os bancos ganharam muito. Os poupadores perderam. É o que vem reconhecendo o judiciário (STF, inclusive) há mais de 20 anos. Mas por que, afinal, divergem sobre números o ex-ministro Maílson da Nóbrega e os economistas do Credit Suisse? “Se todos os economistas fossem postos lado a lado, nunca chegariam a uma conclusão”, brincava Bernard Shaw. Mas parece que aqui a assimetria de conclusões, infelizmente,não é aleatória. Tem uma explicação mais racional.

Nóbrega é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada. Foi essa a consultoria que os bancos contrataram para dar o principal parecer que ampara a ADPF no Supremo. Muito do que disse o ex-ministro na Veja já estava mencionado no parecer da Tendências contratado pelos bancos (o documento está disponível no site da Febraban). O Código de Conduta da Editora Abril prevê que devem ser evitadas “situações, ações e atitudes que possam caracterizar ou sugerir conflito entre os nossos interesses pessoais e o nosso desempenho profissional”. Colunista da revista, pelo menos Nóbrega deveria ter consignado o compromisso profissional com a Febraban no tema abordado na coluna. Trata-se de inquestionável direito do leitor-consumidor da revista.

Mas e o Credit Suisse, por que não confirmou Maílson de Nóbrega? A razão é simples. O Credit Suisse, administrador de fundos de investimentos que possuem, em carteira, ações de bancos, se obriga, por dever de ofício, a revelar o verdadeiro impacto econômico do julgamento. E a mensagem que o Credit Suisse passou aos investidores foi clara: o impacto do julgamento, seja qual for o resultado, não deve interferir na boa perspectiva da cotação das ações dos bancos na Bolsa de Valores.O estudo, aliás, recomenda explicitamente a compra de ações de bancos, mesmo considerando provável a vitória da tese dos poupadores. E o mercado, é certo, seria implacável com eventual erro de avaliação do Credit Suisse.

Em 2013, o ex-ministro Maílson na Nóbrega recebeu o prêmio de economista do ano do Conselho Federal de Economia. Merece, não há dúvida. Mas não seria excessivo dizer que o artigo que publicou– por razões técnicas e, sobretudo, éticas – não é uma boa contribuição à merecida reputação até aqui conquistada.

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