Processo Novo

Câmara insere grande retrocesso em projeto do CPC

Autor

  • José Miguel Garcia Medina

    é doutor e mestre em Direito professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na UEM ex-visiting scholar na Columbia Law School em Nova York ex-integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015 advogado árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados.

17 de fevereiro de 2014, 8h01

Spacca
Tenho acompanhado com muito interesse todas as discussões que são realizadas a respeito do projeto de novo Código de Processo Civil. Atuei, diretamente, da elaboração do anteprojeto que serviu de base aos debates que se seguiram, no Senado e na Câmara dos Deputados. Nessas casas legislativas outras comissões foram formadas e alterações foram realizadas. Minha participação, nesse novo contexto, limita-se a enviar sugestões e críticas ao projeto — algumas delas publicadas em textos desta coluna. Posso dizer que os princípios que nortearam os trabalhos da comissão que elaborou o anteprojeto continuam presentes, em grande medida, na versão ora analisada na Câmara.

Aliás, é inegável que muitos aperfeiçoamentos foram feitos no projeto, nas idas e vindas do processo legislativo. Por exemplo, segundo o artigo 847 do anteprojeto, “os tribunais velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência”. Na versão aprovada pelo Senado, o texto ganhou um inexplicável “em princípio”: “Os tribunais, em princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência”. Fica-se, à luz desse texto, com a impressão de que os tribunais podem, se for o caso, deixar de lado a ideia de que a jurisprudência deve ser íntegra, o que é um evidente absurdo. Na Câmara dos Deputados esse disparate foi corrigido. A regra aprovada nessa Casa dispõe que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.

Há, evidentemente, vários pontos em que inexiste acordo, sequer entre os estudiosos do processo civil. Enquanto participei da comissão que fez o anteprojeto, fiz várias sugestões que foram rejeitadas, e votei contra muitas outras que foram aprovadas. Mas isso faz parte do jogo democrático. Ter participado um pouco da história do novo Código não me impede de criticá-lo e de continuar a enviar minhas sugestões — como, de resto, qualquer cidadão pode fazê-lo.

É nesse contexto que surge, como grande retrocesso, o destaque recentemente aprovado pela Câmara, que restringe a realização de atos executivos sobre dinheiro, quando se tratar de efetivação de liminar que antecipa efeitos da tutela. Diz o destaque aprovado: “A efetivação da tutela antecipada observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber, vedados o bloqueio e a penhora de dinheiro, de aplicação financeira ou de outros ativos financeiros”.

Tal como aprovada, a vedação ao bloqueio e à penhora de dinheiro e ativos financeiros é amplíssima, impedindo, por exemplo, a prática de atos executivos liminarmente, em ações de improbidade administrativa. Mas há consequências ainda mais graves. Exemplo: e se, para realizar concretamente um direito fundamental ameaçado de lesão, a única medida executiva adequada for o bloqueio de ativos financeiros? A maioria dos deputados, que aprovou o referido destaque, parece não ter se preocupado com isso. Parece, de todo modo, difícil compatibilizar o texto aprovado com a regra prevista no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.

A movimentação no sentido de se inserirem textos que impedissem a prática de atos executivos já vinha sendo noticiada pela imprensa — que sugeria, inclusive, que a inclusão de tal restrição no texto do projeto serviria ao interesse pessoal de alguns deputados (cf. reportagem do Jornal Valor Econômico, disponível aqui). É curioso que isso não tenha sido questionado, na Câmara, durante a discussão sobre o destaque acima referido.

O projeto de novo CPC, ora em discussão, é resultado da soma de esforços de uma grande quantidade de estudiosos, professores, magistrados, advogados, representantes do Ministério Público, enfim, de tantos quantos se interessam pelo aprimoramento da legislação processual e trabalharam para que se construísse um projeto de novo CPC moderno e alinhado às garantias constitucionais. É, enfim, um projeto de seu tempo, que vem sendo construído democraticamente, que foi e tem sido objeto de amplo debate entre senadores e deputados.

É preciso cuidado, contudo. Se é certo que o projeto de novo CPC representa um grande avanço para o processo civil brasileiro, devemos nos manifestar, reiteradamente, para que o Congresso Nacional não insira, nele, textos despropositados. Pode-se dizer que, embora o projeto de novo CPC não o seja, a Câmara dos Deputados conseguiu, com a aprovação da referida restrição à prática de atos executivos sobre dinheiro, nele inserir um grande retrocesso.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!