Justiça Tributária

Corrigir a tabela do IRPF é apenas parte do problema

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

17 de fevereiro de 2014, 8h00

Spacca
Noticiou-se recentemente que o Conselho Federal da OAB vai ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade pleiteando a correção da Tabela do IRPF. De fato, o quadro atual de tributação do imposto não obedece às normas constitucionais, na medida em que não se leva em conta a verdadeira correção dos seus valores.

 Já o Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal, lastreado em estudos técnicos que indicam defasagem de mais de 60% na mesma tabela, encaminhou à Câmara projeto de lei com o mesmo objetivo.

 Justiça é dar a cada um o que é seu. Temos que dar ao Estado o que lhe pertence, não mais do que isso. Ora, a inflação é fenômeno que corrói o poder aquisitivo da moeda, com o que a não aplicação integral de seus índices à tabela provoca óbvio confisco, alcançando valores que não podem ser tributados. Confisco é vedado pelo artigo 170 da CF. Assim, o sistema é flagrantemente inconstitucional.

Quanto ao que o poder público nos deve dar em troca, é questão a ser resolvida pelos nossos representantes, especialmente no legislativo. Enquanto não escolhermos as pessoas certas e continuarmos a dar nosso voto a figuras folclóricas, notórios mentirosos ou políticos que deveriam estar presos, não teremos mais do que mulas sem cabeça ou meliantes vivendo às nossas custas.

Temos que exigir um novo sistema de tributos, a começar pelo IRPJ. E aqui o problema não é só a tabela. Os abatimentos com dependentes e as despesas com educação devem ter seus valores trazidos para a realidade. Não faz sentido, por exemplo, imaginar que se possa manter um dependente com cerca de um terço de um salário mínimo ou que exista escola privada cobrando mensalidade de menos de R$ 300. Tais valores, absolutamente irrisórios, acabam provocando outro tipo de confisco.

Quando o CTN (artigo 43) diz que o fato gerador do IR é a disponibilidade de renda ou o produto do capital ou do trabalho, bem como os acréscimos patrimoniais, deixa claro que não se pretende tributar a receita bruta, mas aquilo que resta para o contribuinte, depois de deduzidos os gastos essenciais.

Exatamente por isso que pessoas jurídicas pagam imposto sobre o lucro e nada pagam quando não o apresentam. Mas a pessoa física pode ter um grande prejuízo em determinado exercício (despesas com doenças, crimes de que foi vítima etc) e mesmo assim paga o imposto sobre o rendimento, ainda que seu patrimônio tenha sido reduzido.

Leve-se em conta, ainda, que limitar e manter abaixo da realidade os investimentos com educação do contribuinte ou seus dependentes, revela que nossos legisladores optam pela ignorância, pois qualquer pessoa com um mínimo de discernimento sabe que os investimentos (e não despesas como os iletrados afirmam) em educação provocam um imenso retorno econômico para o país. Tais valores deveriam ser incentivados, até mesmo com dedução em dobro, de forma a demonstrar o interesse público na evolução cultural da sociedade.

Se devemos exigir que o poder público reconheça nossos direitos, não podemos aceitar, de forma alguma, a prática de atos ilícitos com o objetivo de reduzir o imposto a pagar. Um péssimo exemplo disso é a utilização de recibos falsos (material ou ideologicamente) de deduções admitidas, especialmente as relativas a médicos, dentistas etc.

Com os recursos da informática hoje disponíveis, o fisco pode detectar com facilidade tais crimes e aqueles que os tenham praticado só possuem, no caso da descoberta, uma saída: pagar o tributo e seus acréscimos. Tal pagamento custa bem menos que o preço e o constrangimento de um processo criminal que pode causar dano irreparável à imagem do cidadão.

O crime contra a ordem tributária pode ser apurado através de inquérito de competência da Polícia Federal, na hipótese em que a autoridade fiscal entender que os recibos apresentados apresentarem indícios de falsidade. Não basta que o emitente do recibo declare que prestou os serviços e que recebeu por eles. Uma vez lavrado o auto de infração e esgotada a fase administrativa, não recolhido o tributo e os encargos mesmo com a inscrição da dívida, o delito pode ser objeto de inquérito.

Equivocam-se aqueles que imaginam ser o sigilo absoluto em tais casos. Ele pode ser rompido pelo Judiciário com base nos mencionados indícios e no resultado do procedimento administrativo. E, uma vez instaurado o processo penal, o contribuinte passa ser réu , podendo ser o emitente do recibo colocado na mesma condição.

Defesa em  tais casos apresentam custo elevado que muitas vezes superam o valor das quantias que se discutem. Advogados que atuam na área criminal não defendem o valor da infração, mas um bem maior: a liberdade das pessoas. O valor isso é fora de qualquer tabela.

Vale a pena lembrar que um erro não justifica o outro. De nada adianta argumentar que o imposto é muito elevado, se foi cometido um crime para tentar sua redução. As questões tributárias não se resolvem com mágicas ou milagres, mas apenas com o trabalho técnico de profissionais sérios.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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