A Toda Prova

Desacato contra militar durante policiamento ostensivo

Autor

  • Aldo de Campos Costa

    é procurador da República. Foi advogado professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

14 de fevereiro de 2014, 13h00

José e João saíram para pescar no meio da tarde, usando a lancha de José, na Baía de Guanabara, no estado do Rio de Janeiro. No curso da pescaria, enquanto se deslocavam pela baía, visualizaram boias e cordas indicando expressamente os limites de área marítima de propriedade da Marinha do Brasil. Após ingressarem na parte do mar delimitada pelas boias, o sargento Demóstenes e outros dois militares adentraram em uma embarcação e alcançaram o barco dos pescadores, levando-os para uma praia, situada fora da área militar. Enquanto Demóstenes realizava os procedimentos de revista e detenção de José e João, em área pública, Boris aproximou-se do local, curioso com a agitação. Ao ver João sendo acautelado, espantou-se e proferiu as seguintes palavras, em tom de voz normal, porém surpreso: “Ei, ele é o meu irmão!”. Demóstenes, contrariado com as palavras de Boris, deu voz de prisão contra ele. A prisão foi comunicada regularmente ao juiz-auditor plantonista. Na ocasião, o magistrado relaxou a prisão de Boris, autuado no flagrante por suposto desacato (Prova prática de sentença adaptada do concurso público para provimento de vagas no cargo de Juiz-Auditor Substituto da Justiça Militar da União).

Spacca
A Procuradoria Geral da República ajuizou recentemente ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5.032) contra certas regras previstas incluídas pela Lei Complementar 136/2010 na legislação que dispõe sobre as normas gerais para o emprego e o preparo das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, considerados atividade castrense para fins de aplicação dos artigos 124 da Constituição da República (“À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”) e 9º, inciso II, alínea “c”, do Código Penal Militar (“Consideram-se crimes militares os praticados por civil contra as instituições militares no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa e judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar”).

O tema tem ganhado destaque, presente o emprego de militares em forças de ocupação e pacificação de algumas comunidades localizadas na cidade do Rio de Janeiro. Nos tribunais, o cerne do problema diz respeito, especialmente, à possibilidade de a Justiça Militar da União processar e julgar civis pela prática de desacato ou desobediência contra militar em atividade de policiamento ostensivo.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nesse particular, tem oscilado. Ao examinar caso versando a prática contra soldado do Exército em serviço externo de policiamento, a Primeira Turma assentou que a atividade de controle do trânsito de veículos nas cercanias de prédio em que se encontra instalação militar não poderia ser considerada função de natureza militar, para efeito de caracterização de crime militar (STF HC 75.154). Entendimento distinto foi adotado pela Segunda Turma, ao analisar hipótese em que um civil teria proferido palavras ofensivas a um sargento do Exército Brasileiro integrante de Grupo de Combate da Força de Pacificação atuante nas Comunidades do Complexo do Alemão e da Penha (STF HC 112.936). Assentou o Colegiado, na oportunidade, ser estranha à competência penal da Justiça Militar da União o processamento e o julgamento de civis, em tempo de paz por delitos supostamente cometidos por estes em ambiente que não o da administração castrense. Citou-se sentença do caso Palamara Iribarne, mediante a qual a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou ao Chile, entre outras providências, a adequação da legislação interna, visando impedir, em quaisquer circunstâncias, a submissão de civis à jurisdição de tribunais penais militares.

Não se pode afirmar que o exame do Habeas Corpus 113.128, noticiado no Informativo 732 da Jurisprudência do Supremo e elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento, tenha uniformizado a controvérsia. Embora se tenha divulgado trecho no sentido de que “compete à justiça militar processar e julgar civil denunciado pela suposta prática dos delitos de desacato e resistência contra militar”, o fato é que a matéria de fundo sequer foi apreciada, vindo a impetração a ser extinta por inadequação da via eleita. Idêntico resultado foi alcançado ao analisar-se o Habeas Corpus 115.671.

Até aqui, portanto, só é possível afirmar tendências. Pode-se dizer que no Tribunal, em princípio, apenas o ministro Marco Aurélio parece inclinar-se pela competência da Justiça Militar, divergindo, assim, do entendimento dos ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso. Ressalte-se que, este último, embora tenha acompanhado o primeiro na concessão da ordem de ofício no mencionado Habeas Corpus 115.671, não se comprometeu com a tese, prontificando-se eventualmente a rever a posição à luz de um estudo mais aprofundado.

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