TV Justiça

PL que acaba com transmissão de julgamentos é casuístico

Autor

8 de fevereiro de 2014, 10h18

Em conferência realizada no dia 24 de janeiro na Sorbonne, sobre a influência da publicidade na racionalidade das decisões tomadas pelo STF, o ministro Joaquim Barbosa afirmou que o fenômeno da superexposição durante transmissões ao vivo se reflete na maneira como certos ministros deliberam e sobre o conteúdo de algumas decisões.

A constatação é de uma franqueza estarrecedora, especialmente quanto ao segundo efeito. Não que o ministro discorde do modelo democrático de supertransparência adotado pela TV Justiça, mas das imperfeições nele observadas, a exemplo do estímulo à individualidade e à falta de objetividade dos magistrados. A individualidade que, ao prevalecer sobre o colegiado, obscurece os fundamentos das decisões.

Difícil discordar das opiniões do presidente do Supremo — delas compartilham desde cidadãos leigos a alguns dos seus pares —, embora suas conclusões possam ser vistas como demasiadamente otimistas ao conclamar jornalistas à "decência" — prefiro imaginar que o ministro quis se referir à reserva — de se concentrarem nas questões jurídicas e ministros à"moderação" da individualidade que deve prevalecer sobre o colegiado. Pois tanto é difícil reservar-se à apenas publicar o conteúdo de decisões, quando estas são proferidas por egos inflamados e ideologicamente dissonantes, quanto moderar-se, quando se é persona outorgada de grande poder e exposta a milhões de olhos expectantes.

O grande público, que compartilha com os jornalistas a avidez por extrair o máximo de incidentes mínimos, é plateia caprichosa que aprecia fatos e ações hiperbólicas, liturgias e paramentos, e amiúde desqualifica o que não parece obviedade. Não foi por desconhecer a natureza humana que Schopenhauer, do alto do seu realismo, atribuiu à opinião alheia a origem do nosso amor próprio, “de todas as vaidades e pretensões, bem como de nosso fausto e de nossa presunção”.

O mundo jurídico, por sua vez, é um bem-sucedido incubador do germe da vaidade, pois detém todas as condições para o seu desabrochar. Ao ultrapassar os limites aceitáveis do narcisismo e da busca por admiração, a vaidade não é apenas danosa aos seus portadores, mas àqueles que se socorrem do Judiciário. Pior quando se alia à retórica pomposa e extensa, ao exibicionismo intelectual, aos melindres e ressentimentos incontidos, à prepotência mal disfarçada de árbitro dos litígios.

Se a adoção da transmissão de julgamentos ao vivo tem contribuído para tornar a Justiça ente desmitificado e acessível aos olhos dos cidadãos leigos, observa-se um desencantamento em razão de exposições inapropriadas à solenidade do Judiciário. Não admira já tramitar no Congresso um Projeto de Lei para vetar as transmissões em tempo real das plenárias do Supremo.

Mas entre admitir falhas do modelo democrático de supertransparência adotado pela TV Justiça e concordar com os termos do Projeto de Lei do deputado Vicente Cândido (PT-SP) há uma distância inexcedível pontuada com inconstitucionalidades, conflitos entre poderes, acusações de retrocesso e casuísmo.

O projeto pretende alterar a legislação sobre a TV a cabo — as operadoras deverão reservar um canal ao Supremo, para a divulgação de atos e trabalhos do Judiciário, sem transmissão ao vivo e sem edição de imagens sonoras das suas sessões e dos demais tribunais superiores. Alterações que, na prática, equivalem a restrições à cobertura jornalística e ao desmonte funcional da TV Justiça.

Criada em 2002, com a função de aproximar a população do Judiciário e servir à transparência exigida dos órgãos públicos, a TV Justiça tem servido bem aos seus propósitos maiores, em especial o de informar e popularizar temas significativos para avanços sociais recentes, a exemplo dos julgamentos das relações homoafetivas, da preservação e uso de células-tronco, do mensalão.

As falhas do modelo ocorrem ao sabor das personalidades e ideologias que se sucedem no teatro jurídico. É fato que sessões ao vivo expõem conflitos, ressentimentos, vaidades e outras idiossincrasias que, supostamente, repercutem nas formas e conteúdos das deliberações. Todavia, nem mesmo a busca por sensacionalismo, ou a conversão de magistrados em políticos e celebridades devem justificar a extinção de uma ferramenta de interesse da cidadania.

O ministro aposentado Cesar Peluso, quando presidente do Supremo Tribunal Federal, defendeu o fim das transmissões em tempo real, ao também considerar que magistrados alteram seu comportamento perante as câmeras de TV. Entretanto, à guisa de solução, sugeriu a adoção de reuniões informais prévias à maioria das votações, nas quais os ministros relatores pudessem antecipar seus votos e permitir a troca de opiniões. Entre as possíveis vantagens, a celeridade das decisões — a redução do número de pedidos de vista e da duração dos julgamentos são ladrões de eficiência e tempo – e a extinção de julgados improvisados e contraditórios entre si.

Creio que o Projeto de Lei 7.004/2013, pelas suas falhas e viés casuístico, há de ser sepultado pela parcela prudente e razoável do nosso Congresso. Há soluções mais sensatas para o problema da superexposição dos ministros.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!