Acordo julgado

Na Alemanha, transação penal depende de juiz para valer

Autor

1 de fevereiro de 2014, 5h19

Enquanto o Brasil discute se libera a transação penal sem interferência da Justiça, a Alemanha tem um modelo judicial que permite ao Ministério Público e acusado chegarem a um acordo, tudo isso chancelado por um juiz. É a forma como os alemães encontraram de combinar os princípios constitucionais da ampla defesa e do direito a não se autoincriminar com a celeridade e eficiência que promete a parceria entre réu e acusação.

O sistema alemão foi colocado em xeque no ano passado, quando a lei que regulamenta os acordos foi questionada no Tribunal Federal Constitucional da Alemanha. Ao analisar três casos de transação penal, o tribunal validou a legislação sobre o assunto, apontando que ela está de acordo com a Constituição do país. No entanto, a corte destacou que as regras têm sido muitas vezes desrespeitadas pelos juízes de primeiro grau, o que invalida qualquer acordo entre MP e acusado.

A lei sobre o assunto foi aprovada no país em julho de 2009 e regulamentou benefícios para o réu que confessa o crime e colabora com a acusação. A grande preocupação da legislação, destacada pelo Tribunal Constitucional, é permitir que esses acordos não invalidem as garantias constitucionais que todo réu tem. Para isso, a lei prevê que a transação penal deve ser seguida de um julgamento.

Quer dizer, na Alemanha, os acordos entre réu e promotor dependem de um juiz para valer. A colaboração do acusado tem o objetivo apenas de tornar o processo mais rápido, mas nenhuma etapa é pulada. O julgamento precisa acontecer e deve ser baseado em outras provas, além da confissão do acusado. Como destacou o Tribunal Constitucional, quando a condenação é baseada apenas na confissão, todo o acordo e o julgamento são ilegais e devem ser invalidados.

Para o procedimento ser válido, o julgamento deve transcorrer normalmente. Antes da confissão do réu, ele precisa ser informado que, se colaborar, poderá ter direito a alguns benefícios, como redução da pena. Mas não existe nenhuma garantia, já que a decisão final será de um juiz. O Tribunal Constitucional explicou que um pré-acordo entre promotor e acusado não obriga o juiz a validar o esquema. O magistrado pode descartar o combinado e condenar o réu de acordo com seu convencimento.

Nos casos julgados pela corte da Alemanha, os juízes consideraram que os acordos foram ilegais porque o réu não foi devidamente informado que o combinado com o Ministério Público poderia ser descartado pelo julgador. A transação só seria aceita se o MP conseguisse comprovar que o acusado teria confessado os crimes mesmo sem ter feito nenhum arranjo com a acusação. Caso contrário, os princípios da não autoincriminação e de um julgamento justo são violados.

Em um dos processos, o julgamento baseado em um acordo entre Promotoria e acusado também foi anulado porque a condenação foi imposta apenas a partir da confissão. Ou seja, não houve a colheita de provas que sustentassem os relatos do réu. Para o Tribunal Constitucional, isso viola o direito de o réu não se autoincriminar, já que, se ele tivesse ficado quieto, não existiria nenhuma prova contra ele.

No julgamento, a corte aproveitou para criticar os acordos informais, feitos sem respeitar o rigor exigido em lei. Esses acordos, muitas vezes, acabam chancelados por um juiz da primeira instância e só são suspensos depois que chegam aos tribunais superiores.

Entre as regras previstas na lei da transação penal está a transparência e publicidade dos combinados entre promotor e acusado. Toda a negociação precisa ser pública e claramente detalhada no processo. Caso contrário, todo o julgamento deve ser considerado ilegal, decidiu o Tribunal Constitucional.

A corte observou que, por enquanto, a legislação sobre o assunto tem se mostrado suficiente para garantir que os acordos respeitem a Constituição do país. Os julgadores destacaram, no entanto, que cabe aos legisladores ficar de olho nos desdobramentos decorrentes da lei, que ainda é bastante recente, para decidir se ela é, de fato, eficaz. Se constatarem que não tem sido eficaz, aí sim devem estudar uma mudança, sob pena de o Judiciário ter de interferir e declarar a inconstitucionalidade da lei.

Clique aqui para ler, em alemão, a decisão da corte em um dos três casos que questionaram a lei sobre acordos entre MP e acusado.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!