"Retrocesso social"

Mudança na Previdência tira seguro-desemprego de 80% dos jovens, diz economista

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31 de dezembro de 2014, 11h36

Quatro em cada cinco trabalhadores jovens deverão ficar sem acesso ao seguro-desemprego a partir da Medida Provisória que propõe mudanças no regime previdenciário e de direitos trabalhistas do país.

Segundo Hélio Zylberstajn (foto), professor de economia das relações de trabalho da USP, a nova regra — que ainda deve passar pela validação do Congresso, por se tratar de Medida Provisória — “vai limar o acesso dos jovens ao seguro desemprego”. De acordo com Zylberstajn, os números do Ministério do Trabalho mostram que 80% dos trabalhadores jovens não completam 18 meses ininterruptos no mesmo emprego — ocondição imposta pela proposta do governo para que o trabalhador tenha acesso ao auxílio.

Esta é só uma das distorções apontadas por especialistas da área previdenciária e trabalhista ouvidos pela ConJur, que enxergam incoerências na maneira como as novas regras estão sendo implantadas. Para Ana Amélia Mascarenhas Camargo, professora de Direito do Trabalho na PUC e sócia do escritório Felsberg Advogados, há uma regressão nos direitos conquistados. “O que eu acho mais sério é que parece que o governo apresenta as mudanças para o trabalhador como prêmio”, afirma Ana Amélia. Segundo ela, o Estado passa a onerar o empregado e o empregador. Ana avalia que a medida é regressiva no que diz respeito aos direitos conquistados (e pagos). “O que eu vou ter em troca? Emprego garantido?”, questiona.

Pensão por morte e auxílio-doença
A pensão por morte, por exemplo, só será concedida se o segurado tiver 24 meses de contribuição. O casamento ou união estável também deve ter pelo menos dois anos. A pensão só será vitalícia para quem tem mais de 44 anos de idade — esse número parte dos últimos levantamentos do IBGE, que colocam como beneficiário vitalício quem tem até 35 anos de sobrevida em relação ao cônjuge morto. O tempo assegurado para os viúvos diminui conforme diminui a idade. Se tiver menos de 21 anos de idade, a pensão terá duração máxima de três anos.

Nesta situação, o professor Hélio Zylberstajn diz que é importante ter limitações de tempo. De acordo com o próprio texto da Casa Civil, 77% dos países estabelecem condicionantes que balizam o benefício e, em 78% dos 132 países comparados há alguma regra de carência. “Do ponto de vista do conceito [econômico] está corretíssimo. Do ponto de vista como foi implantando, está completamente errado”, avalia. Zylberstajn afirma que o novo regulamento deveria ter sido tratado a partir de uma discussão política no Congresso.Ainda segundo o professor, “o impacto a curto prazo nas contas públicas [no caso das pensões] é zero”.

Jane Berwanger (foto), presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, avalia como preocupante as mudanças no auxílio-doença. O benefício passa a ter o valor limitado à média da remuneração dos últimos doze meses. Além disso, passa de 15 para 30 dias o valor pago pelas empresas antes que o INSS responda pela ajuda. “Em muitas micro e pequenas empresas, o encargo previdenciário vai ficar para o empresário”, critica a presidente do IBDP.

Fraude na pescaria
Fernando Pinheiro Pedro,
do Pinheiro Pedro Advogados, aponta algumas vantagens nessa “correção de rumos” do governo. Ao menos no caso do defeso — período em que os pescadores tradicionais ficam proibidos de trabalhar e, por isso, têm direito a um auxílio. O advogado explicou que havia muitos casos de fraude no auxílio para o pescador artesanal. Ele avalia que o tempo mínimo de três anos para o recebimento do benefício para novos pescadores cadastrados não é um retrocesso porque a pesca artesanal "não [é uma atividade] que se justifica per si".

Pinheiro Pedro (foto) aponta que a legislação foi criada para salvaguardar as comunidades tradicionais, mas que é um tipo de profissão que não deve ser estimulada para as novas gerações com política de seguro desemprego. A nova medida coloca que os pescadores devem comprovar a produção dos últimos 12 meses ou no período entre os defesos. Cria além da criação de um comitê gestor específico para o registro da atividade.

Outro ponto importante para o advogado ambientalista é que o controle do benefício passa a ser feito pelo INSS. Antes, passava pelo registro do Ministério da Pesca. “Os benefícios são de ordem previdenciária. Com essa mudança estrutural, passou a ter controle quem tem a chave do cofre”, disse.

Estado de bem-estar social
Como muitos dos reflexos de mudanças legislativas na área previdenciária só se dão quando as alterações são propostas no ano anterior ao ano em exercício, Pinheiro Pedro acredita que essa é a explicação para a aparente urgência da decisão do Planalto, ao propor as mudanças por medida provisória. Ele avalia, ainda, que se trata de uma política monetarista. "Devem diminuir a dívida pública e restringir os benefícios. Expectativas vão ser frustradas, mas expectativa não é direito”, diz.

Já para o advogado e professor de Direito do Trabalho da USP, Nelson Mannrich, uma das questões fundamentais da estrutura de auxílios ao empregado está na falta de qualificação profissional.

Ele aponta que a responsabilidade de reinserção no ambiente de trabalho é dever do Estado e o aumento do tempo para que o empregado tenha acesso ao auxílio-desemprego, por exemplo, não elimina distorções que tem em sua base a falta de qualificação deste mesmo trabalhador. “O mercado não pode reabsorver um trabalhador se este não tem determinadas qualificações”, diz. 

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