Mudanças significativas

Responsabilidade do administrador de banco e a pena de inabilitação

Autor

29 de dezembro de 2014, 5h44

Artigo produzido por especialistas do Insper. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

O direito brasileiro vem sofrendo mudanças significativas no sentido de  incrementar a transparência das relações econômicas entre os vários agentes do mercado, inclusive trazendo novas possibilidades da pessoa jurídica ser  sujeito ativo de crime.

Não sem razão a responsabilização dos administradores das pessoas jurídicas segue essa tendência, sobretudo através da atuação dos agentes públicos incumbidos da fiscalização dos atos dos administradores, como o Banco Central do Brasil e a CVM.

Aqui nesse artigo o foco é a análise do tema responsabilização dos administradores de instituição financeiras, com suas particularidades.

Responsabilidade dos Administradores

a. Lei das sociedades por ações
O artigo 158 da Lei das sociedades por ações estipula a regra geral de que os administradores são responsáveis pelos prejuízos que causarem quando (i) agirem com culpa ou dolo ou (ii) em violação à lei ou ao estatuto.

Além disso, no caput do artigo está definido que não são eles responsáveis pelas obrigações que assumirem em nome da sociedade, por atos regulares de gestão.

Essa característica decorre do fato de que, no sistema brasileiro os administradores são considerados um órgão da sociedade e não mandatários[1].

Em linhas gerais, portanto,  exercício normal de gestão pelo administrador não lhe gerará responsabilidades, a menos que descumpra a lei ou os estatutos da empresa, mesmo que suas decisões não tenham sido acertadas e possam levar a companhia a piorar sua situação econômica.

Outra característica para os administradores das sociedades em geral é que os bens particulares dos administradores não respondem pelos prejuízos causados pela empresa, devendo haver para tanto, na excepcionalidade das situações que isso possa ocorrer, a desconstituição da personalidade jurídica.

b. Diferenças quanto aos administradores de instituições financeiras
Os administradores de instituições financeiras, por seu turno, além de responderem pelos atos na forma do artigo 158 da lei das sociedades por ações, tem outras responsabilidades e obrigações derivadas da atividade desenvolvida pela empresa.

O fato das instituições financeiras lidarem com a poupança popular faz com que os administradores dessas companhias fiquem sujeitos a um maior rigor para a sua investidura, bem como possam lhes ser atribuídas responsabilidades mesmo por atos de gestão, inclusive com possibilidade do ressarcimento por prejuízos recaírem sobre seus bens particulares.

Primeiramente, os administradores das instituições financeiras deverão, mesmo após eleitos pela companhia, estar sujeitos à homologação de seus nomes pelo Banco Central do Brasil[2]. Essa análise tem se tornado verdadeiro escrutínio sobre a pessoa, com negativas de homologação derivadas da análise subjetiva pelo Bacen do que seria a necessária idoneidade do administrador em questão.

Isso porque, nos últimos anos, o Banco Central do Brasil, com base no entendimento de sua conceituada Procuradoria Geral, tem entendido que os administradores que tem abertos contra si processos administrativos sancionadores, não cumprem as condições necessárias para a sua investidura como administradores de instituições financeiras. Isso independentemente se foram eles condenados ou absolvidos em primeira instância e desde que não tenha havido o devido trânsito em julgado.

Por mais que esse entendimento leve a um questionamento de que estariam sendo violados princípios como o da presunção de inocência e o devido processo legal, decisões de primeira instância do Poder Judiciário tem respaldado majoritariamente essa posição do Bacen.[3]

Mas não é somente essa a diferença. Os bens particulares dos administradores das instituições financeiras ficam disponíveis para o ressarcimento de prejuízos que a companhia possa ter causado a terceiros.[4]

Interessante desde já notar que o próprio texto legal fala em responsabilidade solidária pela gestão do administrador. Como a atividade desenvolvida pela companhia é a captação e gestão de recurso de terceiros, em linhas gerais, o legislador entendeu que devem eles estar sujeitos a maior responsabilização e que isso leve a uma maior coerção para que não pratiquem atos de má gestão.

Deve ser sempre lembrado que toda atividade empresarial está ligada a risco e nisso a atividade bancária não discrepa.  E mais, a atividade financeira é intimamente ligada a risco, sendo uma das atribuições dos administradores definir qual o grau de risco aceitável pela sua companhia, obviamente dentro do arcabouço legal existente[5].

Por isso, não basta a análise pura e simples do fato para a verificação da responsabilização dos administradores de instituições financeiras, é preciso verificar se a gestão desses administradores discrepa com o grau de risco da própria atividade assumido por aquela específica companhia, ou se extrapola os limites de segurança que mesmo a atividade com risco elevado deve ter.

Caráter sancionatório da inabilitação
O Banco Central do Brasil e a CVM, tem aplicado penas de inabilitação de administradores de instituições financeiras. Mais o primeiro que a segunda, reconheça-se.

A pena de inabilitação, na gradação das penas, é a mais gravosa e, já por isso deve ser aplicada com a devida parcimônia. Deve estar reservada para casos graves, pois torna-se sim uma pena capital, sobretudo diante do atual entendimento do Banco Central que nega a homologação de dirigentes que tem contra si abertos processos sancionadores, com decisões sem trânsito em julgado.

É reconhecido, inclusive pela jurisprudência dos tribunais superiores, a analogia entre essa sanção e as sanções penais[6]. Diante disso, é mais que necessário ao julgador, verificando eventuais violações à lei ou ao estatuto, identificar concretamente dentre os administradores aqueles que efetivamente deram causa a esse ilícito ou má gestão, quer através de atos comissivos,  quer através de sua omissão.

Princípio da individualização da pena
Consagrado princípio em direito penal, a individualização da pena decorre do princípio constitucional de liberdade do indivíduo, contra o poder do Estado. Não pode o indivíduo ficar privado de seu direito de liberdade física (direito penal) ou do seu direito ao trabalho (processo administrativo sancionador), sem que isso decorre de um ato seu, analisada sua própria culpabilidade no evento.[7]

Por isso, ao analisar as faltas graves citadas na legislação para a aplicação da pena de inabilitação, não basta ao órgão julgador a análise do fato em si, mas sim verificar  a atuação de cada um dos integrantes da administração da instituição financeira (Diretoria, Conselho de Administração, Conselho Fiscal) para a consecução dessa falta grave.

Isso não quer dizer que não possa haver a falta coletiva e todos serem apenados. Existem atos que cabem ao coletivo realizar e a falta desse ato gera sim a responsabilização de todos os membros. São comuns as sanções referentes à falta de convocação de assembleias, elaboração de demonstrações financeiras, ou mesmo de fiscalização pelo Conselho de Administração da atividade irregular da Diretoria ou de um de seus membros. Por isso, cabe àquele membro específico que discordar da ação ou omissão do ato "coletivo" que consigne formalmente sua posição.

Por seu turno, existem meios específicos ao Bacen, por exemplo, para poder individualizar a conduta. As instituições financeiras são obrigadas a informar no sistema Unicad quais os diretores responsáveis pelas determinadas atividades. Da mesma forma existe esse cadastro na CVM. Portanto, em primeira vista, cabe a este membro a responsabilidade por ato afeto a sua área, devendo a autarquia demonstrar ao menos com fortes indícios, a conduta violadora dos demais. Isso é uma forma de individualização.

E o que falar dos atos omissivos? A omissão, já estaria provada, já que o ato violador teria acontecido. Isso, porém, é meia verdade e abre caminho à responsabilização objetiva, que contraria o princípio de liberdade defendido em parágrafo acima.

É necessário examinar se cada um dos administradores, no caso concreto e na realidade concreta da situação fática, poderia ter agido como se esperava ou se efetivamente se omitiu quando poderia ter agido.

Não é raro em grandes instituições financeiras a enorme segregação de atividades e funções entre membros da diretoria, com especificações técnicas em cada uma delas. Com isso, sequer chega ao conhecimento de todos os diretores, atos de outros membros da administração que possam ser violadores da norma ou dos estatutos. Some-se a isso o fato de que muitas vezes é necessário ter conhecimento técnico específico para analisar o fato em si e sua gravidade. Com isso, corre-se o risco de impor-se pena a quem sequer tinha meios para poder impedir a consecução do ato. Exemplos clássicos poderiam ser apenar o Diretor de RH pela gestão temerária do Diretor de Tesouraria em aplicações de carteira própria, ou do Diretor de Crédito que se fiou no parecer do Diretor Jurídico para determinado negócio.

Decisões Administrativas
O Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, tribunal administrativo que julga em grau de recurso os processos sancionadores julgados em primeira instância por Bacen e CVM tem apreciado essa questão e aplicado o princípio de individualização da pena.

Em julgamento por maioria significativa de 7 x 1, entendeu que vários diretores não poderiam ser considerados culpados por decisão do Presidente onipotente do banco que aumentou a exposição a risco da instituição ao comprar contratos futuros de dólar e que veio a levar à quebra.[8]

Da mesma forma, entendeu o CRSFN que esteve correto o Bacen ao apenar toda a diretoria de um banco por não ter quaisquer de seus membros  comunicado ao Conselho de Administração a violação pelo Presidente Executivo de regras de alçada do Estatuto Social, assim que essa diretoria tomou conhecimento do ocorrido através de relatório de auditoria[9].

Nos dois casos havia, em tese,  omissão dos diretores. No primeiro, decidiu o Conselhinho que aplicar a pena de inabilitação de todos os diretores unicamente por serem estatutários violaria o princípio de individualização da pena, já que não poderia se esperar deles uma conduta comissiva para evitar  o evento. Já no segundo, esperava-se dos diretores que agissem sim, denunciando a atividade irregular do Presidente da Diretoria Executiva ao órgão social competente diante de suas responsabilidades estatutárias e, por isso, foi-lhes aplicada a pena de inabilitação

Conclusões
A atividade financeira requer, sem dúvida, uma maior responsabilização dos administradores das instituições que lidam com a poupança popular e isso vem expresso na lei. Também por isso, deve haver um maior controle por parte dos órgãos fiscalizadores dessa atividade. Porém, essa maior responsabilização e esse controle efetivo não podem transbordar os limites do princípio de liberdade de ação e o direito dos administradores dessas instituições de serem avaliados e julgados por suas competências e atos individualmente.


[1] Nelson Eizirik, "A lei das S.A. comentada", vol. II, ed. Quartier Latin, pg. 398

[2]  Lei 4595/64, Art. 33, § 1º – O Banco Central da República do Brasil, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, decidirá aceitar ou recusar o nome do eleito, que não atender às condições a que se refere o artigo 10, inciso X, desta lei.

[3] por exemplo: TRF2 – 27a. Vara Federal /RJ- Processo n.º 0032023-73.2013.4.02.5101 (2013.51.01.032023-8);

[4] Lei 4595/64. art.42 – O art. 2º, da Lei nº 1808, de 07 de janeiro de 1953, terá a seguinte redação:

"Art. 2º Os diretores e gerentes das instituições financeiras respondem solidariamente pelas obrigações assumidas pelas mesmas durante sua gestão, até que elas se cumpram.

Parágrafo único. Havendo prejuízos, a responsabilidade solidária se circunscreverá ao respectivo montante." (Vide Lei nº 6.024, de 1974)

[5] A concessão de crédito é atividade característica da opção de adotar de riscos diferentes pelas instituições financeiras. Desde que não seja ameaçada a higidez da instituição, a adoção de maiores ou menores garantias e o público alvo que será atingido é matéria de decisão de negócio da própria instituição.

[6] STJ, REsp 513.576/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, 1a. T, DJ 6-3-2006

[7] A doutrina corrobora essa afirmação. Veja, "Mercado de Capitais, regime sancionador" de Alexandre Pinheiro dos Santos, Fabio Medina Osorio e Julya Sotto Mayor Wellisch, p. 72

[8] Recurso 12.052, Rel. Conselheiro Arnaldo Laudisio, j. 25/09/2013. Ver www.bcb.gov.br/crsfn

[9] Recurso 13.111, Rel. Conselheiro Flávio Maia, voto condutor Conselheiro Nelson Aguiar Junior, j. sessão de 25/11/2014

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!