Segunda Leitura

Pensemos o Natal, a Bíblia e seus reflexos sobre o Direito

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

28 de dezembro de 2014, 7h00

Spacca
O  nascimento de Jesus Cristo passou a ser celebrado em 25 de dezembro por decisão do Papa Júlio I no século IV e, como registra Clotilde Paul, “no Brasil, ele foi introduzido em 1635, por Frei Gaspar Santo Agostinho, em Olinda, Pernambuco” (A Tribuna, 22.12.2014, p. 2-A1). O tempo transformou a celebração e, muito embora o Papai Noel tenha assumido o protagonismo, o fato é que, de uma forma ou de outra, é um tempo de pausa, de meditação, um momento de aproximação familiar,  bons sentimentos e ações.

O Brasil é um país Cristão e a Bíblia é o livro do Cristianismo. Escrita, segundo a crença, por pessoas sob a inspiração divina, ela se divide entre os Livros do Antigo e do Novo Testamento, sendo  que Testamento significa a aliança entre Deus e o povo de Israel. Há divergências entre a religião judaica, católicos apostólicos romanos, ortodoxos e protestantes sobre o valor dos Livros existentes, o que acaba se refletindo nas várias edições de bíblias.  

A época do ano, entre o Natal e o Ano Novo, leva-nos a pensar sobre as lições bíblicas e seus reflexos no mundo jurídico brasileiro. Vejamos.

Antropocentrismo. A partir do Gênesis, origem do mundo e da humanidade, 1,1-2, temos que a palavra de Deus foi: “Então façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele domine os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra”. Vem daí, certamente, nossa visão antropocêntrica, nossa crença de superioridade sobre os demais seres que nos acompanham na vida. Esta crença se reproduz em muitas decisões judiciais de natureza ambiental. Em poucas palavras, crê-se que somos mais importantes que os demais seres e, por isso, podemos sacrificá-los em nosso benefício, até para exibir suas peles em um luxuosos casacos. Mas, não nos esqueçamos que em Provérbios 12:10 está queo justo tem consideração pela vida dos seus animais, mas as afeições dos ímpios são cruéis.” Temos, pois, o dever de respeito e afeto.

No Evangelho de Mateus, 25, 14-30, vamos encontrar a Parábola dos Talentos. Um homem que ia viajar deu a um empregado cinco talentos, a outro dois talentos e ao terceiro um talento. Viajou e tempos depois, ao retornar, constatou que o primeiro havia trabalhado com os talentos e gerado mais cinco, o segundo tinha lucrado mais dois e o terceiro, que havia escondido seu talento embaixo da terra, devolveu-o ao patrão. Este tirou-lhe o talento e mandou que fosse entregue ao que tinha dez. A lição indica que, no mundo jurídico, aquele que possui um dom deve utilizá-lo a favor do próximo, da sociedade, de seu país. Portanto, um talento não deve ser desperdiçado por comodismo, medo do desconhecido ou outro sentimento negativo. Por exemplo, uma pessoa com o dom especial de organizar o cerimonial de um tribunal, local onde as vaidades explodem sob as mais diversas formas, não pode deixar o cargo e acomodar-se em uma cômoda função inexpressiva. Ao contrário, deve enfrentar o desafio e ainda escrever a respeito, abrindo espaço para que outros se beneficiem de sua experiência.

Em tempos de corrupção, vale a pena lembrar o Evangelho de Lucas 16,10 quando diz: “Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito, e quem é desonesto no pouco, também é desonesto no muito”. Pensemos. A pequena e a grande corrupção são punidas da mesma forma? Como lidar com o pequeno corrupto, que procura vantagem ilícita em coisas como obter entradas para um espetáculo, empréstimo de uma casa de veraneio ou emprego para o filho, deixando implícita a concessão de alguma vantagem na sua função? Justifica-se a tolerância com os casos menores? Sim? Não?

O nosso comportamento  profissional pode ser analisado à luz da Bíblia. Muitas vezes somos, em locais diversos, “reis nos nossos castelos”. O dono do escritório de advocacia, a autoridade policial, o agente do Ministério Público, o professor que coordena o curso de Direito, o juiz, todos exercem uma relação de poder que pode ser conduzida de maneira boa ou má. Seria bom recordar o que consta em Provérbios 16,18: “A soberba precede à ruína; e o orgulho, à queda.” Em poucas palavras, o exercício desses e de outros reinados é temporário e depois dele, no relacionamento com as pessoas, ficará a amizade, o amor, ou o desprezo. Cada um escolhe o seu caminho.

Há estudantes e profissionais do Direito que, pouco chegados ao esforço, à dedicação, ao estudo e ao trabalho, acham sempre uma desculpa que lhes tire a dor de consciência e os coloquem como vítimas perante terceiros. Sempre há justificativas como: “não tenho tempo”, “o serviço aqui é invencível, estou enxugando gelo”, “o concurso foi fraudulento”. Em Provérbios 22,13 está: “Diz o preguiçoso: um leão está lá fora; serei morto no meio das ruas.”

No Eclesiastes, 3, em “Saber discernir os momentos” está a lição de que “Debaixo do céu há momento certo para tudo, e tempo certo para cada coisa: tempo para nascer e para morrer. Tempo para plantar e tempo para arrancar a planta. Tempo para…”. Esta lição se aplica a todos em algum momento de suas vidas. As profissões jurídicas, como tudo, têm começo, meio e fim e é importante ter discernimento para aceitar a passagem do tempo. Exemplos? O ex-presidente de uma seccional da OAB, terminado seu mandato, ia à sede, sentava-se na cadeira da presidência e opinava sobre tudo, sem ter legitimidade para tanto. Um juiz federal, aposentado, obteve inscrição na OAB e, na defesa de seus clientes, procedia como se estivesse em atividade, colocando seu veículo na garage da Justiça, entrando na secretaria das Varas e querendo discutir o mérito de seus requerimentos com os juízes. Não conheciam o Eclesiastes.

Nas profissões jurídicas é preciso zelar pelo nome, imagem, pelo que nossas ações refletem nos alunos, clientes, na família, nos que buscam Justiça, na sociedade. Está em Provérbios 22,1: “Vale mais ter um bom nome do que muitas riquezas; e o ser estimado é melhor do que a riqueza e o ouro.” O bom nome é um orgulho dos descendentes, é um patrimônio imaterial de grande valor. Bens materiais dão uma satisfação momentânea, mas ser estimado dá uma alegria interior que não pode ser quantificada. Há muitos bons exemplos, ficarei em apenas um: Ministro Sidnei Beneti. Recentemente aposentado no STJ, após uma carreira exemplar na magistratura paulista, não foi apenas um bom juiz, mas também um criador de formas de aperfeiçoamento da Justiça, como o seu “Roteiro de Decisões Judiciais”, que orientou centenas de magistrados por décadas. Amolda-se perfeitamente ao provérbio citado.

Jesus Cristo foi acusado e julgado sem que lhe fosse dado direito à ampla defesa. Sua morte foi decretada a pedido da multidão. Mas, mesmo diante das circunstâncias negativas e da injustiça, não retrocedeu nos seus propósitos. Vale aqui a citação “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos” (Mt 5:6).

E para terminar, cabe registrar que, ainda que imbuídos dos melhores propósitos, nem sempre conseguimos alcançar nossas metas. Se ao final de nossos esforços, por isso ou aquilo, não conseguimos o resultado pretendido, resta lembrar a lição de Paulo na Segunda Carta a Timóteo, 4,7: “Combati o bom combate, terminei a minha corrida, conservei a fé.”

Felizes os que, como Paulo, terminam 2014 com a consciência tranquila, realizados nas suas conquistas, cientes da transitoriedade da glória e da perenidade das relações forjadas na sinceridade, no amor e na solidariedade.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!