Segunda Leitura

Há conexão entre esporte, Direito e sucesso nas profissões jurídicas

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

21 de dezembro de 2014, 7h00

Spacca
No ano de 1961, como 15 anos de idade, muita saúde e disposição, com mais nove amigos, dois em cada baleeira, dei a volta na Ilha de Santos,  42 km, remando. Saímos 5  da manhã e chegamos às 17 horas. Doze horas de esforço em uma experiência rica de desafios e emoções, mar, rios, porto e o canal de entrada dos navios. Recentemente, uma crônica relatou aquela façanha no jornal local. Um remador de caiaque leu e “Associação Turma do  Remo”, resolveu homenagear aqueles então jovens esportistas. Neste último sábado, em um lindo dia de verão, eu e mais dois daquele grupo integramos um grupo de cerca de 80 remadores para participar da “IX Volta à Ilha de Santos/São Vicente”. Às 8h da manhã estávamos a postos, recebemos, com emoção, uma placa em nossa homenagem e às 9h nos lançamos ao mar. Eram 30 caiaques dos mais diversos tipos e tamanhos. Prudentemente, aceitamos tomar parte apenas na primeira parte do trajeto, descendo cerca de 12 km depois em uma praia de São Vicente.

Mas, qual a relação deste fato com uma coluna jurídica? Aparentemente, nenhuma. Mas, se o exame for feito com lentes que permitam alcançar o que está implícito, por trás ou ao lado do evento, ver-se-á que há, sim, conexão a ser comentada.

O primeiro aspecto a ser registrado é que a associação dos remadores não apenas exercita um esporte, mas também exerce um direito social ao lazer, assegurado pelo artigo 6º, caput, da Constituição Federal. Ademais, é dever do Estado fomentar práticas desportivas, conforme dispõe o artigo 217 da Carta Magna. Portanto, há um interesse pessoal dos esportistas junto com o do Poder Público que deve incentivá-los.  Não se trata de um ato de boa vontade do Estado, mas de obrigação e, caso se omita, pode inclusive ser obrigado a fazê-lo através da via judicial.

Os caiaques variam de tamanho e peso. Há os  individuais, há os que se destinam a uma dupla e os que são feitos para diversas pessoas. Em todos, mas principalmente nos maiores, exige-se solidariedade. Ao sinal de um líder os remadores vão alternando suas remadas, 10 para um lado, 10 para o outro. Ninguém avança nem chega a nenhum lugar sozinho. E também se alguém fraquejar uma embarcação lhe prestará socorro. Aí está a solidariedade que a Constituição, no artigo 3º, inciso I, espera de todos os brasileiros. Será diferente nas profissões jurídicas? Não. Imagine-se um escritório de advocacia em que cada um cuide só dos seus interesses, sem preocupar-se com os demais. Não vai dar certo. Os que estão na cúpula precisam criar um ambiente agradável e isto depende também dos funcionários administrativos, estagiários e pessoal da limpeza.

Uma atividade de remo exige estudo prévio, planejamento.  Seja uma competição ou um passeio de lazer, é necessário avaliar como está o tempo — se for no mar, as condições —, levar água e alimentos, pouco peso, tempo estimado de regresso. A forma de agir nas profissões jurídicas também exigem planejamento. Se a polícia vai fazer uma operação importante o preparo é essencial para o sucesso. Sigilo absoluto, estudo do número de participantes, adequação do perfil de cada um à meta desejada, análise da forma de revide se houver reação armada, infraestrutura para a lavratura de auto de prisão em flagrante, enfim todos os detalhes para que nada possa falhar.

Determinação é outro requisito. Ninguém se lança às águas, sejam doces ou salgadas, sem força e perseverança. Preguiçosos não se animam a remar, preferem assistir televisão ou dormir até o meio-dia. Operadores jurídicos, idem. Imagine-se um candidato a um concurso para Defensor Público. Milhares de candidatos, matéria extensa, provas cada vez mais difíceis. Se não houver determinação, nunca chegará à aprovação.  

Ter um objetivo. Remadores dirigem-se a um ponto geográfico. Miram e partem firmes na busca do resultado. Profissionais do Direito também precisam de um marco a ser atingido. O que pretendo ser? Em quanto tempo? Como me vejo daqui a 5 anos? Estas são perguntas básicas que devem se fazer. Um remador sem objetivo perde-se em zigue-zagues e provavelmente nunca chega a lugar algum. Um profissional do Direito que abre um escritório de advocacia, fecha seis meses depois porque não era o que imaginava, faz concurso para carreiras jurídicas com programas diferentes e desanima nos primeiros insucessos, perde-se por falta de objetivo claro e certamente acabará trabalhando como auxiliar na loja de um tio.

O remador tem regras a serem seguidas, especialmente quando em grupo. Há tempo de começar e de parar, há momentos em que o líder determina a mudança de rumos, há exigências da Capitania dos Portos. Não é diferente na vida jurídica. Há regras explícitas e implícitas e estas últimas nem sempre são muito claras. Vejamos um exemplo. O servidor da Justiça Federal tem o dever de tratar com educação aos que procuram os serviços da Secretaria da Vara (Lei 8.112, de 1990 , artigo 116, inciso XI). Nem sempre isto é fácil, às vezes do outro lado do balcão há uma pessoa grosseira a exigir o impossível. Ainda assim o servidor deve manter a urbanidade, tal como se comportam os comissários de voos quando alguém quer entrar no avião com uma mala enorme que não cabe no bagageiro.

Os esportistas em geral e os remadores em especial, vivem em contato com a natureza. Esta convivência é um privilégio e não deve ser usufruída apenas. O artigo 225, caput, da Constituição diz que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e que todos são responsáveis pela sua defesa. Um remador tem várias oportunidade de auxiliar os órgãos ambientais. Se perceber a existência de poluição das águas, pesca predatória, vazamento de esgoto, não deve ficar omisso. Deve acionar os órgãos ambientais responsáveis ou a Marinha, pois esta também tem o poder-dever de proteger o meio ambiente (Lei 9.605, de 1998, artigo 70, parágrafo 1º).

No uso de caiaques, remadores muitas vezes aproveitam-se das ondas dos barcos a motor. Ao lado ou atrás, avançam em grande velocidade, como se estivessem surfando nas ondas que a embarcação maior proporciona. Nas profissões jurídicas muitos também se aproveitam das lições dos mais experientes. Um jovem advogado pode “surfar” nos ensinamentos do colega mais velho que abre-lhe as portas do conhecimento da prática forense. Mas não pode depois ser ingrato, abandonar a mão amiga tão logo alcance sucesso e muito menos desviar clientes quando se considera capacitado a fazer carreira solo.

E  em meio a tudo isto, o remador e o operador jurídico  precisa saber os seus limites. Nós, os três convidados, preferimos participar do grupo mas prudentemente optamos por  descer na primeira parada. Poderíamos ter avançado e passar por um problema físico, estragando o nosso passeio e o dos demais remadores.  Da mesma forma o profissional do Direito. Um juiz deve esforçar-se para distribuir Justiça da forma mais rápida e eficiente possível. Mas, se ainda assim não consegue deixar a Vara absolutamente em dia, não deve passar as madrugadas, fins de semana ou feriados a trabalhar, porque o excesso pode levá-lo a um problema de estafa e prejudicar sua vida pessoal, familiar e no fim a própria Vara.  É preciso saber respeitar  os próprios limites.

Em suma, o esporte em geral é a melhor via para a sanidade física e mental. Não é tudo, por certo, até porque alguns não tem vocação para qualquer de suas modalidades. Mas, mesmo os não praticantes, dele podem valer-se para aprimorar sua vida profissional. É ficar atento e aproveitar as boas lições que a vida nos oferece.

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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