Mudanças necessárias

Focadas em repressão, cortes internacionais são "Justiça parcial"

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20 de dezembro de 2014, 5h30

A Justiça Penal internacional, baseada na repressão aos crimes universais, não vem conseguindo resultados satisfatórios, e deve mudar seu enfoque para a prevenção de delitos. Essa é a conclusão da tese de doutorado de Rui Carlo Dissenha, Por uma política criminal universal: uma crítica aos tribunais penais internacionais, defendida no ano passado na Faculdade de Direito da USP.

O estudo mostra que cada Estado tem um Direito Penal próprio, e cabe apenas a ele punir quem infrinja a lei, no entanto, desde o Estatuto de Roma, de 1998, existe um Tribunal Penal Internacional permanente que tem por dever julgar os crimes universais. Estes delitos,  segundo Dissenha, são os que violam bens jurídicos e que, por razões históricas — e não filosóficas —, exigem proteção conjunta de todas as nações.

Os crimes universais, diz o estudo, são caracterizados mais pela forma de execução e pelo dolo do agente do que por suas condutas propriamente ditas. Por exemplo, o genocídio poderia ser enquadrado como homicídio, sequestro ou lesão corporal se fosse analisado isoladamente pelo Direito Penal brasileiro. O mesmo ocorre com os crimes de guerra, que são delitos cometidos em situações de conflitos.

De acordo com Dissenha, o modelo repressivo prioriza a vingança ao respeito aos direitos humanos: “A Justiça Penal internacional dos dias de hoje se manifesta de forma insatisfatória, porque é fundada em uma Justiça repressiva de matriz internacional que, por esses mesmos motivos, implica riscos sérios ao trato dos chamados crimes universais. Afinal, como proposta meramente repressiva construída no fervor da pretensão vindicatória para violação de direitos humanos, a Justiça Penal internacional acaba incapaz de entregar o que promete e se constitui apenas em mais um instrumento de controle social que não serve, em nada, para a proteção dos direitos humanos”.

Para ele, uma prática fundada apenas na repressão não funciona devido à grande amplitude do campo da política criminal. Isso faz que essa área não seja mais vista como mera política social e nem, segundo Dissenha, como uma simples política penal, que se esgota na decisão do Estado de aplicar mais ou menos pena a um infrator.

Além disso, o modelo da Justiça Penal internacional de hoje é mais político do que técnico, analisa Dissenha: “Uma política penal internacional de meros contornos penais pode se converter, rapidamente, em um modelo de controle que serve unicamente a atender aos interesses dos países que detém o poder na comunidade internacional”.

Essa opção permite apenas uma “Justiça parcial”, uma “Justiça dos vencedores” que, na maioria dos casos, pune apenas quem contraria os interesses dos países mais ricos. Mas o benefício a tais nações tem um alto custo, pois põe em risco a construção democrática e a garantia de paz e dos direitos humanos, que são pilares nos quais a ordem internacional se funda.

Independência absoluta
Depois de criticar a fundo o modelo atual, o pesquisador oferece algumas sugestões para aprimorar a Justiça Penal internacional. A primeira delas seria limitar as punições, e unir a atuação das cortes ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Com isso, seria possível estudar o fenômeno criminal a fundo e buscar maneiras eficientes de reduzir sua incidência.

Dissenha propõe que os tribunais internacionais tenham atuação subsidiária à dos nacionais, e que aqueles garantam a “independência absoluta” dos julgadores. Além disso, o pesquisador defende a implantação de políticas que promovam a educação e a reintegração do ofensor à sociedade. Mas ele não deixaria de responder pelos seus atos. Só que as cortes deixariam o aprisionamento em último caso e buscariam formas alternativas de reparação dos danos, como o pagamento de indenizações, a redistribuição de terras e a conciliação com a vítima.

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