Influência alemã

Novo CPC permite decisões mais rápidas em casos repetidos

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  • Paulo Henrique dos Santos Lucon

    é presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Livre Docente doutor e mestre pela Faculdade de Direito da USP onde é professor associado. Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB Seção de São Paulo. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo.

17 de dezembro de 2014, 18h53

Nos últimos 20 anos, diversas reformas legislativas alteraram vários dispositivos do Código de Processo Civil de 1973, comprometendo com isso a sua sistematicidade. Sentiu-se, a partir daí,  em alguns setores integrantes da comunidade jurídica, a necessidade de elaboração de um novo diploma legislativo para regulamentar o processo civil brasileiro. Surgiu, então, o Projeto de Lei do Senado 166 de 2010, elaborado por uma comissão de juristas especialmente designada para esse fim. Este projeto de lei foi aprovado pelo Senado. O produto final não é o melhor Código de Processo Civil que toda a comunidade jurídica esperava ter, mas, sem dúvida, é o mais democrático que o Brasil já teve.

Durante toda essa tramitação, houve consenso sobre a necessidade de implementação de um novo instituto para desafogar o Poder Judiciário. Surge, então, um novo instituto denominado Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, inspirado no Direito alemão.  Ele possibilita decisões mais rápidas em processos que levariam anos para ser definitivamente julgados. O acesso formal à Justiça também é claro, pois não serão exigidas custas processuais no incidente.

De acordo com o artigo 988, caput, do Novo Código, é admissível a instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas quando “estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, houver efetiva ou potencial repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito ou de direito e de fato”. Existem três atividades muito importantes para o bom resultado no incidente de resolução de demandas repetitivas: a identificação do processo piloto, a delimitação do núcleo da decisão do incidente de demandas repetitivas e a aplicação aos casos concretos.

De acordo com o artigo 992 do novo Código, o relator responsável pelo julgamento do incidente ouvirá as partes e demais interessados na resolução da controvérsia que poderão em 15 dias requerer a juntada de documentos e a realização de diligências que considerarem úteis à solução do incidente. O parágrafo único desse artigo, ademais, autoriza a realização de audiências públicas para possibilitar a manifestação de pessoas com experiência e conhecimento da matéria controvertida. Permite-se, de igual modo, a intervenção de amicus curiae sempre com o objetivo de que a tese jurídica a ser fixada seja da melhor forma elaborada, franqueada a participação de todos os interessados.

Se o processamento do incidente, portanto, for conduzido de maneira adequada pelo relator, oportunizando-se a todos esses sujeitos a possibilidade de cada um à sua maneira participar do processamento do incidente, garantir-se-á que o seu julgamento se dê com base em cognição exauriente dos elementos da controvérsia. Não obstante esse aspecto de natureza técnico processual, é preciso também ter em mente que essa atuação do Poder Judiciário pela via do Incidente de Resolução de Demandas repetitivas se coaduna com a necessidade de o Poder Judiciário brasileiro assumir um novo perfil diante das exigências políticas e sociais dos dias atuais e do enorme número de processos relacionados com a mesma discussão de fundo.

Assim, não basta ao Poder Judiciário resolver de maneira imperativa e com justiça um determinado litígio. Essa, por certo, é sua função essencial, mas incumbe a ele também ter consciência de que suas manifestações guiam e orientam a conduta de sujeitos que atuam nos mais diversos sistemas que compõem a nossa sociedade. Desse modo, nos casos em que ele se omite, esses sujeitos deixam de atuar como deles era de se esperar ou então o fazem de maneira desorientada, sem um juízo certo a respeito das consequências de seus atos. A realização de um julgamento prévio, portanto, pela via do incidente, não só é tecnicamente possível, porque realizado com cognição exauriente, mas também socialmente desejável, por fornecer um padrão de conduta para os interessados na sua solução.

Vozes contrárias à atuação preventiva do Judiciário proporcionada por esse novo instituto sustentam que a existência de decisões judiciais prévias em casos isolados ainda que contraditórias contribuem para a maturação da tese jurídica a ser fixada pelo incidente. Defendem esses autores, portanto, que a instauração do incidente seja restringida às hipóteses em que houver efetiva repetição de processos.
Embora a eficácia do novo instituto dependa de fatores externos ao universo jurídico, e, portanto, insuscetíveis de serem previstos a priori, pode-se afirmar que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas possui a aptidão de alterar a dinâmica do tão combalido Judiciário brasileiro.

Deve ser ressaltada a possibilidade de o incidente ser instaurado antes mesmo da proliferação de demandas repetitivas. Constatada a potencialidade desse fenômeno ocorrer, a instauração do incidente evita a concretização de uma patologia para qualquer ordenamento jurídico: a emissão de decisões contraditórias para situações idênticas. Além disso, a nova sistemática legal não descuida dos interesses de cada jurisdicionado.

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