Busca e apreensão

Supremo diz que diligência que originou operação satiagraha foi ilegal

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16 de dezembro de 2014, 17h47

Por unanimidade, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal considerou que a apreensão de discos rígidos e computadores que deu origem à operação satiagraha foi ilegal. Em Habeas Corpus, o tribunal entendeu que, como a diligência foi feita sem que houvesse mandado de busca e apreensão expedido para aquele endereço, as apreensões foram ilegais e os objetos apreendidos não podem ser usados como provas em processo judicial.

Carlos Humberto/SCO/STF
O caso foi levado à 2ª Turma nesta terça-feira (16/12) pela ministra Cármen Lúcia, que havia pedido vista do voto do relator, ministro Gilmar Mendes (foto). Na sessão do dia 9 de dezembro, o ministro expôs seu entendimento de que, “sob o aspecto formal, o mandado não tem validade”. Além da ministra Cármen, também acompanharam o relator os ministros Celso de Mello e Teori Zavascki.

A 2ª Turma discutia Habeas Corpus impetrado por Daniel Dantas pedindo que as buscas feitas na sede do Banco Opportunity, no Rio de Janeiro, em outubro de 2004, fossem consideradas ilegais. Segundo o pedido, a Polícia Federal aproveitou um mandado de busca e apreensão destinado à sede do Grupo Opportunity para vasculhar a sede do banco, que não estava contemplado pelo documento.

O mandado foi expedido no contexto da operação chacal, em que a PF investigava movimentações no mercado brasileiro de telecomunicações. O Grupo Opportunity era o controlador acionário da Brasil Telecom, mas a Telecom Italia estava interessada no posto. De acordo com a PF, Dantas e a então presidente da BrT, Carla Cico, contrataram a empresa de espionagem Kroll para bisbilhotar as atividades da companhia italiana no Brasil.

Daniel Dantas foi absolvido das acusações da operação chacal. O que a defesa, feita pelo escritório do advogado Andrei Zenkner Schmidt, pretende com o HC é contribuir ainda mais para sepultar a chacal e apontar mais uma nulidade na origem da satiagraha. Com a decisão, a diligência que apreendeu os computadores que permitiram à PF descobrir indícios de crimes financeiros na privatização da BrT (o objeto inicial da satiagraha) foi declarada ilegal.

Pelo telefone
O mandado de busca e apreensão falava no “endereço profissional” de Dantas. Tratava-se de sede do Grupo Opportunity, que ficava no 28º andar de um prédio empresarial na Avenida Presidente Wilson, no Rio de Janeiro. O Banco Opportunity ficava no mesmo prédio, mas no 3º andar, e durante as diligências a PF descobriu ligações entre as duas empresas.

Já dentro do prédio onde ficavam as duas empresas, o delegado da Polícia Federal Angelo Gioia pediu ao juiz substituto da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, onde tramitava a chacal, Alexandre Cassetari, que autorizasse a apreensão de HDs e computadores do Banco Opportunity. Segundo o Habeas Corpus, o telefonema do agente da PF induziu o juiz a erro, pois ele não estava com os autos do processo e não sabia dos limites do mandado de busca e apreensão.

No despacho, Cassetari afirma que, no telefonema, Gioia falou sobre a importância do HD do servidor do Banco Opportunity e, por isso, ele não autorizou a apreensão, mas somente a cópia do conteúdo. “Ordeno a não apreensão do HD do servidor que se encontra nas dependências do Banco Opportunity, local em que está sendo cumprido mandado de busca e apreensão”, diz o despacho.

Para a defesa de Dantas, a frase “local em que está sendo cumprido mandado de busca e apreensão” denota que o juiz foi induzido a erro, já que o mandado estava sendo cumprido no endereço profissional de Daniel Dantas, e não no endereço da sede do banco.

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Sem detalhes
A ministra Cármen Lúcia, em seu voto-vista, concordou com os argumentos da defesa. Segundo ela, a ampliação do mandado, “sem a devida pormenorização”, faz com que as buscas no segundo endereço tenham sido ilegais. Ela lembrou que a jurisprudência da própria 2ª Turma é a de que não se pode estender os efeitos de um mandado sem dar detalhes do local onde ele deve ser cumprido, “sob pena de tornar nulas as provas”. “Não há uma identificação precisa nem sobre a conversa telefônica” que motivou a nova diligência, disse a ministra.

Polarização
Em seu voto, o ministro Celso de Mello afirmou que se trata de mais um caso de “polaridade entre poder do Estado e direito do particular”. “A ação persecutória do Estado, para revestir-se de legitimidade, não pode se basear em meios ilegítimos.”

O decano citou que o artigo 243, incisos I e II, do Código de Processo Penal obriga os mandados de busca e apreensão a dizer, com a maior precisão possível, o endereço da casa onde ele será cumprido. E no caso, como já havia votado o ministro Gilmar, o escritório de Dantas se equipara à “casa” referida na lei, já que é um espaço privado sem circulação pública.

Paula Simas/SCO/STF
“Houve intrusão de policiais no espaço privado”, disse o ministro Celso de Mello (foto). “Nenhum agente público, policial ou não, ainda que animado dos melhores propósitos, pode entrar no espaço privado sem autorização judicial.”

Da chacal à satiagraha
Foi das investigações da operação chacal que nasceu a operação satiagraha, talvez a mais famosa megaoperação já conduzida pela Polícia Federal. Ela investigou indícios de crimes financeiros cometidos por Daniel Dantas e o Opportunity durante o processo de privatização da Brasil Telecom.

Esses indícios foram descobertos justamente nessa diligência que foi ao andar que não devia. Nesses HDs e no servidor foi que a Polícia Federal teve acesso a informações de clientes do Banco Opportunity que basearam um laudo depois enviado à Justiça Federal de São Paulo. Esse laudo deu origem à operação satiagraha.

Reprodução
A operação foi derrubada pelo Superior Tribunal de Justiça porque as provas foram colhidas de maneira ilegal. Ficou provado que o delegado responsável, Protógenes Queiroz (foto), convocou agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para ajudar nas interceptações telefônicas, usou dependências e pessoas de fora da PF, como detetives particulares além de intensa troca de telefonemas com empresários.  Hoje, corre no Supremo um inquérito que investiga se a operação foi financiada por adversários de Daniel Dantas no mercado financeiro para derrubá-lo do controle da BrT.

HC 106.566

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