Direito Internacional

Deportação e extradição são instrumentos para países exercerem sua soberania

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14 de dezembro de 2014, 6h30

A legislação migratória brasileira prevê quatro modalidades das chamadas medidas compulsórias. Essas medidas são aplicadas a estrangeiros que não possam entrar em território nacional, a aqueles que entrem de forma irregular (ou mesmo regular mas que já aqui se tornem irregulares), para os que aqui estejam de forma regular mas cometam ilícitos penais e finalmente para aqueles venham para o Brasil para se evadirem da aplicação da lei penal de seus países ou de países onde tenham cometido um delito.

Esses institutos levam o nome de "medidas compulsórias" pelo fato de que sua aplicação não depende da vontade do estrangeiro sujeito passivo. Trata-se de prerrogativa do país em executar sua soberania e não manter em seu território indivíduos que o procurem para nele se homiziar ou permanecer sem observância dos requisitos legais.

Das quatro medidas compulsórias duas serão abordadas no presente texto: a deportação e a extradição. As demais, repatriação e expulsão, não serão aqui tratadas. A escolha pela deportação e pela extradição se dá em virtude da tênue linha que proíbe uma e autoriza a outra em determinados casos, que serão mais à frente descritos.

A deportação

Nos termos do art. 57 do Estatuto do Estrangeiro, Lei nº 6.815/80, nos "casos de entrada ou estada irregular de estrangeiro, se este não se retirar voluntariamente do território nacional no prazo fixado em Regulamento, será promovida sua deportação."

Depreende-se do artigo a ocorrência de duas situações a justificar a medida: a entrada e a estada irregular. A primeira ocorre quando o estrangeiro ingressa em território brasileiro sem observância das exigências legais para tanto; já a estada irregular se concretiza quando o estrangeiro que entrou no Brasil de forma legal perde essa qualidade por algum motivo (término do prazo concedido, vencimento do visto, etc).

A depender da modalidade de irregularidade, se entrada ou estada, o regulamento da Lei atribuirá os prazos a serem observados para a saída voluntária do estrangeiro, após o que a medida será materializada compulsoriamente pelas autoridades migratórias.

O parágrafo segundo do artigo em comento traz interessante disposição: a deportação sumária. Essa ocorre no caso em que o interesse nacional aconselhe a imediata retirada do indivíduo do território nacional, posto a inconveniência de sua presença no país. Trata-se de medida excepcional, devendo ser aplicada apenas aos casos que efetivamente a exigirem A previsão contida nesse parágrafo é repetida pelo Decreto nº 86.715/81, que regulamenta a lei.

Independente da forma de aplicação da medida e do motivo que a justifique (entrada ou estada irregular, sumária ou não), o deportado será enviado ao seu país de nacionalidade ou a outro que consinta em recebê-lo.

Dessa forma, o instituto da deportação visa retirar do país estrangeiro em situação irregular, não necessariamente envolvido em crimes aqui ou no estrangeiro. Para o primeiro caso temos a expulsão, para o segundo a extradição.

Da extradição

Extradição é o ato pelo qual o Estado requerido entrega ao Estado requerente um estrangeiro que busque o território do primeiro para se evadir da aplicação da lei penal do local do cometimento do delito. Esse local de cometimento do delito pode ou não ser o país de nacionalidade do foragido.

Pela complexidade de seus requisitos, legislação e pressupostos, o tema não será aqui aprofundado. Trata-se de assunto ao qual os doutrinadores do Direito Internacional dedicam páginas e páginas, e por isso trataremos apenas de parte desse magnífico instituto do Direito, talvez o que mais contribua para o ideal da Justiça global.

A contrário da deportação, a extradição exige para sua configuração a existência de um crime praticado pelo sujeito no território de um país diferente de onde ele ora se encontre.

Com sua localização em qualquer parte do mundo, o Estado onde o delito ocorreu solicitará sua prisão e posterior entrega para que a justiça possa ser realizada. Cada país regulamenta a matéria internamente de acordo com sua legislação, e alguns tratados internacionais trazem padrões a serem observados pelos signatários, dentro dos limites de sua soberania.

Não é raro também a assinatura de tratados bilaterais ou multilaterais de extradição, os quais especificarão detalhes para a realização da medida.

Aqui exsurge primeiro esclarecimento: ao contrário do que frequentemente se vê na imprensa, ou mesmo em filmes (o criminoso foge para um país que não mantenha tratado de extradição com seu país) a existência do tratado não é condição para a ocorrência da extradição. No Direito Internacional existe a figura da reciprocidade, talvez o maior "coringa" nas relações internacionais. Segundo esse instituto, mesmo na ausência de tratados um país pode demandar outro, sob o compromisso de retribuir no futuro.

Inúmeros são os casos de sucesso de extradições do Brasil para o exterior e vice-versa baseados na reciprocidade. Em alguns casos existe tratado entre os Estados requerente e requerido porém algum ponto específico do caso concreto não está lá previsto, e o país oferecerá a reciprocidade para esse ponto.

Como se vê, a afirmativa de que a inexistência de tratado de extradição inviabiliza a medida é equivocada.

Existem dois tipos de extradição, a Ativa e a Passiva. Em curtas linhas, a primeira ocorre quando o Brasil vai ao exterior buscar um foragido de sua justiça. A segunda se dá quando um foragido internacional é aqui preso a pedido de autoridades judiciais de outro país, visando sua entrega para a justiça estrangeira.

O importante para o momento é o conhecimento de que a Extradição será sempre vinculada a um crime praticado pelo extraditando no exterior.

Do limite entre deportação e extradição

As autoridades que atuam na área internacional, seja na cooperação ou na atividade migratória são eventualmente questionadas sobre o motivo de terem optado por uma medida em detrimento da outra, como por exemplo a extradição no lugar da deportação. Ora, se a legislação veta a permanência de um estrangeiro criminoso em território brasileiro, impossibilitando sua estada regular, por que não deportá-lo ao invés de extraditá-lo, posto a maior agilidade do primeiro?

De fato, no que se refere ao aspecto temporal, uma deportação poderá se concretizar em alguns dias, enquanto a extradição pode levar anos até seu julgamento final, dependendo da complexidade do processo. Mesmo assim não é possível tomar um procedimento pelo outro.

Conforme exposto acima, a deportação se aplica aos casos de entrada ou estada irregular. Não há que se falar em crime. Já para a extradição a existência de uma prática delituosa e de um mandado de prisão dela decorrente é condição.

Outra questão que se apresenta é o respeito aos direitos humanos. Com efeito, o indivíduo deportado, de regra, não responde a crimes no país de destino. Dessa maneira, ao lá chegar, seguirá normalmente com sua vida, nada restando a pagar à Justiça. Já na extradição o indivíduo entregue ao seu país cumprirá pena ou será submetido a julgamento. E nesse ponto a questão adquire especial sensibilidade.

Dois princípios universais regem a extradição: a dupla incriminação e a especialidade. O primeiro é mais conhecido, e repousa na exigência de que o fato punido no país de origem também o seja no país onde o foragido se encontre. Não importa o nomen iuris, basta que a conduta ilícita também encontre previsão no ordenamento jurídico de ambos os Estados.

O princípio da especialidade, não tão conhecido, não é menos importante. Ele diz que o pedido de extradição deverá conter todos os fatos delituosos atribuídos ao extraditando. Visa esse princípio vedar a possibilidade de que um pedido de extradição seja formalizado com base em fato menos grave, e ao retornar ao seu país o extraditando seja julgado ou condenado por outros mais graves (alguns puníveis até com pena de morte).

Esse princípio tem curioso desdobramento: caso um indivíduo seja extraditado com base em um crime, e posteriormente a sua chegada em seu país outros fatos lhe sejam atribuídos, esse país deverá pedir autorização ao Estado que o extraditou para que ele responda pelos demais ilícitos. Vemos aí uma “relativização” da soberania do Estado que julgará o criminoso, posto que o processo penal dependerá de anuência do país que restituiu o foragido com base em um pedido de extradição.

Tais princípios não encontram previsão na legislação brasileira, mas são aplicados a cada instrução de processo extradicional. Tratam-se de Príncipios Gerais do Direito Internacional.

Alguém pode questionar o que poderá ocorrer com o país, no caso Estado requerente, que não peça tal autorização ao Estado que extraditou o foragido. De fato não há punição clara; o Estado requerido não promoverá a invasão militar do Estado requerente para buscar o criminoso, porém essa “quebra de acordo” será considerada em futura extradições a esse país, mesmo que por outros Estados. Na seara internacional a credibilidade e compromisso com acordos (pacta sunt servanda) são extremamente valorizados, tratando-se de verdadeiros pilares das relações internacionais.

Na instrução de um processo extradicional o Estado requerente se verá obrigado a firmar acordo com o Estado requerido de não aplicar penas não previstas na legislação do primeiro, ou nos limites dessa. Tomemos o exemplo de um indivíduo condenado por homicídio em um país cuja pena máxima é de prisão perpétua para esse delito. Tal indivíduo empreende fuga ao Brasil, onde vem a ser localizado e preso para fins de extradição. Ora, no Brasil não existe a prisão perpétua. Mesmo com tamanha diferença de penas, a extradição poderá ser deferida ao final do processo e, para receber o foragido, o Estado requerente deverá se comprometer a aplicar o máximo da pena prevista na legislação brasileira quando o indivíduo retornar ao seu território. Aí vemos outra relativização da soberania.

Como a deportação não envolve fatos criminosos, não há que se falar em condições para enviar o deportando ao exterior. E justamente nesse fato reside a impossibilidade de se adotar uma medida por outra.

Imaginemos a situação hipotética de um indivíduo que pratique crime cuja pena máxima é a morte em seu país e fuja para o Brasil. Caso o Brasil deporte tal indivíduo, ao chegar em seu território lhe será aplicada a pena capital. O mesmo se aplica para penas de trabalhos forçados, prisão perpétua, etc. Isso porque na deportação não há espaço a tal tipo de compromisso. A deportação se revestiria de verdadeira “extradição indireta”, vedada pelos ordenamentos jurídicos.

Como regra a deportação ocorre por interesse do país onde o indivíduo se encontre; a extradição por interesse da justiça do Estado requerente.

Por tudo isso, importante o estudo aprofundado de ambos os institutos. A deportação e a extradição são praticadas em todo o mundo, observando-se as peculiaridades da legislação de cada país. Tratam-se de importantíssimos instrumentos para, no caso do primeiro, garantir a permanência de indivíduos de forma legal no território de determinado Estado, e o segundo a possibilitar a aplicação da lei penal independentemente de onde o foragido busque morada visando não ser responsabilizado por seus atos criminosos.

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