Combate a corrupção

Programa de compliance em empresas é uma necessidade de mercado

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11 de dezembro de 2014, 14h29

Em um processo cuja origem remonta ao avançar dos anos 1990 — por exemplo, com a promulgação da Lei de Licitações e da Lei de Improbidade Administrativa —, parece ter se intensificado nos últimos anos a busca por uma nova postura pública diante do problema da corrupção no Brasil. Leis recentes, voltadas direta ou indiretamente ao “combate à corrupção”, não só transferiram aos particulares determinados deveres de zelar pela legalidade de seus negócios e de cooperar com os poderes públicos, como também criaram mecanismos de responsabilização dos atores privados que não cumprem estes deveres de diligência ou se envolvem em práticas corruptas.

Em 2012, foram aprovadas alterações na Lei de Lavagem de Dinheiro, ampliando sua abrangência e estabelecendo uma série de deveres de colaboração dos atores privados para com o Estado, com a previsão de sanções administrativas em casos de descumprimento. Instituições financeiras, por exemplo, devem registrar clientes, comunicar operações suspeitas ao COAF, e manter mecanismos internos de controle e compliance. Tais medidas impactam diretamente a articulação de atos corruptos, em especial os mais sofisticados, como aqueles que envolvem a corrupção política.

Já em agosto de 2013, a Lei de Organizações Criminosas trouxe uma rígida pena de prisão para aqueles que participam de tais organizações — dentre as quais, aquelas voltadas às práticas mais complexas de corrupção. Para os casos por ela abrangidos, a nova Lei trouxe ainda especificações quanto à realização da colaboração premiada, por meio da qual investigados e acusados podem transmitir informações à autoridade e delatar os demais envolvidos, em troca de benefícios penais.

Os intuitos de política criminal são evidentes. Por um lado, os particulares que decidirem se organizar para a prática de corrupção devem estar cientes do risco de serem delatados por aqueles em quem confiaram, podendo recair sobre os envolvidos a acusação de participação em organização criminosa e outros delitos. Por outro, há um aumento do poder de dissuasão das investigações policiais e de negociação do Ministério Público, sendo ainda incertos seus limites e a forma como as negociações efetivamente estão sendo conduzidas. Isso deve ser considerado, no caso brasileiro, em conjunto com a exploração pelos meios de comunicação de casos em que ocorre a delação de supostos esquemas de corrupção — algo ao que não é de interesse das empresas se submeter, tendo em vista que estas têm em seu aspecto reputacional algo economicamente relevante.

Também de 2013, mas tendo entrado em vigor apenas em 2014, a Lei Anticorrupção expressamente colocou em foco o lado privado responsável pelas práticas corruptas, ao estabelecer mecanismos de responsabilização e severas punições para particulares que lesionem a administração pública. É prevista ainda a possibilidade de celebração de acordo de leniência para os casos abrangidos pela nova Lei, podendo a pessoa jurídica compartilhar informações com a autoridade pública e apontar os demais envolvidos, também em troca de reduções punitivas. No entanto, ainda são pouco precisos os limites da responsabilização do agente privado, tendo em vista o fato de a Lei Anticorrupção ser muito recente, carecendo de um histórico de aplicações e de mais estudos.

Este novo cenário legal foi impulsionado por pressões internas, mas decorre também de influências externas e da pretensão do Brasil de adquirir maior protagonismo internacional, o que implica uma adequação a padrões internacionais de como lidar juridicamente com a corrupção. Isso, além de ser uma tentativa de assegurar a legalidade das práticas corporativas, bem como a confiança da sociedade nas instituições públicas, não significa um combate ao poder econômico. Antes, tais novas configurações servem aos interesses deste: ao buscarem afastar os conluios indevidos entre poder econômico e poder político, possibilitam uma maior competitividade e segurança negocial aos agentes econômicos no que tange aos empreendimentos que envolvem, de algum modo, o Estado.

A este modelo deve ser somada ainda a uma mudança qualitativa das operações deflagradas pela Polícia Federal para apurar práticas de corrupção, apesar de notícias de que o número de investigações e indiciamentos neste sentido teria diminuído nos últimos anos. De todo modo, combinando mecanismos normativos com uma maior – embora ainda insuficiente – capacidade policial, o “combate à corrupção” no Brasil parece estar assumindo nova forma e conteúdo, despertando a necessidade de assimilação por parte do mercado.

Há uma nova realidade para as empresas que operam no mercado brasileiro: a necessidade de instituir programas efetivos e eficazes de compliance, com mecanismos rígidos de controle interno que previnam os riscos relacionados à corrupção. A adaptação envolve, por conseguinte, uma nova perspectiva também na atuação dos advogados, deixando estes as práticas meramente reativas, e passando a preventivamente auxiliar aqueles que buscam seus serviços no gerenciamento de riscos relacionados à corrupção.

Este cenário, característico de uma economia globalizada, com padrões internacionais de regulação dos negócios, é um fato já consolidado em determinados países, mas ainda dá seus primeiros e cambaleantes passos no Brasil. Um exemplo claro está nas manchetes: enquanto a Petrobras, uma das maiores petroleiras do mundo, com valores mobiliários comercializados internacionalmente, acaba de aprovar a criação de uma diretoria de compliance, suas concorrentes estrangeiras têm iniciativas neste sentido há muito tempo.

As regras do jogo parecem ser guiadas por uma busca de maior segurança dos negócios, por meio de uma maior utilização de mecanismos punitivos e da transferência de responsabilidades às empresas (compliance). E isso parte não só do Estado, como do próprio mercado, cujos interesses exigem o asseguramento de expectativas sobre o comportamento do outro. A assimilação desta realidade por parte das empresas brasileiras, mais que um aspecto do “combate à corrupção”, é na realidade uma necessidade de mercado: prevenção de riscos de todos os tipos, da responsabilização penal dos administradores à perda de capital com o pagamento de multas.

Contudo, este compartilhamento de responsabilidades não pode ser tido como solução única para o problema. O Estado segue tendo um importante papel de investigar e julgar, e de fazê-lo de forma técnica, legal e eficiente, sem a seletividade que guia os interesses da política e do mercado da informação. O enfrentamento da corrupção, para além da implementação de standards corporativos, passa na verdade por uma revisão das formas de relação entre o público e o privado (antes e após os períodos eleitorais), e por uma efetiva (e universal) aplicação da legislação agora em vigor.

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