Segunda Leitura

É preciso estudar o impacto das leis na realidade social

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

7 de dezembro de 2014, 9h35

Spacca" data-GUID="coluna-vladimir.png">O Brasil, a Rússia, a Índia e a China são países emergentes, que possuem interesses econômicos comuns. Conhecidos pela sigla BRIC, muito embora estes países não constituam um bloco econômico, buscam, por sua importância, alcançar maior influência geo-política.

Se esta é a realidade de nosso país e se desejamos vê-lo entre as nações que comandam os destinos da humanidade, evidentemente, precisamos de organização. A velha ideia da improvisação como parte do  modo de ser brasileiro  e a crença no sucesso por força do destino, ficaram desmoralizadas com o fracasso do nosso futebol na última Copa do Mundo. A organização da Alemanha goleou nossa criatividade, pretensamente superior.

Entre as formas de dar agilidade e eficiência ao Estado, encontra-se a da efetividade das leis. Na União Europeia esta é uma das metas perseguidas, tendo sido criadas, inclusive, uma Comissão intitulada “Simplificar e melhorar o ambiente regulador” e outra denominada “Governança europeia: legislar melhor”. Sabem os 27 países europeus que leis claras, objetivas, são cumpridas com mais facilidade e, evidentemente, são essenciais para o progresso econômico e a paz social.

No Brasil, por certo, não é diferente. Todavia, pouco tem se estudado a respeito do papel da regulação sobre a nossa sociedade, seja qual for o ponto de vista e por mais diferente que seja, por exemplo,   empresarial,  de família ou segurança pública.

Quais os impactos de uma nova lei sobre a sociedade? Ou mesmo da omissão do Poder Legislativo em editar uma lei? Regra geral, damos nossa opinião baseados nos 100 km2 de mundo que rodeiam nosso domicílio, sem termos a menor ideia do que ocorre em outras partes do território nacional, do Oiapoque ao  Chuí. E para isto colabora a falta de  estudos sobre os impactos originados pelas muitas leis que se editam. Vejamos alguns exemplos.

A Constituição de 1988 assegurou no art. 37, VI e VII, a livre associação sindical do servidor público e o direito de greve, este dependendo de uma lei específica. Muito embora o Congresso nunca tenha editado lei complementar, o STF considerou permitida a greve dos servidores públicos, face à omissão do Poder Legislativo (Mandado de Injunção 670-9/ES, j. 25.10.2007). Pois bem, a falta de lei origina uma série de dúvidas sobre a forma e extensão do direito à paralização dos servidores públicos. Quais os impactos disto sobre a economia? E sobre a vida de um cidadão? Polícia pode fazer greve? E o transporte público?

Dia 2 de junho de 1992 entrou em vigor a Lei 8.429, que dispõe sobre o enriquecimento ilícito dos agentes públicos. Mais conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, ela originou milhares de ações em todo o território nacional. Contudo, fica a dúvida: ela contribuiu para diminuir os casos de corrupção no Brasil?  Ajudou a recuperar dinheiro público desviado por agentes administrativos ímprobos? Quais os impactos desta lei na administração pública?

O Brasil firmou a Convenção-Quadro sobre Mudança Climática em 1992 e o Protocolo de Quioto em 1997. Através da Lei 12.187, aos 29 de dezembro de 2009 instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima. Agora, já vivendo os efeitos do aquecimento global sobre o clima, com inundações no sul do país e seca no sudeste, vem-nos a pergunta: quais os efeitos das normas internacionais e da lei do PNMC sobre as nossas vidas? Quais os impactos dessas normas sobre a economia? Notícia do sábado (6/12) informa  que “um relatório do Banco Mundial divulgado na quarta-feira mostra que um novo padrão climático pode reduzir em 70% produtividade da soja no Brasil”. Devemos nos preocupar?

Em  26 de setembro de 1995 entrou em vigor a Lei 9.099, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no Brasil. Rompeu-se com séculos de tradição jurídica ao admitirem-se os critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação. Mas quais os impactos econômicos e sociais dos Juizados? Trata-se de um sucesso absoluto? Ou há aspectos a merecer correção? Eles contribuíram para reduzir os crimes de bagatela? Deveria ser alargada a competência dos Juizados no cível? Não temos respostas científicas para estas perguntas.

Aos 12 de março de 1998 entrou em vigor a Lei 9.605, que trata dos crimes ambientais. Norma inovadora, permitiu que fossem feitos acordos para facilitar a recomposição do dano ambiental. Além disto, instituiu a possibilidade de processar-se a pessoa jurídica pela prática do delito. Argentina e Panamá elaboram projetos de leis semelhantes, seguindo o exemplo brasileiro. É possível supor que ela tenha auxiliado na proteção do meio ambiente? Isto pode ser afirmado com absoluta certeza? Há estudos sobre os impactos da norma penal ambiental?

Aos 22 de dezembro de 2003 foi editada a Lei 10.826, que dispõe sobre a posse e comercialização de armas de fogo. Foi uma ruptura com práticas centenárias. Por ela, segundo o art. 12,  o fato de ter-se uma arma em casa, mesmo que a pessoa resida em uma propriedade rural distante da cidade, constitui crime punido  com detenção de 1 a 3 anos e multa. Pois bem, passados quase 13 anos daquela lei, não temos nenhum estudo sobre seus efeitos na sociedade brasileira. Serviu para alguma coisa? Diminuiu a violência? Houve reflexos econômicos? Nada sabemos.

Em 2006, dia 7 de agosto, a Lei 11.340 criou mecanismos destinados a diminuir a violência doméstica contra as mulheres, inclusive aumentando a pena máxima no crime de lesões corporais leves de 1 para 3 anos de detenção (art. 129, § 9º do CP). Mulheres apanham de namorados, maridos e companheiros em todos os continentes. A Lei Maria da Penha foi uma tentativa de reduzir estas absurdas agressões. Mas, quais os resultados? A referida lei intimidou os agressores? Ou, continua tudo como antes? Se nada mudou, quais os motivos?

No dia 1º de dezembro de 2010 foi editada a Lei  12.340, que instituiu o sistema de defesa civil para a execução de ações de resposta e recuperação de áreas atingidas por desastre. Ela foi revogada em parte pela  Lei 12.608, de 10 de abril de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC e, evidentemente, é mais atualizada. Ambas são  muito importantes em nossas vidas, porque se destinam a reduzir os riscos, prestar socorro e assistência às populações atingidas por desastres e recuperar as áreas afetadas. Contudo, alguém conhece os resultados desses diplomas? Que impacto geraram na sociedade? São conhecidos da população? Sabemos para quem telefonar no caso de dificuldades? Sim? Não?

Os exemplos citados ajudam-nos a refletir sobre nosso exercício de cidadania. Estamos agindo como amadores na análise dos reflexos das nossas leis? Costumamos ter resposta pronta para tudo, mas estas respostas são meras opiniões, palpites, pois  baseiam-se em experiências pessoais, empíricas, e não em pesquisas científicas. Na verdade, pouco ou nada sabemos sobre os resultados de leis importantes.

O atual estágio de evolução do Brasil recomenda estudos mais aprofundados. Departamentos, institutos, grupos de estudos de nossas universidades, poderiam direcionar suas pesquisas para a análise dos resultados das leis. Muito lucraríamos se tivéssemos clara a importância (ou não) das leis em nossas vidas. E a partir de tais estudos poderíamos, como sociedade, apontar as falhas e reivindicar correção de remos.

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!