Instrumento de intimidação

Instituto da delação premiada não mostrou sua propalada eficácia

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6 de dezembro de 2014, 8h38

Em entrevista recente publicada no jornal Folha de S. Paulo, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, declarou esperar que as prisões decretadas no âmbito da operação “lava jato” provocassem a adesão dos presos ao instituto da delação premiada. Ocorre que, dentre as finalidades da prisão temporária ou preventiva, o Código de Processo Penal não prevê hipótese que se assemelhe, ainda que remotamente, a essa. Prisão não deve se prestar a forçar delação. O nome disso é chantagem.

Incorporar a chantagem como elemento da investigação implica assentar que os fins justificam os meios. E que, para preservar valores, o aparato investigativo poderia lançar mão de anti-valores. Esse novo parâmetro poderia levar a um quadro esquizofrênico em que o Estado passaria a cometer os mesmos delitos que os leva a perseguir seus alvos.

A decretação e a prorrogação das prisões, do ponto de vista formal, evidentemente não estão fundamentadas no desejo de Janot. Tão pouco alicerçadas no Código de Processo Penal. A prática da advocacia criminal não deixa dúvidas de que, na operação “lava jato”, as prisões vêm sendo usadas como instrumento de intimidação contra os investigados.

Essa intenção, aliás, foi escancarada pelo procurador regional da República Manoel Pastana, ao manifestar-se contrariamente aos pedidos de liberdade provisória dos investigados, admitindo contar com a “possibilidade de a segregação influenciá-los na vontade de colaborar com a apuração de responsabilidade”.

A declaração do procurador-geral, bem como o parecer do procurador regional Pastana inserem-se no discurso vigente de que tudo se justifica no combate à impunidade. Um discurso, ressalte-se, que flerta com a intolerância e, na essência, conduz ao desrespeito aos direitos fundamentais e ao devido processo legal, além de representar uma chancela ao uso da prisão como chantagem.

Nos últimos anos, à medida em que o “vale tudo contra a impunidade” ganhava corações e mentes, várias medidas foram apresentadas como panaceias: houve o aumento do encarceramento, o endurecimento para a progressão de regime, o agravamento de penas, a tipificação de novos crimes e teorias para todos os gostos. Apesar de ter sido instituída pela Lei 9.807, de 1999, a delação premiada agora é a bola da vez.

Em Dom Quixote, Miguel de Cervantes assentou que a história, além de testemunha do passado, é advertência do futuro. Vamos a elas — à história e à advertência. A operação farol da colina, conduzida pela Polícia Federal perante a mesma vara que hoje cuida dos desdobramentos da “lava jato”, completou dez anos de deflagração em agosto deste ano. A referida operação, que investigou a remessa ilegal de dinheiro para o exterior através do Banco Banestado, do Paraná, foi às ruas com mais de cem mandados de prisão e, na sequência, coletou uma série de festejadas delações premiadas.

Vladimir Aras, procurador da República, rememorou em entrevista recente: “o caso Banestado foi o laboratório de muitas das boas práticas hoje empregadas no caso Petrobras, especialmente os acordos penais de cunho reparatório e a técnica de colaboração premiada”. O resultado do Caso Banestado? Delatores foram condenados e muitos delatados, absolvidos. O instituto não mostrou a propalada eficácia, portanto, nem como instrumento de persecução penal, nem como estratégia jurídica de defesa.

Do universo de crimes que chega ao conhecimento do Estado brasileiro, é fato que uma porcentagem muito pequena se torna alvo de inquérito policial e uma ínfima fração chega a ação penal. Quando o Estado, por sua ineficiência, tenta transferir a investigados e réus a responsabilidade por apontar os caminhos da persecução penal, nos vemos diante de um embuste. Coagir com prisão para forçar a delação é intolerável. As garantias fundamentais de todos nós correm perigo. Não vale tudo no combate à impunidade.

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