Exclusões à prescrição

Ator Bill Cosby é processado por assédio sexual ocorrido há 40 anos

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3 de dezembro de 2014, 17h40

A ação judicial movida pela americana Judy Huth, agora com 55 anos, demanda o pagamento de “indenização punitiva e exemplar” pelo ator Bill Cosby, 77, por (suposto) assédio sexual em 1974, quando ela tinha 15 anos de idade. Para a comunidade jurídica do país, o mais interessante desse processo é discutir as leis que regem a prescrição.

O conceito de prescrição, nos EUA, é fácil de entender, como em qualquer outro país. Na common law, a prescrição é tratada como “estatuto das limitações” (statute of limitations), que limita o prazo para uma pessoa mover uma ação na Justiça, na esfera civil, ou para um promotor processar um suposto criminoso, na esfera criminal.

Mas há complexidades. Assim como no Brasil pode ser um tanto complexo, para muitos, distinguir entre prescrição e decadência, nos EUA (onde, a propósito, não existe a figura da “decadência”) é, algumas vezes, difícil conhecer todas as exclusões ao “estatuto das limitações” — os prazos existem, mas vêm, frequentemente, acompanhados de “poréns”. Também é difícil acompanhar as mudanças que se processam, de tempos em tempos, nas legislações de cada estado.

No caso da ação contra Bill Cosby, por exemplo, os interessados devem se referir à legislação específica da Califórnia — parecida com as de outros 27 dos 50 estados americanos, mas com algumas particularidades. Normalmente, os prazos para mover uma ação, na Califórnia, variam de um a seis anos, dependendo do tipo de crime, tanto para processos criminais como civis.

Em processos de assédio sexual a menores, qualificados como “impudicos (despudorados)” ou “lascivos (libidinosos)”, o prazo para uma vítima mover uma ação civil contra o autor do abuso, com pedido de indenização por danos, é de dez anos, a contar da data do crime.

Mas, há detalhes que tornam o entendimento mais difícil. Na esfera criminal, os acusados de crimes graves de assédio sexual, envolvendo menores, só podem ser acusados se o crime ocorreu depois de 1988. Na esfera civil, se a vítima tinha menos de 18 anos no momento do crime, ela pode processar a qualquer tempo até seu 28º aniversário. Isso excluiria o caso Bill Cosby.

Porém, a Califórnia é um dos 28 estados que adotaram mais recentemente uma extensão do “estatuto das limitações”, baseada em uma nova regra de “discovery” (descoberta e produção antecipada de provas) de abuso sexual de menores e [aqui entra a minúcia] de seus “efeitos”.

A nova regra de “discovery” permite a uma vítima de assédio sexual mover processo civil contra o molestador em um prazo de três anos, a contar da data em que a demandante descobrir — ou deveria razoavelmente descobrir — que danos psicológicos ou alguma doença que padece já em idade adulta têm suas origens no abuso sexual que sofreu quando era menor.

Em sua ação contra o ator, Judy Huth, alega exatamente isso: que “descobriu apenas nos últimos três anos que os danos psicológicos e a doença que sofre foram causados pelo abuso sexual perpetrado por Cosby”, como noticiam os jornais The Washington Post, USA Today, o site da NBC News e outras publicações.

De acordo com o site Legal Match, essa “atualização” da lei foi adotada para resolver o problema de não se processar um molestador sexual porque a vítima reprimiu suas memórias durante décadas e só as recuperou tempos depois que o prazo de prescrição já havia expirado, graças, muitas vezes, a uma terapia.

A Califórnia também “atualizou” a lei da prescrição depois que começaram a surgir “escândalos de abuso sexual” na Igreja Católica. A finalidade foi incriminar não apenas os “padres, empregados, voluntários, representantes ou agentes” da igreja, mas também autoridades eclesiásticas (como bispos) que sabiam do caso e não tomaram medidas para conter o abuso sexual dentro da instituição. Nesse caso, a vítima do abuso pode processar a autoridade eclesiástica em um prazo de um ano após a “descoberta”.

O Legal Match, como outros sites jurídicos, recomenda às pessoas que desejam processar um suposto molestador sexual fale com um advogado no estado específico em que o crime ocorreu, porque as regras mudam constantemente e é impossível acompanhar o que acontece em todos os estados.

Outras exclusões
Na esfera criminal, na Califórnia, um promotor pode processar o autor de “estupro grave” a qualquer tempo, sem limitação de prazo. Estupro qualificado como grave é aquele que envolve o uso de armas, mais de uma pessoa o que fere gravemente a vítima.

O processo de autores de assédio sexual considerados “normais” (em oposição a violentos) tem um prazo de prescrição de seis anos. No entanto, a lei passou a prever uma exclusão relacionada a exames de DNA, depois que eles se popularizaram. Se, através dessa tecnologia relativamente nova, for provada conclusivamente a identidade do estuprador, uma ação judicial contra ele poderá ser movida no prazo de um ano.

Para crimes considerados hediondos pela sociedade, não há prescrição, simplesmente. Para crimes de homicídio de primeiro grau ou que forem considerados pela justiça como “crime capital”, também não há prazo de prescrição. Porém, os juízes têm, com muita frequência, descartado essa regra para os chamados “cold cases”, porque, segundo eles, violam o direito do acusado a um julgamento célere (speedy trial).

Também não estão sujeitos ao “estatuto das limitações” nos EUA — ou à prescrição em outros países — alguns crimes previstos na legislação internacional, como genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, que foram codificados em diversos tratados multilaterais. Isso está previsto, por exemplo, na Convenção sobre a não aplicabilidade de limitações estatutárias para crimes de guerra e crimes contra a humanidade e no Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional (TPI), para genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra.

Nos EUA, também há uma exclusão ao “estatuto das limitações” no caso de oficiais que cometem “fraude contra a corte”. “Oficiais” são praticamente todas as pessoas que atuam em um tribunal (juízes, advogados, promotores, administradores, funcionários entre outros), que agem de forma fraudulenta na apresentação de fatos, prejudicando, assim, a imparcialidade ou o desempenho do tribunal. Isso é um crime considerado grave que fundamentalmente se opõe à operação da Justiça.

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