Violência policial nos EUA

Lei que obriga policiais a usar câmeras presas à farda será apenas um paliativo

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2 de dezembro de 2014, 16h10

Depois que um grande júri de Ferguson, no estado de Missouri nos EUA, decidiu não denunciar o policial branco Darren Wilson pela morte do adolescente negro Mike Brown, em que prevaleceu o testemunho do próprio policial em detrimento de testemunhos divergentes, começaram a surgir propostas para conter a violência policial no país. Uma delas, apresentada como um pedido dos pais do adolescente, objetiva obrigar todos os policiais do país a usar câmeras presas à farda. A proposta é vista pela comunidade jurídica como um paliativo, apenas, para a violência policial,de acordo com reportagem do The Guardian.

O testemunho do policial de que os nove tiros que deu em Brown foram inevitáveis não convenceu sequer outros departamentos de polícia do país. Em setembro, o mês seguinte à morte do adolescente e na efervescência dos protestos em Ferguson, uma das empresas que fabrica câmeras próprias para policiais, a Vievu, relatou um crescimento de 70% no volume de vendas. Outra empresa, a Taser, relatou um crescimento de 300% em suas vendas desde o ano passado, uma resposta dos departamentos de polícia à necessidade de conter a violência policial no país.

No ano passado e neste ano, departamentos de polícia de grandes áreas urbanas, como Nova York, Chicago, Miami, Washington DC e Pittsburg, criaram programas-piloto de “body-cam” (câmeras presas ao corpo do policial). Na Califórnia, um dos primeiros estados a criar esse programa, o número de incidentes causados por uso excessivo de força pelos policiais caiu 60%. E as denúncias de cidadãos contra os policiais declinaram 88%, após a obrigação de portar uma câmera. A polícia de Washington DC informou que, com a criação do programa, espera uma queda de 80% da violência policial na área.

Ninguém espera uma queda de 100% ou perto disso. Ao contrário, a própria polícia admite que a adoção de câmeras portáteis não refreia inteiramente o excesso de força em confrontos com suspeitos, porque os policiais confiam na impunidade, quase sempre garantida pelo espírito corporativo. Nisso se incluem seus chefes, que acobertam os abusos, e promotores, que evitam processá-los. Em muitos casos, alegam que se esqueceram de ligar a câmera.

Em St. Louis, Missouri, o adolescente Trevon Yates, 17 anos, foi coagido por policiais a confessar um crime que não cometeu, segundo o jornal. O interrogatório e a confissão foram gravados em vídeo e Yates foi encarcerado como adulto por nove meses. Porém, as acusações foram retiradas, em seguida, o menor foi solto e nada aconteceu com os policiais.

No mês passado, um vídeo mostrou o prisioneiro John Steckley sendo espancado pelo policial Tyrone Glover. O vídeo mostrou que, em nenhum momento, o prisioneiro representou qualquer ameaça de dano físico ao policial. O prisioneiro foi acusado de atacar o policial, o que nunca apareceu no vídeo. Mas o policial sequer sofreu sanções disciplinares.

Em setembro, a polícia usou um “taser” (arma de eletrochoque) em Jamal Jones, que estava dentro de um carro como passageiro. Toda a operação policial foi filmada por um outro passageiro, desde a quebra do vidro do carro por dois policiais armados. Mas, nesta semana, o FBI se recusou a denunciar os policiais responsáveis pelo assalto a um homem desarmado, segundo o jornal. O departamento de polícia se recusou a investigar o caso e os dois policiais estão de volta a seu trabalho de rotina.

De acordo com a advogada Alexa Van Brunt, professora na Faculdade de Direito da Universidade Northwestern, equipar os policiais com câmeras não basta. “Se não houver mudanças nas políticas e normas de conduta policial e sem ações disciplinares adequadas, o uso obrigatório de câmeras não vai levar os casos de violência policial à Justiça”. Além disso, ela diz, é preciso oferecer aos policiais treinamento adequado, adotar processos mais eficazes de recrutamento e melhorar muito os serviços de supervisão dentro da polícia.

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