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Semana de Conciliação traz mudanças à essência do Judiciário

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1 de dezembro de 2014, 17h35

Encerrou-se na sexta-feira, dia 28 de novembro, a Semana Nacional de Conciliação (SNC) com um grande engajamento de tribunais estaduais, federais e trabalhistas que, somando, realizaram mais de 300 mil audiências de conciliação. Espera-se que os resultados definitivos sejam divulgados nas próximas semanas.

Todavia sabe-se, a partir dos resultados dos anos anteriores, que a produtividade do Poder Judiciário na SNC é muito superior à das semanas de trabalho comuns. Para se ter uma melhor compreensão deste ponto, basta considerar que se fossem organizadas 12 Semanas Nacionais de Conciliação por ano o Poder Judiciário resolveria toda a demanda do ano inteiro. As demais semanas poderiam ser direcionadas ao acervo antigo.

Infelizmente, a logística necessária para organizar uma Semana torna inviável a organização de várias semanas desta ordem por ano. Por outro lado, o propósito da Semana Nacional de Conciliação consiste em criar cultura de solução consensual no âmbito do Poder Judiciário. Isso tem ocorrido com extraordinário sucesso ano após ano na medida em que usuários, que antes praticamente não conciliavam, progressivamente têm passado a utilizar a conciliação como atividade principal de solução de conflitos. A título de exemplo, ao longo deste ano um banco firmou 8 mil acordos até o presente momento, ao passo que pautou apenas 5 mil feitos para a SNC. Em anos anteriores, aguardar-se-ia a SNC para a realização dessas conciliações. Atualmente já se busca a conciliação como meio não apenas de encerrar-se uma demanda, mas aumentar as chances de se manter um cliente.

Aos poucos a SNC tem conseguido propiciar uma cultura no seio do Poder Judiciário de que o seu papel de construção de consenso envolve mais do que ditar quem é o vencedor de uma demanda. Auxiliar as partes para que estas encontrem soluções aceitáveis e realizadoras e assim saiam ambas vencedoras tem sido uma perspectiva cada vez mais adotada por magistrados, conciliadores e mediadores judiciais. De fato, se uma parte vence uma disputa, mas ainda encontra-se insatisfeita ao final do processo, há algo neste procedimento (ou no seu uso) a ser questionado. Partes vencedoras de uma disputa frequentemente se sentem perdedoras em razão do tempo, custas e, também, perda de vínculo. Para muitos dos maiores litigantes no nosso país, este último item é especialmente precioso, pois a perda de vínculo com um consumidor envolve necessidade de dispêndio com marketing para repor o cliente perdido e o prejuízo decorrente do dano à imagem da marca. Não restam dúvidas de que um litígio gera adversários de grande animosidade e pode destruir as relações entre os envolvidos.

A adoção de práticas consensuais para a utilização eficiente e sustentável do Poder Judiciário consiste em uma decisão eminentemente de política pública do Judiciário voltada a alterar políticas empresariais: consolidar a percepção de que pode haver ganho com a participação da empresa nas conciliações, tratando estas como uma oportunidade de marketing direto e de aproximação com o consumidor. Ganha o consumidor, que é atendido satisfatoriamente, e ganha a empresa, que preserva seu maior patrimônio: o cliente. Para tanto, faz-se necessário ter uma perspectiva não rivalizada de uma disputa judicial. Perceber o consumidor como antagonista em um processo judicial induz a empresa a agir de forma defensiva e até mesmo passiva quanto ao contexto apresentado pelo autor (e.g. “os autores argumentam que se presta serviço de forma falha e réus contra-argumentam que o serviço foi bem prestado”).

Por outro lado, perceber o consumidor (de forma não adversária) como parceiro essencial, mesmo em um processo judicial, induz a empresa a agir de forma construtiva e proativa quanto ao contexto indicado pelo autor (e.g. “os autores argumentam que se presta serviço de forma falha e, os réus, como compartilham do interesse dos seus clientes de prestar serviços de excelência, gostariam de conversar sobre formas de melhor atendê-los”).

Em suma, a pergunta que cotidianamente é feita em conflitos pessoais – “queremos ser felizes ou queremos ter razão?” — é frequentemente esquecida por um motivo de técnica jurídica. Pontos de argumentação jurídica são exaustivamente debatidos, mas, normalmente, não quanto aos aspectos relacionados ao pretendido resultado final do processo de resolução de disputas. Impõe-se a necessidade de se estimular os usuários a fazer as perguntas certas: a empresa quer estar certa ou deseja manter um bom cliente? O divorciando quer estar certo ou deseja ter uma família estável com realização pessoal para todos, principalmente para os filhos? O empregador quer estar certo ou deseja que a produtividade na empresa aumente por intermédio de empregados mais realizados? O empregado quer estar certo ou deseja ter um ambiente de trabalho melhor e mais respeitador? E assim por diante…

Além dessa mudança cultural, entendo que a SNC tem contribuído para a melhoria da qualidade da Justiça. Durante as SNC de 2013 e de 2014, diversos tribunais voluntariamente participaram de uma atividade de avaliação da qualidade de suas conciliações por meio do prêmio “Conciliar é Legal”, na modalidade “Prêmio Especial de Qualidade”. Na oportunidade, as partes e os advogados puderam avaliar a atuação de conciliadores — servidores da Justiça, voluntários ou mesmo magistrados —, a exemplo do sucedido na Justiça do Trabalho. Tal evento demonstra uma preocupação do Poder Judiciário não apenas quanto ao aumento quantitativo de acordos, mas também com relação a aspectos qualitativos que distinguem acordos mais sensíveis aos interesses e necessidades do jurisdicionado.

A cada ano decorrido, a Semana Nacional de Conciliação tem propiciado mudanças profundas na essência do Poder Judiciário, no sentido de dissociá-lo de constituir um espaço exclusivo de prolação de sentenças para ser um centro vivo de soluções reais para o jurisdicionado. Almeja-se um Judiciário que correlacione o conceito de acesso à Justiça com a efetiva satisfação do jurisdicionado, distanciando-se da aplicação isolada da norma positivada ao caso concreto, mediante o emprego de parâmetros realizáveis ao processo de resolução de disputas.

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