Foro especial

Privilégios existem na monarquia e não na República, diz Cármen Lúcia

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28 de agosto de 2014, 14h02

AASP
Privilégios existem na monarquia e não na República. Quem afirma é a ministra Cármen Lúcia, vice-presidente eleita do Supremo Tribunal Federal, ao se mostrar contrária ao foro especial. Ela defende não haver motivo para distinguir entre o cidadão que exerce a função de pedreiro, “que é uma função honrosa”, e aquele que tem cargo público.

“Qualquer privilégio, quando não atende o princípio da igualdade material, não tem razão de existir, nem sustentação.” A ministra participou de evento promovido pela Associação dos Advogados de São Paulo, nesta semana, que celebrou o centenário de nascimento do ex-ministro do STF, Victor Nunes Leal. Participaram também do debate sobre foro privilegiado o ex-presidente do STF, Antonio Cezar Peluso, e o criminalista e ex-secretário de justiça de SP Antonio Cláudio Mariz de Oliveira.

A exceção, segundo Cármen Lúcia, é para presidente da República — cuja ação deve se manter no Supremo. “Pelo que ele simboliza e pela dimensão de dados que tem na sua mão, levar o caso para o juiz de primeiro grau compromete tanto a prestação eficiente, quanto a Justiça dessa prestação. Mas no geral, não há razão para isso.”

OAB/SP
O criminalista Mariz de Oliveira (foto) também concorda com a exceção. Para ele, o foro privilegiado fere o princípio da igualdade. “Deputado, secretário de estado, membro de tribunal de contas devem ser julgados pelo juízo natural”, afirmou.

Ao comentar sobre repercussão geral, o criminalista mostrou receio pela falta de parâmetro na escolha dos casos. “A repercussão geral é algo subjetivo que dá insegurança jurídica, porque fica muito à escolha do poder discricionário do ministro. Como não há regras, uma coisa tem repercussão geral e outra não tem. Então fica algo absolutamente sem parâmetro. E isso me dá medo.”

Defensor do foro especial, Cezar Peluso entende que as autoridades públicas não podem ficar na dependência de julgamento de certas acusações na mão de juízes mais novos, “que são inexperientes”. Para o ministro, os processos poderiam acarretar em uma “depreciação social” do conceito e da efetividade da autoridade.

Risco social
Durante o debate, a ministra Cármen Lúcia falou sobre a quantidade monstruosa de processos no Brasil e sobre as consequências da insatisfação popular perante o Estado. “Quando o Estado não funciona bem, as leis não estão sendo cumpridas a contento e os serviços não estão sendo prestados, o que era esperança vira frustração. E a frustração vira Irã”, afirmou.

Segundo e ministra, quando o cidadão se depara com várias frustrações, perde o entusiasmo e “ai é perigoso”. O Estado existe para que as pessoas tenham mais chances de serem felizes e não ser causa de infelicidade.

Em relação a necessidade de mais filtros de recurso no STF e no Superior Tribunal de Justiça, Cármen Lúcia afirmou que o processo atua como um jogo: “quem está ganhando quer que acabe logo. Quem está perdendo não quer que acabe. Precisa de repensar isso”. Segundo ela, há outras formas de conciliação sem a judicialização e a sociedade precisa ententer que quando ela busca a judicialização, vai ter começo, meio e fim "como tudo na vida". "É preciso levar à sociedade brasileira o número de processos para acabar com ilusões de que a demora é muito grande”.

A ministra falou também sobre a demora da Justiça e afirmou que alguém está interessado em manter a morosidade. Ela contou que a primeira conferência que assistiu quando era aluna de Direito, em 1974 foi do então ministro do Supremo Aliomar Baleeiro, que falou sobre a morosidade do Judiciário. Aconteceu que, 40 anos depois, ela ainda fala sobre o mesmo problema em suas palestras. Ela questiona: a quem interessa a morosidade?  "Alguém está interessando em manter a morosidade. É preciso discutir isso", afirmou. 

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