Direito e desenvolvimento

Desafio para reforma tributária é superar ideia de reformas pontuais

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21 de agosto de 2014, 10h00

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

Em 18 de agosto de 2014, o Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas recebeu Bernard Appy, para retomar a agenda de discussões sobre “Reforma Tributária Viável”. O economista ressaltou os principais problemas do sistema tributário brasileiro e trouxe sugestões de aperfeiçoamento[1].  

É pacífico entre os estudiosos sobre o tema a necessidade de uma reforma ampla em matéria fiscal. No entanto, as autoridades ainda não se convenceram que este é um tema prioritário para o desenvolvimento do país, capaz de (i) alavancar a economia brasileira, ampliando a competitividade e possibilidade de internacionalização das empresas; (ii) reduzir as desigualdades regionais; (iii) reduzir as desigualdades de renda; e (iv) gerar ambiente promissor ao desenvolvimento dos micro e pequenos empresários.

Bernard Appy sustenta que  um sistema tributário bem estruturado deve: (i) ser eficaz do ponto de vista de geração de receita; (ii) impactar o mínimo possível a eficiência econômica, os investimentos e a competitividade no país; (iii) sempre que possível ser progressivo, desde que este objetivo não conflite com os demais; (iv) ser simples de forma a reduzir o custo empresarial de compliance, o alto grau de litigiosidade e a insegurança jurídica; (v)  ser equitativo, garantindo a incidência equivalente sobre iguais; e (vi) ser transparente, já que o cidadão deve estar ciente de quem arca com o tributo e como os recursos arrecadados são gastos pelo Estado.

Dados extraídos do estudo O peso da burocracia tributária na Indústria da Transformação 2012[2] mostram claramente que o custo de compliance (pessoal, obrigações acessórias, softwares e terceirização de serviços e custo do contencioso (advogados) representa R$ 24,6 bilhões, 1,16% do faturamento, 2,6% faturamento considerando insumos e 4,96% do PIB da indústria de transformação. Um verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento da indústria brasileira.

Já o gritante volume do contencioso tributário brasileiro foi apresentado pela pesquisadora Lorreine Messias[3] ao trazer que o contencioso federal na esfera administrativa montava a R$ 528 bilhões (11% do PIB) em setembro de 2013. Em meados de 2013, apenas quatro questões tributárias em discussão no Supremo Tribunal Federal montavam a R$ 213 bilhões (4,4% do PIB). Segundo o estudo da OCDE para uma amostra de 18 países, a mediana do valor do contencioso administrativo era de 0,2% do PIB, o que significa dizer que o contencioso tributário no Brasil é mais de 50 vezes superior ao padrão mundial. Como falar em transparência fiscal, eficiência econômica e atração de investimentos diante deste cenário?

Quando se fala em tributação sobre a produção (ICMS, PIS/COFINS, IPI e ISS), o foco sobre a temática da Guerra Fiscal é sempre superestimada o que gera uma deficiência de debate sobre outros entraves igualmente relevantes, tais como: (i) o número excessivo de tributos sobre a produção, com uma forte fragmentação da base de incidência entre setores e categorias de contribuintes; (ii) a sobreposição dos regimes cumulativo e não cumulativo no PIS/COFINS; (iii) a interpretação excessivamente restritiva da Receita Federal no tocante aos insumos que geram créditos de PIS/COFINS; (iv)  o acúmulo de créditos de ICMS e PIS/COFINS e a grande dificuldade das empresas em recuperar o crédito acumulado; (v) a multiplicação de regimes especiais de ICMS e PIS/COFINS para setores beneficiados, em detrimento dos demais setores da economia; e (vi) os problemas de eficiência alocativa que resultam deste conjunto de distorções. 

Enquanto a maioria dos países está trabalhando na redução da tributação sobre os lucros para atração de investimentos, o Brasil anda na contramão do mundo e mantém uma alíquota elevada (de 34%), próxima do padrão de tributação norte-americano (35%).  Tributa-se mais o lucro reinvestido na empresa do que o lucro distribuído aos acionistas, o que reflete uma lógica de incentivo ao consumo em detrimento da lógica de incentivo para realização de investimentos, pesquisa e desenvolvimento.

Como se não bastasse, o regime atual de tributação de lucros de controladas no exterior torna as empresas brasileira pouco competitivas e “trava” o seu processo de internacionalização.      

A proposta de desoneração da folha de pagamento, pensada para solucionar pontualmente o problema da competitividade da indústria, não foi capaz de suprir esta demanda e ainda, a migração da contribuição previdenciária da folha para a receita para apenas alguns setores acabou por agravar as distorções alocativas.

De fato nos parece que o grande desafio da reforma tributária, na linha do exposto por Bernard Appy[4], é ultrapassar a ideia de reformas pontuais e repensar um sistema tributário e financeiro simples, reduzindo ao máximo as distorções que resultam no tratamento diferenciado de iguais (setorialmente ou em função de distintos regimes) e que prejudicam a eficiência alocativa e os investimentos no país, ampliando a transparência sobre a efetiva incidência dos tributos e evitando mudanças na legislação tributária em razão de situações conjunturais.


[1] Apresentação disponibilizada por Bernard Appy.

[2] Fonte FIESP e IBGE. Disponível em: http://goo.gl/3L3RwS.

[3] Ver “Contencioso Tributário brasileiro é muito superior ao dos EUA”, de Lorreine Messias. Disponível em: http://goo.gl/uhJxSQ e “Litigiosidade tributária no Brasil”, de Bernard Appy e Lorreine Messias. Disponível em: http://goo.gl/GmUbLa.

[4] Ver apresentação disponibilizada por Bernard Appy.

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