Especialização de mercado

Bancas podem focar em nicho de clientes, em vez de área do Direito

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20 de agosto de 2014, 16h02

Uma pesquisa nos mecanismos de busca na internet com as palavras “advogado especializado em”, mostra que no Brasil, como nos EUA, muitos profissionais acreditam que a especialização é um caminho atraente para o sucesso. E, provavelmente, é. Há advogados e escritórios especializados em inúmeras áreas de Direito, algumas das quais pouco se ouve falar. Mas, na busca, não aparece nenhum advogado especializado em hotéis ou na industria automobilística – embora possa existir algum.

A ideia de especialização — ou de banca “butique” — nasceu e cresceu atada a alguma área do Direito, que o profissional escolhe para se destacar na multidão. E para concorrer, às vezes com alguma vantagem, contra os escritórios de grande porte. Há advogados especializados em Direito Homoafetivo, Direito Médico, Direito de Trânsito, Direito Hereditário, Direito Militar, Direito Imobiliário, Direito Ambiental, planos e seguros, patentes… a lista é interminável.

Mas está se tornando uma tendência significativa nos EUA e no Canadá, apesar disso não ser uma novidade, outra vertente da especialização: o advogado se especializa em algum “nicho do cliente”, em vez de encontrar uma atuação específica dentro do Direito.

O americano David Helbraun se tornou um advogado especializado em bares e restaurantes por contingências da vida. Era nessa indústria que ele trabalhava, para se sustentar e pagar o curso de Direito. Era nessa indústria que estavam as pessoas que conhecia bem — e que o conheciam bem — quando ele se formou. As pessoas de seu relacionamento, há anos, se tornaram seus primeiros clientes.

Helbraun descobriu rapidamente que sua área de especialização tinha muito mais necessidades jurídicas de que sua especialização na área de Direito — leasing e contratos —  poderia cobrir. Se associou a mais sete advogados e, hoje, a banca Herbraun, Levey & O’Donoghue, com escritório em Manhattan, a área mais cara de Nova York, funciona como uma espécie de banca full-service um grande número de bares e restaurantes — 1,2 mil foram abertos com ajuda deles.

O porte da cidade ajudou. Nova York tem quase 50 mil restaurantes, bares, tabernas, clubes noturnos e fornecedores de alimentos. Porém, o escritório conseguiu todos esses clientes, em um período de oito anos, a contar do bacharelado de Helbraun, sem fazer qualquer esforço considerável de marketing. O trabalho especializado da banca foi promovido pelo boca a boca.

Também facilita a vida dos advogados americanos o fato de a maioria dos empresários fazerem um curso de business, antes de abrir uma empresa. E, nesses cursos, se ensina que uma das primeiras providências que o futuro empresário deve tomar, antes de abrir a empresa, é contratar um contador e um advogado.

A medida é realmente providencial: um advogado pode evitar, por exemplo, um erro comum que alguns empresários estrangeiros cometem, como o de abrir um restaurante e, posteriormente, não conseguir licença para vender bebidas alcoólicas. Joseph Levey foi o primeiro sócio de Helbraun. Ele se especializa em obtenção de licenças.

No final as contas, um advogado se torna uma cabeça pensante na elaboração dos planos de negócios de empresas iniciantes. No caso de Helbraun, ele nunca investiu um minuto de seu tempo em restaurantes pomposos, de grande porte. Esses trabalham com grandes bancas ou têm sua própria equipe de advogados. Ele se dedica, principalmente, a donos de bares e restaurantes que não se sentem à vontade diante dos “respeitáveis senhores” das grandes bancas e preferem fazer negócios com alguém “mais simples”.

Outro detalhe é que Helbraun não escolheu a área de bares e restaurantes porque existem dezenas de milhares na região metropolitana de Nova York. Ele escolheu essa área porque era a que conhecia razoavelmente bem e na qual conhecia muitos proprietários, além de chefes de cozinha e gerentes que sonhavam em abrir seu próprio restaurante, de acordo com o Phildelphia Business Journal. A banca está abrindo uma filial na Filadélfia.

No Canadá, a especialização em “áreas dos clientes” está se tornando particularmente popular entre advogados que escolhem abrir seu próprio escritório, de acordo com o site CBA Practice. Há pequenas bancas que se especializam em animais, Direito Dental, adoção internacional, indústria artesanal, direitos dos idosos e muitos outros — incluindo o Direito do Vinho.

O advogado canadense Mark Hicken, de Vancouver, sempre teve uma paixão por vinhos. O conhecimento sobre a bebida e sua adega particular se tornaram seu hobby. Sem nenhuma surpresa, Hicken se tornou um bem-sucedido advogado que se especializa em vinhos, vinícolas, fabricação de vinhos e de bebidas destiladas.

Antes disso, ele trabalhou duro em outras áreas do Direito. Mas, um dia, ele saiu de Vancouver e foi participar, por prazer, de um Programa Executivo do Vinho na Universidade da Califórnia. Nesse curso, o advogado e professor de Direito da Universidade da Califórnia em Berkeley Richard Mendelson, que se dedica em tempo integral à legislação do vinho, falou sobre as questões jurídicas que afetam a indústria do vinho. Desde então, Hicken uniu o útil ao sabor agradável do vinho.

Uma vantagem de trabalhar no nicho do cliente é que eles formam uma comunidade. Muitas vezes, milhares de pessoas se reúnem em uma associação, um clube, um site ou na lista de assinantes das mesmas publicações. Fica muito fácil para o advogado penetrar na comunidade, atuando na associação ou em conselhos, fazendo palestras e workshops na entidade ou no clube, escrevendo no site e nas publicações (até ajudando a editá-las). A comunicação é fácil, simples e direta com todo seu público-alvo.

Outra vantagem é que, com o tempo, se torna fácil padronizar os procedimentos, dominar a legislação e a jurisprudência, conhecer as decisões, as opiniões e as tendências dos tribunais e dos juízes e se tornar um reconhecido e respeitado especialista nesse nicho. As recomendações virão dos clientes e até mesmo de alguns colegas de profissão que reconhecem o melhor especialista da área.

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