Fábrica de processos

Acusações ineptas de empresário formam jurisprudência exclusiva contra ele

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19 de agosto de 2014, 16h53

Jeferson Heroico
O empresário Luiz Eduardo Auricchio Bottura (foto) tem, sozinho, ajudado a Justiça criminal paulista a construir uma jurisprudência. Suas seguidas derrotas nos processos que ajuíza contra desafetos e quem mais ouse noticiar suas peripécias já são citadas em bloco no Tribunal de Justiça do estado, que no último dia 14 de agosto voltou a negar um recurso seu. Por unanimidade, os desembargadores da 13ª Câmara de Direito Criminal confirmaram sentença que desqualificou queixa-crime contra a revista eletrônica Consultor Jurídico e seus profissionais. Para eles, ao noticiar acusações contra o empresário, o site exerceu seu direito de informar sem intenção de ofender.

Bottura é figura frequente na Justiça. Uma busca de processos cíveis e criminais no site do TJ-SP com seu nome retornou, nesta terça-feira (19/8), 220 processos apenas na primeira instância. Em segundo grau, são mais 99 recursos. Nas Justiças de todo o país, acumula cerca de 3 mil processos contra pessoas e tem contra si quantidade semelhante, e já foi condenado 239 vezes por litigância de má-fé.

Não é de surpreender que, ao buscar jurisprudência para basear sua decisão, o julgador encontre acórdãos que mencionem o próprio Bottura. Foi o que ocorreu com o desembargador Augusto de Siqueira, relator do Recurso em Sentido Estrito julgado este mês contra o assíduo querelante. “Confira-se a propósito, decisões deste tribunal, em casos similares — rejeições de queixas-crimes, tendo como recorrente, igualmente, Luiz Eduardo Auricchio Bottura”, mencionou o desembargador, para em seguida listar acórdãos de 2013 e 2014 do TJ-SP sobre a publicação de notícias contra o empresário.

“A caracterização dos crimes pautados não prescinde do elemento subjetivo, do dolo atinente à intenção de ofender a honra objetiva do sujeito passivo, e referido elemento subjetivo não se faz presente nas condutas indicadas”, disse o desembargador Francisco Menin ao relatar acórdão no Recurso em Sentido Estrito 0074345-64.2012.8.26.0050, mencionado como jurisprudência por Augusto de Siqueira. “Evidenciado o animus narrandi, não há que se falar em crime contra a honra”, já dissera o desembargador Camilo Léllis ao julgar recurso semelhante, de número 0059568-45.2010.8.26.0050, em 2013.

No recurso interposto no TJ-SP e julgado este mês, Bottura afirmou que “não há direito algum em informar mentiras e fatos falsos” e que a questão sobre o dolo deveria ser enfrentada durante a instrução processual. O caso se refere a reportagem publicada no site em 2012. O texto com o título Dano psicológico pode configurar lesão corporal grave trouxe declarações dadas pela ex-mulher de Bottura, Patrícia Bueno Netto, à revista Marie Claire, em que ela conta que ele enviou um dossiê falso a vários pessoas que haviam sido convidadas para o seu casamento, no qual chamava Patrícia de "vagabunda", entre outros palavrões, e acusava a família dela de corrupção nos negócios. “Ele ainda levou ao Conselho Federal de Medicina uma denúncia contra o psiquiatra, em que o acusava de assédio sexual contra Patrícia. Ela teve de defendê-lo”, diz a reportagem.

À revista, Patrícia contou que, mesmo após a Justiça conceder medida protetiva que impedia o ex-marido de chegar a menos de 50 metros dela, as ameaças continuaram. “Ele afirmava ter armas com alcance muito maior do que 50 metros e que seria fácil me atingir. Não tive outra forma de viver a não ser fora do país. Passei seis meses exilada na Espanha”, revelou.

Segundo a reportagem da ConJur, as brigas e ameaças do empresário levaram Patrícia a desenvolver o transtorno de estresse pós-traumático, doença comum em soldados sobreviventes a campos de batalha ou vítimas de grandes tragédias. Por esse motivo, a Justiça paulista aceitou denúncia contra ele por “ofensa à saúde psicológica” da ex-mulher. Para o Ministério Público, o acusado promoveu campanha de ameaça, difamação e exposição da vítima, o que o enquadrou no crime de lesão corporal de natureza grave. “Ao que consta, com a reiteração da conduta capitulada como contravenção penal, teria o acusado atingido o resultado correspondente à lesão à saúde psíquica da vítima”, afirmou a juíza Fabiana Tsuno, da Vara Regional Sul 2 de Violência Domiciliar e Familiar contra a Mulher, do Foro Regional II, de Santo Amaro, na capital paulista.

Animus narrandi
Ao decidir a favor da ConJur e pela rejeição da queixa, o desembargador Augusto de Siqueira disse não ver no texto nada além de relatos. “Na publicação questionada não se vislumbra mesmo o dolo específico exigido nos crimes imputados aos recorridos, que é a intenção de ofender e macular a honra alheia”, afirmou. “Limitaram-se os recorridos a narrar fatos, ao que tudo indica, de conhecimento público.”

O desembargador citou o que já afirmara à primeira instância a respeito da queixa-crime. “A matéria publicada já foi discutida em diversas ações e propalada de diversas formas, inclusive em sede de queixa-crime perante este Juízo, nada havendo de inovador na matéria tratada. Veja-se que o cerne da matéria jornalística, a qual o querelante reputou ofensiva, refere-se a matérias já divulgadas pelos meios de comunicação, sendo algumas delas de conhecimento público, face a publicação nesses meios de comunicação. Aliás, o próprio querelante apresenta algumas dessas publicações tanto pela via Internet como em revistas e afins”, disse a juíza Maria de Fátima dos Santos Gomes Muniz de Oliveira, da 29ª Vara Criminal da capital. Sua sentença considerou a inicial do empresário inepta, por falta de comprovação de dolo.

“Simplesmente foram narrados pormenores de uma ação penal em curso”, concordou o desembargador Siqueira. “As  supostas ofensas à sua honra não partiram dos recorridos, mas sim, teriam sido proferidas pela sua ex-mulher na entrevista em questão.”

Siqueira ainda denunciou que o empresário mencionou, como data de publicação da reportagem, o dia 3 de julho de 2013, quando, na verdade, ela foi veiculada em 20 de outubro de 2012. Em primeiro grau, a Justiça afirmara que a queixa havia decaído, uma vez que Bottura teria tomado conhecimento da notícia no dia 24 de outubro de 2012, tendo apresentado a queixa à Justiça no dia 26 de agosto de 2013. Os artigos 38 do Código de Processo Penal e 145 do Código Penal estipulam o prazo de seis meses para ajuizar ações desse tipo.

Participaram do julgamento os desembargadores De Paula Santos e Renê Ricupero. A ConJur e seus repórteres foram defendidos pelos advogados Pierpaolo Cruz Bottini e Rossana Brum Leques, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados; e Rodrigo Nascimento Dall´Acqua e José Luis Mendes de Oliveira Lima, do Oliveira Lima, Hungria, Dall'Acqua & Furrier Advogados.

Defesa e ataque
Questionado pela ConJur em 2012 sobre as acusações da ex-mulher, Bottura afirmou que decisões judiciais o absolveram do crime de ameaça e não reconheceram a distribuição de dossiês contra a família da ex-mulher.

Respondendo a questões enviadas por e-mail ao seu advogado, Fabrício dos Santos Gravata, Bottura ameaçou entrar com ação contra o site. "Já fiz carga do processo, já me dei por citado e já informei a juíza e o Ministério Público que o segredo de Justiça foi violado, pois o senhor tem cópia da denúncia, o que é crime e deve ser objeto de investigação", afirmou na ocasião. 

Clique aqui para ler a decisão do TJ-SP.
Recurso em Sentido Estrito 0063354-92.2013.8.26.0050

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