Projetos desconexos

"Bagunça fiscal" é vilã da economia, criticam especialistas

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19 de agosto de 2014, 12h09

A “credibilidade fiscal” está se perdendo, em face da concentração das riquezas pelo Estado, com base na dívida pública. Quem afirma é o professor da Unicamp Geraldo Biasoto. Segundo ele, o nível de incerteza para investimentos no Brasil é um dos mais altos do mundo e “a bagunça fiscal está sendo insuportável para a economia”. Biasoto afirma ainda que a “coesão social” era a principal vitrine do país para o exterior. Entretanto, hoje em dia, um programa como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nada mais é do que “uma constelação de projetos desconexos, com graves defeitos de essencialidade e factibilidade”.

O assunto foi debatido no Seminário Federalismo Fiscal Brasil-Alemanha, especialistas dos dois países apresentaram um retrato do nó tributário que amarra União, estados e, principalmente, municípios. O evento foi organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), em parceria com a FGV Projetos, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt) e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e aconteceu no dia 13 de agosto na sede do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

ConJur
Segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes (foto), o Pacto Federativo é um tema que merece destaque nas agendas política e jurídico-institucional brasileira. O ministro diz que, hoje em dia, há a intensificação das chamadas escaramuças federativas. “Basta pensar em assuntos como a guerra fiscal, que tem acumulado questões no âmbito do STF, bem como os fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos municípios (FPM), na permanente busca de uma repartição mais igualitária. São soluções que ainda demandam reflexão”.

“Nitidamente Nacional”
Para o tributarista e professor adjunto da UFRJ Eduardo Maneira, o ICMS tem caráter “nitidamente nacional”, embora a Constituição de 1988 dê aos estados e ao Distrito Federal a competência de instituir impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Segundo Maneira, a solução “mais óbvia e mais difícil” para enfrentar a causa da guerra fiscal é fazer o ICMS virar Imposto sobre Valor Agregado (IVA) federal.

Sobre a guerra fiscal entre os estados, o consultor legislativo do Senado Federal Marcos Mendes afirmou que o modelo centralizado e antifederativo que exige do Conselho Nacional de Polícia Fazendária (Confaz) unanimidade das partes para a concessão de benefícios fiscais não funciona mais.

Federalismo alemão
O modelo de federalismo da Alemanha é reconhecido pelos especialistas como o mais avançado em termos de federalismo cooperativo, em oposição ao federalismo “competitivo”. O jurista alemão Christian Waldhoff afirmou que a Carta da república Federal da Alemanha repartiu, “de forma justa”, os recursos entre a Federação e os estados, com base no princípio de autonomia e responsabilidade. Os impostos, basicamente, são federais e o sistema de compensação financeira é definido em “escalões de compensação”, com base na Lei dos Critérios, que vigorará até 2019. Esse sistema de compensação, segundo Waldhoff, baseia-se na capacidade financeira, e não em necessidades ou carências, buscando-se, sempre, uma “compensação adequada”. Na Alemanha, o Senado é formado por pessoas escolhidas pelos governadores estaduais. Ou seja, os executivos estaduais estão diretamente representados na segunda Casa do Congresso.

Também participou do evento o jurista alemão Alexander Blankenagel. De acordo com ele, os estados não têm competências para instituir tributos, e o “financiamento” dos estados pela Federação baseia-se em critérios cada vez mais severos, isso é, em pressupostos “bem rigorosos”. A Federação só pode socorrer com urgência os estados para evitar distúrbio na economia nacional. E, nesses casos, cabe ao Judiciário verificar se o legislador está ou não agindo com discricionalidade.

Federalismo fiscal
Fernando Rezende (FGV-Ebape) da Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas (Ebrape) da Fundação Getulio Vargas, falou sobre os desafios e perspectivas para o federalismo fiscal brasileiro. Segundo ele, os estados “brigam e não encontram a saída do labirinto, num período em que temos, pela primeira vez, a centralização do poder na democracia”. A seu ver, essa crise não se resolve apenas mediante a redistribuição de receitas, como no passado.

“Houve perda de influência dos entes federados na política nacional, com forte queda da participação dos estados na repartição do bolo fiscal. Os governantes suportam o ônus político gerado pela incapacidade de evitar a deterioração da infraestrutura urbana e melhorar a qualidade dos serviços públicos”, afirmou.

Para o professor, é necessário combinar a implementação da política regional com a gradual uniformização das alíquotas interestaduais do ICMS, já que “as velhas soluções não servem”. Ele sugere “introduzir flexibilidade normativa necessária para permitir o ajustamento periódico à dinâmica territorial”.

O professor do Instituto de Economia da Unicamp Sérgio Prado analisou as federações parlamentaristas (Alemanha, Canadá e Austrália) e presidencialistas, destacando que, nas primeiras, o poder é centralizado no “gabinete” — uma representação direta do próprio parlamento — enquanto que nas federações presidencialistas há uma “dispersão de poder” muito maior.

Segundo ele, em países parlamentaristas como a Alemanha, a casa legislativa que corresponde ao nosso Senado age como verdadeira representação regional. Até por que, na Alemanha, o “Senado” é formado por 69 representantes dos 16 estados, indicados pelos governos parlamentares estaduais, e não eleitos diretamente pelo voto popular. Ele observou, ainda, que em face da “fragilidade” dos governos estaduais no arcabouço federativo do Brasil há 25 anos permanece inalterada a distribuição das cotas do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

O professor Everardo Maciel, que foi Secretário da Receita Federal durante oito anos (1995-2002), afirmou que a Federação no Brasil é “imperfeita, incompleta e provisória” — sendo a única a ter município como ente federativo . Defende que a reforma tributária depende também de uma reforma política, e inclui um Código do federalismo fiscal, que contenha “norma gerais aplicáveis às transferências intergovernamentais, incentivos fiscais regionais e harmonização de políticas tributárias”.

Maciel considera que os parlamentos estaduais (assembleias legislativas) “ficaram muito tolhidos, sem ter muito o que fazer”, situação que repercute no Congresso Nacional, para o qual são eleitos, em sua maioria, parlamentares que tenham maior possibilidade de “trazer” recursos para os seus municípios. Na sua opinião, “deputados federais viram vereadores federais”.

Segundo Maciel,  a prova disso é que existem até “associações de suplentes de vereadores”. O ex-secretário da Receita Federal disse ainda que o país tem “uma multidão de partidos, o que torna a governabilidade praticamente impossível”, e alarga a crise do Legislativo. Na sua opinião, o Congresso passou a discutir e a votar — quase que somente — medidas provisórias (MPs) do Executivo. “O Congresso quase virou um negócio, e vereador virou profissão”, afirmou.

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