Vácuo legislativo

Justiça Federal absolve grupo acusado de fraudar concurso público

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18 de agosto de 2014, 16h56

Após desarticular a principal organização do país acusada de fraudar concursos públicos, a operação tormenta, da Polícia Federal (PF), deu o primeiro sinal de ter se transformado em suave brisa e naufragado na esfera jurídica.

Sob o fundamento de que os fatos atribuídos aos réus não constituem infração penal, a juíza federal substituta Lidiane Maria Oliva Cardoso, da 3ª Vara Federal de Santos, absolveu sete réus da tormenta acusados de fraudar o concurso de auditor fiscal da Receita Federal, iniciado em 1994 e concluído em 2010.

A operação da PF deu origem a mais nove ações penais, que ainda tramitam e se referem a outros concursos. Entre os inocentados está um advogado apontado pela PF como o cabeça do esquema de fraudes, também é processado em outras ações derivadas da operação tormenta.

A decisão da juíza federal não causa surpresa sob o ponto de vista técnico e até era previsível. Em dezembro de 2011, foi noticiada a edição da Lei 12.550, que passou a ter eficácia em 16 de dezembro de 2011, mesma data de sua publicação no Diário Oficial da União.

A nova lei introduziu ao Código Penal o artigo 311-A, que descreveu como crime de “fraude em certames de interesse público” a utilização ou divulgação indevida de conteúdo sigiloso, que possa comprometê-los em sua credibilidade, ou com o fim de beneficiar o fraudador ou outra pessoa.

A legislação definiu como certames públicos os concursos, processos seletivos para ingresso no ensino superior e quaisquer outras avaliações ou exames de natureza pública. A pena estabelecida é a de reclusão de 1 a 4 anos, mas se houver dano à administração pública, ela passa a ser de 2 a 6 anos.

Em qualquer hipótese, se o fato é cometido por funcionário público, a pena ainda deve ser aumentada em um terço, conforme o artigo 311-A, que foi criado para suprir o vácuo legislativo até então existente. Porém, devido à falta de crime específico, o Ministério Público Federal denunciou os réus da tormenta por “estelionato”.

Irretroatividade
A Constituição Federal estabelece como alicerces do Direito Penal os princípios da legalidade e da anterioridade. De acordo com eles, não existem crimes e nem penas sem leis que os definam, devendo ainda a previsão legal ser anterior à ocorrência do fato descrito como delituoso. Desse modo, a legislação penal não pode retroagir.

Com base nesses princípios, o Superior Tribunal de Justiça já havia concedido Habeas Corpus para um dos réus da operação, em 25 de outubro de 2013, no sentido de trancar a ação penal em relação a esse acusado, especificamente quanto ao delito de estelionato.

Segundo a decisão do ministro Moura Ribeiro, do STJ, a utilização de cola eletrônica para a aprovação em concurso público não era típica (descrita em lei) até a vigência da Lei 12.550/2011, não se configurando em estelionato, “em razão da inexistência de prejuízo patrimonial certo e de vítima determinada”.

A juíza federal ampliou os efeitos do Habeas Corpus para absolver todos os réus, em relação não só ao estelionato como também à formação de quadrilha, apesar de estar convencida de que eles burlaram o concurso da Receita. “Ou a conduta de fraude, por meio de cola eletrônica, é típica para todos ou, da mesma forma, é atípica para todos”.

Na formação de quadrilha, os acusados devem se associar, de modo estável, para a prática de crimes. No caso da operação, conforme a denúncia do MPF, os réus cometeram estelionatos. Porém, como este delito deixou de ser considerado, devido à lei que introduziu o artigo 311-A ao Código Penal, a quadrilha também caiu por terra.

A operação foi desmembrada em dez ações por causa do elevado número de concursos burlados e de réus. A PF também detectou fraudes em exame da Ordem dos Advogados do Brasil e em concursos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e de agente da própria Polícia Federal.

Cinco processos apuram as condutas dos acusados de planejar o esquema e colocá-lo em prática. Os demais estão relacionados aos candidatos que, segundo o MPF, beneficiaram-se ou tentaram se beneficiar das fraudes com a compra de gabaritos ou com a utilização de ponto eletrônico no momento da realização das provas.

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