Jubileu de Prata

Ministro Celso de Mello completa
25 anos de atuação no Supremo

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17 de agosto de 2014, 15h14

Spacca
Decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro José Celso de Mello Filho completa 25 anos de atuação na Corte neste domingo (17/8). Com isso, ele se torna o quinto ministro mais longevo da história do STF. 

O recordista de tempo é o ministro José Paulo Figueirôa Nabuco de Araújo (31 anos e 3 meses), ainda no Império. Já na República, estão Hermínio do Espírito Santo (29 anos e 11 meses ), seguido por André Cavalcanti (29 anos e 8 meses), que morreram no exercício do cargo. Completa a lista José Carlos Moreira Alves, que pontificou no STF por 27 anos e 10 meses (de 1975 a 2003).

Paulista de Tatuí, Celso de Mello é uma das raras unanimidades entre os que lá estão ou por que lá passaram. Seu excepcional conhecimento jurídico e o profundo embasamento técnico de seus votos são dois dos predicados mais citados como marca de sua judicatura. Essa característica o tornou referência pedagógica para magistrados e advogados, que chegam a usar seus parâmetros como se fossem súmulas.

Formado em Direito pela Universidade de São Paulo, Celso de Mello ingressou no Ministério Público em 1970 e atuou em Santos, Osasco, São José dos Campos, Cândido Mota, Palmital, Garça e São Paulo. Como a instituição era muito atrelada ao executivo, sofreu resistência por, durante o governo militar, abrir sindicâncias para investigar abusos policiais. Mesmo assim, foi indicado três vezes pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para ocupar a vaga do Quinto destinada ao MP. Dentro da carreira, porém, chegou a procurador pouco antes de ocupar a cadeira de Rafael Mayer no STF.

Nomeado pelo presidente José Sarney dez meses depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, o ministro foi um dos artífices da guinada na jurisprudência do Supremo, que por muito tempo se deixou governar pelas Cartas anteriores. Tão jovem ministro quanto a nova Carta, Celso de Mello estabeleceu marcos importantes a respeito de garantias e direitos fundamentais. Entre 1997 e 1999, com 51 anos, foi o mais jovem ministro a presidir o STF desde sua fundação.

Garantista, o ministro também se notabilizou pelo apreço ao direito de defesa. Entre os exemplos está o voto que determinou a suspensão de processo em que não se havia permitido que os advogados fizessem perguntas ao outro réu do processo durante interrogatório. O caso envolvia o investidor russo Boris Berezovsky e o juiz Fausto de Sanctis, que foi repreendido.

Uma outra bronca foi endereçada recentemente ao juiz federal Sérgio Moro. O Supremo julgava um Habeas Corpus de um réu que teve a pena executada por ele após julgar prejudicado um recurso extraordinário por ausência de repercussão geral. Para Celso de Mello a decisão era “destituída de qualquer ortodoxia processual”. “O magistrado federal de primeira instância procedeu a uma conduta de usurpação de competência deste Supremo Tribunal Federal”, disse em seu voto.

Nesse quarto de século de atuação no STF, Celso de Mello ainda instituiu que comissões parlamentares de inquérito devem seguir o devido processo legal e que as minorias podem instalar CPIs, mesmo contra a vontade da maioria governista. O ministro também não se preocupou em frustrar quem tentava impedir as candidaturas de políticos pelo simples fato de responderem a processo judicial.

Na julgamento, em 2008, ele lembrou que a Lei Complementar 5, de 1970, aprovada no governo Médici, proibia que qualquer pessoa  concorressem a cargos eletivos pelo simples fato de ter contra si denuncia recebida pela Justiça. Ao demonstrar que a medida poderia ressuscitar um instrumento de perseguição política, Celso de Mello inspirou a Lei de Ficha Limpa a prever, ao menos, que exista uma condenação transitada em julgado ou por órgão colegiado.

O mais recente exemplo da resistência de Celso de Mello aos clamores populares está prestes a completar um ano. O Supremo discutia a admissão de Embargos Infringentes na Ação Penal 470, o processo do mensalão, e por um capricho regimental coube ao decano desempatar a questão.

Não foi insignificante a pressão da mídia e da opinião pública para que Celso de Mello votasse contra a admissão dos recursos. O ministro não se intimidou e admitiu os embargos. Com a decisão, 12 réus garantiram o direito de ter parte de suas condenações revista pela corte. Com uma nova composição, o Plenário acabou por decidir, em fevereiro, que os réus não formaram quadrilha.

Em seu voto pela admissão dos infringentes, Celso de Mello disse que juízes “não se podem deixar contaminar por juízos paralelos resultantes de manifestações da opinião pública que objetivem condicionar a manifestação de juízes e tribunais. Estar-se-ia a negar a acusados o direito fundamental a um julgamento justo. Constituiria manifesta ofensa ao que proclama a Constituição e ao que garantem os tratados internacionais".

Se naquela ocasião o voto de Celso de Mello surpreendeu quem se limitava a nutrir a expectativa de um desfecho diferente, observadores mais atentos do Judiciário já sabiam o que esperar. O próprio ministro já havia dito que os Embargos Infringentes eram previstos pelo Regimento Interno do STF e não foram, portanto, suprimidos pela Lei 8.038/1990 — invocada pelo relator Joaquim Barbosa para fundamentar a rejeição aos recursos.

Não foi a primeira vez que o ministro manteve-se fiel a seus posicionamentos. Em voto que levou duas horas para ser lido, em 2007, Celso de Mello conduziu seus pares a decidir que os votos recebidos nas eleições proporcionais pertencem ao partido, não ao candidato. Na ocasião, o ministro afirmou que a infidelidade partidária deforma o resultado das urnas. Dezoito anos, pouco depois de ingressar na Corte, ele foi voto vencido em julgamento semelhante.

Relator da ação que garantiu a organização da Marcha da Maconha, em 2011, o ministro argumentou que mais do que o uso e consumo de substâncias proibidas, naquela ocasião estava em jogo a reafirmação de dois direitos fundamentais: a livre expressão do pensamento e o direito de reunião. Em seu voto, ressaltou o papel contramajoritário do Supremo, a quem cabe assegurar que as minorias possam defender suas ideias, mesmo que elas sejam inaceitáveis para a maioria.

No histórico julgamento de 2008 que liberou, de forma unânime, as pesquisas com células-tronco embrionárias, Celso de Mello recorreu à história para reafirmar a necessidade da separação entre Estado e Igreja. Queria uma liberação irrestrita e protagonizou acalorado debate com o ministro Cezar Peluso, que tinha ressalvas.

Em 2009, o Tribunal Penal Internacional (TPI) encaminhou pela primeira vez ao governo brasileiro um pedido de prisão de um chefe de estado: Omar al Bashir, presidente do Sudão. No exercício da presidência do Supremo, Celso de Mello elaborou um despacho de 19 páginas pedindo manifestação da Procuradoria Geral da República. Não sem abordar aspectos ainda não considerados sobre a incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro dos termos do Estatuto de Roma, que criou o TPI.

Intelectual aplicado, Celso de Mello é a antítese do invencionismo que, ao sabor das circunstâncias, propõe ideias mirabolantes a bem de “inovar” o Direito. Sua produção no Supremo é um desafio a quem queira buscar contradições. De seus bem fundamentados votos como relator, foram raríssimos os casos de divergências que permaneceram de pé.

Se a Constituição de 1988 movimentou o Judiciário com uma explosão de direitos a ponto de inspirar intervenções capazes de renegá-la, é com mesma Carta que o ministro Celso de Mello posiciona-se como um de seus mais sólidos intérpretes.

*Notícia atualizada às 18h55 do dia 17/8 para acréscimo de informações.

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