Emenda prejudicial

Projeto de lei criou retrocesso para arbitragem na Administração

Autor

  • Roberto Pasqualin

    é advogado em São Paulo árbitro mediador consultor jurídico e presidente do Ibat (Instituto Brasileiro de Arbitragem tributária). Foi presidente e integra o Conselho Consultivo do Conima (Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem). É membro do Conselho Diretor do CBAr (Comitê Brasileiro de Arbitragem) e participa do Nupet (Núcleo Paulista de Estudos Tributários). Presidiu o Comitê de Legislação a Força Tarefa de Tributação e o Centro de Arbitragem da Amcham.

16 de agosto de 2014, 9h09

A arbitragem no Brasil revelou-se formidável ferramenta para solucionar rapidamente, fora do Judiciário, os conflitos que inevitavelmente surgem no mundo dos negócios nos quase 20 anos dessa prática. A arbitragem adquiriu plena segurança jurídica com a Lei 9.307, confirmada seguidamente pela jurisprudência de nossos tribunais superiores. Ao invés de aguardarem por anos e anos a solução dos processos levados ao Judiciário, as partes passaram a obter rapidamente a decisão para suas questões pela arbitragem, fora do Judiciário. A estatística das instituições arbitrais mostra que, em média, as arbitragens são resolvidas em cerca de um ano apenas.

A estatística oficial do CNJ, por outro lado, indica que há cerca de 93 milhões de processos em andamento no Judiciário brasileiro. A maioria dos casos levados à Justiça estatal compreensivelmente demora vários e vários anos para serem julgados. Seria desumano esperar que os juízes, desembargadores e ministros das várias instâncias judiciais, apesar de todo o seu esforço e dedicação, pudessem resolver rapidamente essa enorme quantidade de processos. E se destaca nessa estatística oficial que a maioria dos casos que atolam o Judiciário tem como uma das partes o próprio governo, federal, estadual ou municipal. Os litígios envolvendo os órgãos estatais das três esferas são a maior parte desses 93 milhões de processos.

As administrações públicas são, assim, parte importante do afogamento do Judiciário brasileiro. Seria adequado à Administração recorrer à arbitragem para resolver ao menos parte dos seus conflitos com os particulares, aqueles que versassem sobre direitos patrimoniais disponíveis? Essa indagação foi feita pela doutrina e pela jurisprudência e a resposta que se obteve, quase uníssona, é que sim, a Administração pode se valer da arbitragem naqueles contratos em que ela atua como um particular, por exemplo, comprando ou vendendo bens, contratando ou prestando serviços. Quando a Administração vai à arbitragem para resolver seus conflitos rapidamente obtém, e permite ao particular obter, solução adequada para a pendência que eventualmente tenha surgido. E mais: cada processo resolvido por arbitragem alivia o peso dos milhões de processos que atolam o Judiciário. É o que todos esperam.

Pois bem. A Lei de Arbitragem está em processo de modernização no Parlamento brasileiro, sob a lúcida liderança de um dos mais ativos ministros do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Luis Felipe Salomão. Uma das modificações pontuais propostas pela Comissão de Juristas que ele comandou no Senado foi a de expressamente permitir que a Administração pública se valesse da arbitragem, quando necessário, espancando qualquer dúvida que ainda pudesse restar. O que já estava implícito na Lei e fora confirmado pela jurisprudência agora se propôs que viesse expresso na Lei, com todas as letras. Sendo aprovado o projeto, como proposto, isso permitiria aos diversos órgãos da Administração, nas três esferas de governo, que optassem livremente pela arbitragem para a solução fora do Judiciário de seus eventuais conflitos. Com a autorização legal expressa, o agente público poderia optar pela arbitragem sem o temor de vir a ser criticado e até condenado, depois, por haver adotado essa ferramenta privada ao invés da via judicial.

Assim foi feito no projeto de lei que foi aprovado no Senado e assim lá estava, até o último momento de sua tramitação na Câmara dos Deputados. Na última Comissão em que tramitou o projeto de lei, o parecer do relator fez acrescentar emenda de última hora para subordinar a arbitragem na Administração Pública a um inexistente ‘regulamento’, a ser editado sabe-se lá quando pelo próprio governo. Até então subordinada apenas à próprio Lei de Arbitragem, a arbitragem na Administração passaria a se subordinar não apenas à Lei, mas a normas que o Poder Executivo determinar por Decreto ou por outras normas infralegais. De uma só penada faz-se retroceder toda a construção do instituto pela melhor doutrina e pela lúcida jurisprudência, subordinando-o se a emenda prevalecer ao arbítrio do governo. Pior, ao arbítrio de qualquer um dos governos, o federal, os 27 estaduais e os mais de 5.500 municipais. Todos poderão, em tese, editar seu próprio ‘regulamento’ para a adoção da arbitragem para resolver seus conflitos… Será a pá de cal a enterrar o instituto. Como o projeto de lei volta ao Senado de onde saiu sem essa emenda, espera-se que os senhores senadores tenham a sabedoria de afastá-la, em prol da arbitragem, em prol do desafogo do Judiciário, em prol da maior eficiência da Administração pública.

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