Caso Paulipetro

Advogado cobra mais de R$ 400 milhões da Petrobras em honorários

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14 de agosto de 2014, 7h38

Um único advogado cobra uma dívida de pelo menos R$ 400 milhões da Petrobras em honorários por uma ação que está na Justiça há 34 anos. João Cunha atuou na ação popular do caso Paulipetro, que começou em 1980. O processo só transitou em julgado em 2007, quando o Supremo Tribunal Federal confirmou a condenação da Petrobras, do ex-governador Paulo Maluf, da Companhia Energética de São Paulo e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do estado a ressarcirem o governo paulista pelos prejuízos causados pela investida fracassada de encontrar petróleo na bacia do Rio Paraná, no interior do estado.

Cunha escolheu a estatal para pagar o débito por considerar que é a única parte com capacidade financeira para quitá-lo. A opção, diz, é autorizada pelo artigo 275 do Código Civil. Em relação ao valor, Cunha se baseia nas contas da Fazenda Pública de São Paulo para receber 10% de uma indenização que gira em torno de R$ 4 bilhões — de acordo com cálculos de 2009, os últimos registrados em decisão. Com atualização monetária, o valor só cresce.

Ele teve o direito de receber o pagamento reconhecido em agosto de 2012 pela 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Porém, o valor é alvo de questionamentos pelos dois lados.

O colegiado seguiu o voto do desembargador Guilherme Calmon Nogueira da Gama e considerou o caráter alimentar dos honorários devidos. Por isso, determinou seu pagamento em separado da execução da ação popular. Segundo o magistrado, a “solução mais razoável” foi determinar o pagamento dos honorários e descontá-los quando ocorrer a execução da ação popular.

As duas ações, a popular e de execução de honorários, voltaram a se encontrar no gabinete do juiz Wilney Magno de Azevedo Silva, da 16ª Vara Federal Cível no Rio de Janeiro, responsável pela execução. Em 24 de outubro de 2013, ele mandou cumprir o acórdão do TRF-2 que determinava o pagamento do advogado. Semanas depois, em 14 de novembro, o mesmo juiz voltou atrás e suspendeu a decisão. Para ele, é preciso chegar ao valor final da indenização antes.

Houve novo recurso ao colegiado do TRF-2, que reformou a decisão de primeira instância. “Como a presente execução, em princípio, abrangeria 10% de quantia líquida, a depender apenas de cálculo aritmético, não haveria óbice a que os advogados prosseguissem com a execução dos seus honorários, autonomamente do restante da execução coletiva, cabendo aos executados, se for o caso, impugnar a execução nestes autos”, escreveu a juíza federal convocada Carmen Silvia Lima de Arruda, que foi acompanhada pelo colegiado.

Mais embargos
Embora confirme a execução dos honorários, João Cunha aponta que um trecho específico abriu espaço para uma nova rodada de embargos — inclusive um seu, de declaração, já apresentado. A passagem está no fim do voto da relatora: “Voto no sentido de reformar parcialmente a decisão agravada, para determinar o prosseguimento do feito com a devida intimação das partes para, querendo, apresentar a competente impugnação e, somente após, caso entenda cabível, proceder-se na forma do artigo 265, IV, do CPC”.

O dispositivo do Código de Processo Civil citado pela juíza diz que o processo é suspenso quando a sentença de mérito “depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente; não puder ser proferida senão depois de verificado determinado fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo; tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente”.

João Cunha afirma, entretanto, que não há decisão de mérito pendente. Além disso, ele aponta que a execução só pode ser suspensa nas hipóteses previstas nos incisos de I a III do artigo 265 do CPC: “pela morte ou perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador; pela convenção das partes; quando for oposta exceção de incompetência do juízo, da câmara ou do tribunal, bem como de suspeição ou impedimento do juiz”. Ou seja, segundo o advogado, o item IV não se aplica no caso.

Briga por valores
Como não cabe mais recurso da condenação, parece fácil acreditar que agora só falta os réus pagarem o que devem. Mas com valores que chegam à casa dos bilhões de reais, não é bem assim. Uma discussão a respeito do cálculo dos prejuízos ainda vai atrasar mais um pouco a conclusão de um processo que tramita nos escaninhos do Judiciário há mais de três décadas. Além da disputa entre as partes, decisões de primeira e segunda instância apontam para lados diferentes.

O primeiro ponto de disputa diz respeito aos contratos abarcados pelo cálculo. No processo, o estado de São Paulo afirma que a conta deve incluir os valores gastos em 17 contratos de risco firmados pela Paulipetro e a Petrobras para pesquisa de petróleo na bacia do Rio Paraná. A partir de então, bastaria o cálculo aritmético para atualizar os valores gastos no início da década de 1980. É dessa forma que a conta chega aos R$ 4 bilhões, em valores atualizados até 2009 e que baseiam a ação de execução de honorários do advogado João Cunha. Ele afirma que com a incidência de multa e juros, os valores atualizados praticamente dobraram.

Em 2008, no entanto, o juízo de execução (16ª Vara Federal no RJ) decidiu em outro sentido. Em vez do cálculo aritmético, determinou a liquidação por arbitramento, com valores a serem avaliados por perito judicial. “Os elementos probatórios necessários à apuração do quantum debateur já se encontram nos autos, restando apenas a quantificação do débito, mediante cálculos de alta complexidade. Daí a determinação, por este Juízo, da modalidade de liquidação por arbitramento”, diz a decisão.

Entretanto, ao analisar um Agravo de Instrumentou em 2009, a 6ª Turma do TRF-2 teve outro entendimento. “Não há necessidade de perícia, e a execução através de cálculos é o correto e o mais célere. Os valores a serem ressarcidos encontram-se discriminados detalhadamente em planilha elaborada com base em dados oficiais fornecidos pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo”, diz o acórdão, que acrescenta que se os devedores discordarem, basta impugná-los.

A 16ª Vara Federal reafirmou a liquidação por arbitramento e nomeou, ao custo de R$ 870 mil, um perito para apontar quais são os valores devidos. O profissional concluiu que o prejuízo não passou de US$ 250 mil, em valores da época. A perícia é contestada pelo advogado João Cunha, que afirma que o perito ignorou o que foi gasto em 17 contratos de risco firmados com empresas subcontratadas para a exploração de petróleo. Procurada pela reportagem, a Procuradoria Geral de São Paulo, via assessoria de imprensa, disse apenas que o processo encontra-se em fase de execução de perícia contábil.

Em nota, a Petrobras disse que o Judiciário já reconheceu que a decisão transitada em julgado não abarcou os valores indicados pelo autor da ação popular e pelo estado de São Paulo, na execução principal. “Estes valores decorrem de contratações e subcontratações que foram excluídas expressamente da condenação. Há, em curso, inclusive, uma perícia judicial que reconheceu que o valor da execução não ultrapassa US$ 250 mil [em valores desatualizados]. Como os honorários advocatícios foram arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, o montante devido ao advogado não ultrapassará US$ 25 mil”. Em 2011, a Petrobras depositou, a título de garantia judicial, R$ 2,4 milhões, atualizados para aquele ano.

Sobre a decisão que reconheceu o direito aos honorários pelo advogado João Cunha, a estatal disse que “a recente decisão do TRF da 2ª Região apenas limita-se a permitir que o advogado mova a execução de forma autônoma à execução principal, sem entrar em discussão sobre valores, mas reconhecendo que o montante dos honorários advocatícios depende da condenação principal”.

Processos na Justiça Federal no Rio de Janeiro:
245122-88.1900.4.02.5101 — Ação Popular
000229-68.2012.4.02.5101 — Execução Autônoma de Honorários

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