Termômetro do segredo

Sigilo processual deve sopesar intimidade e interesse público

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13 de agosto de 2014, 7h43

No processo cível a regra do sigilo é uma exceção, disciplinada pelo artigo 155, em particular, quando disser respeito ao interesse público ou envolver direito de família, o estado das pessoas, alimentos, separação, divórcio, investigação de paternidade, não sendo comando numerus clausus, cuja fiscalização e supervisão cabem ao juízo.

No entanto, com a modernidade e a exposição mais amiúde das pessoas, ou na qualidade de tática processual, poder-se-ia justificar a chancela de segredo ao regular andamento processual.

A relação jurídica deve ser desenvolvida mediante princípios da imparcialidade, da moralidade, legalidade e legitimidade. Contudo, não é raro observarmos feitos com o aspecto da indicação do sigilo, na tática de poder surpreender ou não revelar a terceiros essa circunstância.

Quando uma instituição financeira postula o arresto de bens de um determinado credor a percepção do sigilo pode receber interpretações distintas. A primeira para não concorrer com os demais credores, a outra para surpreender o próprio devedor, e finalmente para não expô-lo ao conhecimento de terceiros.

Nada impede que o magistrado levante o segredo de justiça processual e justifique a necessidade da medida, no sentido de liberar a consulta e deliberar o que se acha no âmbito do interesse público.

A dúvida repousa na condição de pessoas as quais não poderiam sofrer uma exposição mais delicada na esfera jurisdicional. Com isso se pretende significar que alguma personalidade a fim de evitar maior transtorno à sua imagem, ou qualquer outro aspecto, regraria o sigilo inibindo consultas e comentários desairosos.

Não são apenas as pessoas físicas destinatárias da medida, mas aquelas jurídicas, podemos estar diante de uma preservação de marca ou patente, sua quebra, direito concorrencial, enfim o sentido do legislador de 1973 não pode ser o mesmo na modernidade.

A partir da difusão da internet e das redes sociais, o impacto refletido no processo é singular, daí porque se houver um aumento da disciplina poderia se tornar pernicioso ao objeto de seu pressuposto.

Com o processo eletrônico a regra deve tomar novo sentido, já que a comunicação entre as instancias, a dialeticidade, poderá restar prejudicada, ou o acompanhamento do feito em segundo grau.

Nessa diretriz, não se poder manter em sigilo um processo sem o acesso livre pela câmara ou turma julgadora de eventual recurso, segregar a informação ou não fornecê-la poderá causar prejuízo na formação do juízo valorativo.

Naturalmente, se o sistema não está preparado para ambicionar esse acesso, o órgão julgador superior deveria ter senha de consulta para permitir uma visão geral não apenas daquele feito, mas de todos os outros concausais que representem algum impacto no julgamento.

Ao especificar o segredo no processo cível o legislador não tinha em mente a evolução experimentada nos últimos anos, a partir de ferramentas novas e comunicação diferenciada, em pouco tempo um processo diferenciado será inserido na rede social e daí os prejuízos para determinadas pessoas restará incalculável.

No entanto, poderíamos indagar se é uma pessoa pública ou que tem trato público, o segredo processual, por si só, poderia ser justificado?

Evidente que o pedido de segredo depende da avaliação do juízo e talvez o pronunciamento do Ministério Público, regra a qual se adota secundum eventus litis, e portanto poderá ser revista em qualquer oportunidade se assim houver fundamento justificado.

No Superior Tribunal de Justiça, a ministra Nancy Andrighi já decidiu que a norma do artigo 155 do CPC não é taxativa, mas sim enumerativa, cabendo ao juízo quando a defesa da intimidade das partes autorizar (RESP 605.687/AM).

Contra o despacho que indefere o segredo cabe agravo de instrumento, e igualmente quando o concede a fim de que a parte interessada comprove o contrário.

Trata-se, muitas vezes, de espinhosa situação, no sentido de avaliar seu risco.

Imaginemos uma empresa contra qual se move uma ação de cobrança, cujo valor elevado poderá chamar a atenção do mercado para debelar uma crise estonteante sem retorno, já que a avaliação do mercado é no sentido de um estado pré-falimentar ou de potencial insolvência.

No âmbito do segredo a consulta resta restrita, mais ainda no processo eletrônico quando a ferramenta situa um código, espécie de senha, donde eventual violação ficará no terreno da responsabilidade daqueles que a manuseiam.

A reverberação da internet e das redes sociais nos leva à reflexão e ao modelo sincronizado na reforma da legislação, a qual, por certo, não atende ao denominador comum.

O termômetro do segredo de justiça deve ser sopesado de um lado a preservação da intimidade, doutro a tecnicidade de resguardar ao interesse público.

Nada obstante, se não podemos regrar taxativa a norma, o seu elastério, em variadas hipóteses tem traduzido o exclusivo interesse da parte postulante para lhe favorecer em detrimento do conhecimento público, princípio natural e indissociável da ferramenta processual, a qual não se apresenta tal e qual a arbitragem, cujos fatores potenciais econômicos dinamizam causalidades peculiares.

Na tônica abordada, a redefinição do segredo processual e sua pressuposição levam o legislador a se acautelar para resguardar as partes, não porém para, a pretexto da invocação, prejudicar terceiros e o próprio enraizamento do acesso à informação processual.

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