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O caso da dispensa do ajudante do intendente da Central do Brasil

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

7 de agosto de 2014, 8h21

Spacca
A nomeação de servidor no serviço público do início do século passado, para alguns cargos determinados, tinha como condição a prestação de uma fiança. A regra alcançou inclusive o Decreto-lei 1.713, de 28 de outubro de 1939 que, em seu artigo 30, dispunha que quem fosse nomeado para cargo cujo provimento, por prescrição legal ou regulamentar, exigisse prestação de fiança, não poderia entrar em exercício sem ter satisfeito previamente essa exigência.

A fiança poderia ser prestada em dinheiro; em títulos da dívida pública da União; bem como em apólices de seguro de fidelidade funcional, emitidas por institutos oficiais ou companhias legalmente autorizadas. Não poderia ser autorizado o levantamento da fiança antes do tomadas as contas do funcionário. Além do que, o responsável por alcance ou desvio de material não ficaria isento da ação administrativa e criminal que coubesse, ainda que o valor da fiança fosse superior ao prejuízo verificado.

É por essa razão que no caso cujo parecer se reproduzirá se menciona recolhimento de fiança. Isto é, no Direito Administrativo da primeira metade do século passado, havia necessidade de prévio recolhimento de fiança para a posse em alguns cargos de que a lei tratava.

Ainda não havia, no início do século XIX, em alguns casos, limitação para demissão de funcionários, antes de 10 anos de exercício efetivo do cargo. Interessante uma comparação entre prerrogativas de servidores no Direito Administrativo antigo em face do Direito Administrativo contemporâneo. O parecer que segue trata de dispensa de ajudante de intendente da Estrada de Ferro Central do Brasil, que se encarou a partir de retirada de efeitos da nomeação. O texto, muito curto, vale também como comprovação da habilidade do então consultor-geral da República, Rodrigo Otávio, pela síntese inteligente que fazia dos problemas. Segue o parecer:

Gabinete do Consultor-Geral da República. – Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 1915.

Exmo. Senhor Ministro de Estado da Viação e Obras Públicas. – Como o Aviso nº 8, de 26 de janeiro findo, solicitou V. Exa. meu parecer sobre a proposta feita pelo diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil de ficar sem efeito a nomeação de Frederico José da Silva Povoas Junior para o cargo de ajudante do intendente da mesma estrada.

Tratando-se de um cargo demissível livremente, por isso que o regulamento respectivo nenhuma condição prescreve para a exoneração dos funcionários que tenham menos de 10 anos de serviço, parece-me evidente que a nomeação pode ser declarada sem efeito, sem que o nomeado tenha direito a qualquer reclamação.

Não se me afigura, entretanto, que tenha fundamento jurídico à impugnação feito a conservação do funcionário em questão, pois não vejo em que sua nomeação haja sido feita com violação de qualquer dispositivo regulamentar.

É certo que o art. 6 das instruções relativas às fianças dos responsáveis para com a Fazenda Nacional, mandadas observarem pela Circular do Ministério da Fazenda nº 18, de 10 de abril de 1906, prescreve que a fiança dos responsáveis responde também pela gestão de seus (…) ajudantes ou prepostos, o que faz crer que (…) ajudantes ou prepostos devam ser funcionários da confiança do responsável.

Entretanto, nenhuma condição estabelece o Regulamento da Central, aprovado pelo Decreto 8.610, de 15 de março de 1911, para a nomeação de ajudante de intendente, pelo que não se pode dizer que essa nomeação haja sido irregularmente feita, não encontrando eu quais sejam os requisitos legais que tenham sido preteridos, como pondera o Senhor Diretor, em seu ofício de 18 de janeiro.

Acresce que o funcionário em questão está igualmente sujeito à fiança, como se vê do § 6ª do art. 108 do citado Regulamento.

Em tais termos, a menos que V. Ex. não tenha razões para dispensar o funcionário nomeado, penso que é no sentido deste meu parecer que deve ser respondido o ofício do Diretor Central, cuja intervenção deve ser pedida no sentido de fazer desaparecer uma desinteligência com que só tem que perder o serviço público.

Devolvo os papéis que acompanharam o Aviso e tenho a honra de reiterar V. Ex., os meus protestos de alta estima e distinta consideração. – Rodrigo Otávio.

Autores

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    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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