Sem explosivos

Prisão de manifestantes em SP foi exagerada e precipitada, dizem advogados

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5 de agosto de 2014, 17h46

O Instituto de Criminalística da Polícia Científica e o Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da Polícia Militar concluíram que os objetos encontrados com dois manifestantes que participavam de um protesto em São Paulo no dia 23 de junho não eram artefatos explosivos. De acordo com informações do jornal Folha de S.Paulo, o Gate constatou em sua perícia que os materiais encontrados eram "isentos de qualquer tipo de substância explosiva e/ou inflamável".

Os ativistas permanecem presos desde então, mais de 40 dias após o ocorrido. Com base nas informações passadas pela polícia e em investigações próprias, o Ministério Público ofereceu denúncia que foi aceita pelo Judiciário paulista. Na última sexta-feira (1º/8), ao negar um pedido de revogação da prisão preventiva, o juiz Marcelo Matias Pereira citou os supostos artefatos explosivos como motivação para mantê-los presos.

A polícia afirmou que o objeto encontrado com um dos presos era similar a um coquetel molotov e que o ativista tentou jogar fora objeto. O material em questão era uma garrafa plástica de Nescau com papel e um elástico usados como tampa. De acordo com o laudo do Instituto de Criminalística não havia na garrafa qualquer substância normalmente utilizada em coquetéis molotov.

O objeto encontrado com o outro preso era um frasco vazio de um fixador de corantes em tecido, com um cordão de nylon que passava por dentro do tubo por meio de um orifício, e que teria a função semelhante à de um pavio. Além disso, havia fixado no tubo uma substância sólida de cor cinza. De acordo com o Instituto de Criminalística "trata-se de material que apresentou composição química não compatível" com a encontrada nos "altos" e "baixos" explosivos.

“As imagens indicam que os acusados possuíam liderança e comando sob a massa de alienados, sendo que há depoimentos consistentes que apontam que em poder dos mesmos foram aprendidos artefatos explosivos/incendiários, de modo que presentes estão os indícios suficientes de autoria”, registrou o juiz. Para advogados consultados pela revista Consultor Jurídico, a prisão preventiva foi equivocada e exagerada.

Sem motivo
De acordo com o criminalista Fábio Tofic, do escritório Tofic Simantob, houve uma presunção exagerada da polícia ao afirmar que os objetos encontrados eram artefatos explosivo. “O que impressiona é como uma avaliação a olho nu de um policial pode justificar a prisão preventiva de um cidadão por mais de 40 dias, sem haver a certeza de que aquilo era um artefato explosivo”, comenta. Para ele, isso abre precedente para que qualquer cidadão seja preso, a qualquer momento, pois qualquer objeto pode ser considerado uma arma.

Roberto Delmanto Júnior, criminalista e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), também considera que houve um exagero nas prisões. “Existem medidas alternativas além da prisão, como o monitoramento por tornozeleira. A prisão preventiva foi excessiva. Para determinar a prisão é preciso uma prova cabal, o que não havia no caso”, afirma.

Segundo Delmanto Júnior, a polícia devia no caso ter usado sua experiência para identificar que aquele material não era explosivo ou ter encaminhado os objetos para uma análise preliminar de um perito. “Esse resultado não deve ser uma surpresa para a polícia e o Ministério Público. A polícia tem uma experiência e é capaz de reconhecer um artefato explosivo e nesse caso está evidente que não era.  Em casos delicados como esse, nada impede que o policial consulte um perito para que seja feito um laudo preliminar. A polícia deve fazer isso para que não ocorra precipitações como essa que resultam em descrédito para a polícia”, complementa.

“A prisão desses manifestantes se torna insustentável com esse episódio. Isso vai alimentar o discurso de que está havendo uma criminalização dos  movimentos sociais. Uma espécie de ditadura legalizada e togada aplicando um rigor excessivo para fatos que não são adequados para essas circunstâncias”, conclui.

Sem abuso
O advogado Jair Jaloreto, do Portela, Campos Bicudo e Jaloreto Advogados, afirma não haver abuso na prisão em flagrante. Isso porque, diz, os artefatos apreendidos tinham "aparentemente" poder lesivo.

"A acusação contemplava ainda incitação ao crime, associação criminosa, desobediência, resistência etc. Isso acontece algumas vezes, pois a autoridade policial por vezes não tem a capacidade técnica para apurar o potencial lesivo de determinado artefato e, na dúvida, determina a prisão em flagrante do suspeito", diz. 

Porém, Jaloreto reconhece que a razão da manutenção da prisão preventiva perde força na medida em que o laudo afirmou que os artefatos não poderiam ser usados para praticar atos ilícitos. "Prova-se que o encarceramento fora lastreado em falsas premissas”, completa.

"Esquerda caviar"
Na decisão que negou o pedido de prisão preventiva dos ativistas, o juiz Marcelo Matias Pereira afirmou que as manifestações pacíficas perderam sua legitimidade na medida em que se infiltraram nelas os black blocs, causando depredação e “vergonha nacional e mundial”. Para o juiz, essas pessoas desrespeitam as leis, a segurança e o direito de manifestação.

"Este grupo atenta contra os Poderes Constituídos, desrespeitando as leis, os policiais que tem a função de preservar a ordem, a segurança e o direito de manifestação pacifica, além de, descaradamente, atacarem o patrimônio particular de pessoas que tanto trabalharam para conquista-lo, sob o argumento de que são contra o capitalismo, mas usam tênis da Nike, telefone celular, conforme se verificadas imagens, postam fotos no Facebook e até utilizam de uma denominação grafada em língua Inglesa, bem ao gosto da denominada ‘esquerda caviar’”, registrou o juiz.

Clique aqui para ler a decisão do juiz.

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