Danos às vítimas

Indenização por pornografia infantil deve ser dividida

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26 de abril de 2014, 8h44

Todos os “traficantes” de pornografia infantil — os que produzem as imagens e as postam na internet, os que as distribuem (baixam e voltam a postar) e os que simplesmente as mantêm em sua posse — devem ser responsabilizados civilmente pelos danos causados às vítimas, à parte de responder penalmente pelo crime.

Consequentemente, a vítima deve buscar reparação financeira de cada um dos envolvidos, pelos males que lhe causou, em vez de buscar a indenização total apenas de um demandado, como no caso que foi decidido nesta semana pela Suprema Corte dos EUA, segundo o Jornal da ABA (American Bar Association), o Washington Post e o USA Today.

No caso “Paroline vs. United States”, a americana “Amy Desconhecida”, como foi nomeada no processo, moveu uma ação contra Doyle Randall Paroline, pedindo uma indenização por danos no valor de US$ 3,4 milhões. Em 2009, Paroline confessou que tinha oito imagens de pornografia infantil em seu computador, duas fotos eram de Amy. Ele foi condenado a dois anos de prisão.

Amy foi estuprada e filmada por um tio, quando tinha entre 8 e 9 anos de idade. Porém, só aos 17 ela descobriu que as imagens foram postadas na internet e haviam se tornado “virais” — isto é, haviam se espalhado pela rede. O tio foi condenado a “muitos anos de prisão”, segundo a decisão da corte, e pagou US$ 6 mil de indenização à sobrinha.

Na ação, a vítima alega que teve de abandonar a faculdade, não consegue se manter em qualquer emprego e tem de fazer psicoterapia semanalmente, pelo resto de sua vida. A Suprema Corte decidiu, por cinco votos a quatro, que o valor da indenização é justo. Porém, deve ser, de certa forma, rateada entre os “traficantes” das imagens.

Conta difícil
A Suprema Corte atribui essa tarefa aos tribunais de primeiro grau. Em cada julgamento, deve ser estabelecida uma relação de causalidade entre os fatos e participação individual do demandado no mal total que foi causado à vítima. A partir daí, o juiz poderá definir o valor da indenização. Porém, deve levar em consideração, ainda, a capacidade financeira do demandado.

Esse é um dos pontos controversos da decisão, porque não se sabe como um juiz pode fazer a matemática de uma indenização fracionada, em que um dos fatores é a participação proporcional de um demandado na totalidade dos danos causados à demandante, com base em uma incógnita, que é o número de “traficantes” das imagens. Por enquanto, a única métrica possível parece ser o “chutômetro”.

Em declaração divulgada por seu advogado, em seu próprio blog no Washington Post, a vítima se disse desapontada. “Isso significa que, se quiser reparação pelos males que me foram causados, terei de passar o resto da minha vida em uma peregrinação pelos tribunais, movendo ações contra cada um dos infratores”, ela escreveu. “Assim, ser vítima de estupro e de pornografia infantil passa a ser meu meio de vida daqui em diante”, afirmou.

A missão de Amy poderá ser descrita como uma maratona, se não uma via-sacra. Desde que as imagens começaram a circular na internet, as autoridades federais americanas localizaram mais de 3,2 mil casos em que as imagens foram baixadas. Desses, identificaram mais de 1,5 mil “traficantes”, conforme informou seu advogado James Marsch ao Jornal da ABA.

Amy e seus advogados já vêm fazendo isso. Desde janeiro de 2012, já moveram 182 ações em diversos estados americanos e coletaram US$ 1,7 milhão em indenizações. Porém, US$ 1,2 milhão veio de apenas um infrator, o que significa que os demais “traficantes” pagaram indenizações relativamente baixas.

Bom senso
O voto vencedor, escrito pelo ministro Anthony Kennedy, prevê que “um dia” a vítima irá coletar toda a indenização que merece. Prevendo as críticas, o ministro escreveu que a corte só tinha três opções, nesse caso específico: 1) Condenar o demandado a pagar, sozinho, os US$ 4,3 milhões pleiteados pela vítima e, com isso, livrar os demais da responsabilidade; 2) Isentar o demandado de qualquer pagamento; 3) Reconhecer que a vítima tem direito à indenização, mas ordenar que ela seja dividida entre todos os infratores.

“Foi uma decisão baseada apenas em bom senso, porque a lei é confusa”, escreveu o ministro. Na verdade, três ministros — o presidente da corte John Roberts, Antonin Scalia e Clarence Thomas — isentaram Paroline, porque era impossível determinar sua quota de participação no mal causado à vítima. A ministra Sonia Soutomayor discordou, em voto separado, afirmando que Amy deveria coletar o valor total da indenização de cada um dos infratores.

Para os ministros que votaram contra o pagamento da indenização pelo demandado, isso deve servir como uma mensagem ao Congresso de que a lei precisa ser mudada. Os ministros se referem à Lei da Exploração Sexual e Outros Abusos de Crianças”, em que o Congresso legislou sobre penalidades e indenizações a vítimas de abuso sexual, violência doméstica e pornografia infantil, reconhecendo que as vítimas têm direito à indenização, mas sem especificar quem deve pagar o quê.

A decisão, uma das raras decisões da Suprema Corte que não segue as convicções políticas dos ministros, divididos entre conservadores e liberais, pode ser vista como um denominador comum das opiniões expressadas no julgamento, disse o ministro Kennedy.

De acordo com o voto que escreveu, o valor a ser pago pelo infrator não pode ser muito alto, mas também não pode ser simbólico. “O mais importante dessa decisão é a mensagem que ela passa a todos os ‘traficantes’ de pornografia infantil de que eles serão processados criminalmente e civilmente e terão de pagar à vítima uma indenização, a ser fixada por um juiz”, ele disse.

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