Mudanças estruturais

Federalismo do Legislativo deve ser tema da reforma política

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21 de abril de 2014, 10h54

Desde que o assunto ‘reforma política’ entrou em voga, muitas propostas foram apresentadas a respeito do tema. No entanto, tratam-se de propostas superficiais, que apesar de trazerem potencial de transformação em pequena escala, não vislumbram uma efetiva mudança estrutural no sistema político brasileiro, tratando tais propostas, em sua maioria, apenas sobre matéria eleitoral. 

A Constituição de 1988 trouxe muitos avanços e ainda estamos longe de concretizar todos os direitos que a mesma previu. E não é preciso ir nem mesmo além das Cláusulas Pétreas da Carta Magna para encontrar fundamentos para a realização das mudanças estruturais de que o Brasil precisa.

Integra o Núcelo Rígido de nossa Constituição a ‘Forma Federativa de Estado’, no entanto, em contra-senso com tal princípio, o artigo 22 da Carta Magna, apenas em seu inciso I, atribui competência privativa à União para legislar sobre uma variedade tão grande de questões que seria suficiente para formar uma grade curricular quase completa de uma Faculdade de Direito: "Art. 22 – Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;"

O Poder Legislativo que mais se aproxima do povo, e das reais necessidades locais é o municipal, ainda mais considerando-se que 90% dos Municípios brasileiros possuem menos de 100.000 (cem mil) habitantes), e que com 5% do eleitorado (do eleitorado apenas, e não da totalidade da população) de um Município é possível levar à votação Projetos de Lei de iniciativa popular, e até mesmo Emendas às Leis Orgânicas dos Municípios por iniciativa popular.

Agora, em razão do entrave constitucional imposto pelo artigo 22, o povo não se interessa por fazer uso de tal mecanismo para obter as alterações políticas de que necessita, pois a competência para legislar dos entes locais é extremamente reduzida.

Há muitas competências legislativas que não podem ser retiradas da União, como por exemplo comércio exterior, naturalização de estrangeiros, etc., matérias sobre as quais não há qualquer possibilidade e nem benefício em se criar uma legislação municipal que prevaleça sobre a federal. Já em relação a muitos outros temas, é um atraso enorme manter uma única legislação para o país todo, o que evidentemente não reflete os reais interesses locais e contradiz o inciso I do artigo 30 da CF, que atribui aos Municípios competência para legislar sobre assuntos de interesse local.

Evidentemente surgirão leis absurdas com a descentralização, o que é um mal necessário no exercício da democracia. No entanto, os benefícios de uma implantação verdadeira do Federalismo, que por enquanto apenas é letra morta na Constituição, são muito maiores do que casos isolados de mau uso das novas competências para legislar por parte dos entes federativos locais. 

Só a proximidade do povo com as instituições poderá trazer consciência política acerca do funcionamento da máquina estatal aos cidadãos brasileiros. A necessidade de aprovação de um texto legal no Congresso Nacional para resolver questões locais é algo completamente descabido e que desestimula os brasileiros a terem uma vida política ativa, tornando-os alienados sobre o que ocorre dentro das instituições, além de submissos e passivos às decisões tomadas em Brasília. 

Na grande maioria do território nacional, excetuadas as Capitais e as grandes cidades, o povo conhece pessoalmente seus candidatos a Vereador, e pode cobrar dos mesmos posicionamentos e votos coerentes com os interesses locais em uma proporção infinitamente maior do que pode fazer em relação aos Deputados e Senadores, que ficam distantes e inacessíveis ao cidadão comum. O povo pode bater na porta da casa ou do gabinete do Vereador e fiscalizar como está sendo exercido o seu mandato, o que é impossível em relação aos legisladores federais. 

Por fim, não poderia deixar de ser dito que a federalização do Poder Legislativo deve ocorrer apenas em relação às questões que não demandem gastos para a administração local, ou que possam ser implementadas com verba local, sempre com a cooperação da estrutura existente no Poder Judiciário; não se está defendendo aqui que os Municípios possam fazer leis vinculando o orçamento da União, sendo que o federalismo fiscal e o equilíbrio financeiro na Federação, apesar de serem matérias importantíssimas, não dizem respeito à essência da federalização do Poder Legislativo.

As competências legislativas que podem ser exercidas pelos Municípios com efetividade utilizando a própria estrutura atual do Judiciário já são enormes, e sua federalização será um enorme avanço na política brasileira.

Qualquer proposta de reforma política séria, e que esteja preocupada em realizar uma mudança efetiva na estrutura do poder no Brasil, viabilizando o exercício verdadeiro da democracia, e não com o propósito de apaziguar ânimos com medidas superficiais, deve necessariamente abordar o problema da concentração do poder de legislar nas mãos da União.

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