Estratégia emocional

Júri é anulado porque advogada contou a própria história

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19 de abril de 2014, 8h13

Em um julgamento de assédio sexual no trabalho, seguido de retaliação e demissão, em Iowa, nos EUA, o júri concedeu à vítima indenizações de US$ 840 mil: US$ 40 mil por distúrbio emocional passado, US$ 200 mil por distúrbio emocional futuro e US$ 600 em “indenização punitiva”.

Porém um tribunal de recursos anulou o julgamento, porque a advogada da demandante teria induzido os jurados, durante as alegações finais, a aumentar os valores das indenizações, usando uma estratégia inaceitável: ela lhes contou a própria história de assédio sexual por um professor na faculdade de Direito. E o juiz deixou passar, apesar do protesto do advogado da outra parte.

Segundo a decisão de um painel de três juízes do tribunal de recursos, no julgamento, em 2012, a advogada Brooke Timmer usou a oportunidade das alegações finais, quando a outra parte já não podia replicar, para influenciar os jurados de uma forma incorreta. Com sua história pessoal, ela teria conseguido emocionar os jurados e, além disso, conferir credibilidade a sua cliente Mindy Gilster, que era praticamente a única testemunha da maior parte dos fatos relatados nos autos.

A advogada emocionou os jurados ao lhes dar a entender que, no caso de assédio sexual que sofreu, ela foi covarde. Apesar de já estar no último ano de faculdade e de ser muito prestigiada por ser a presidente da associação de alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Drake, ela “optou” por não denunciar o professor.

E pintou sua cliente como uma “heroína”, que em posição muito mais fraca, enfrentou o poderoso Primebank — onde trabalhava — e um de seus diretores. Ela teria ido à Justiça para não deixar impune o assédio sexual e as retaliações que se seguiram contra ela no trabalho. Cheia de razão, declarou toda sua admiração por ela e pelas outras mulheres que não aceitam passivas qualquer espécie de assédio sexual.

O problema é que a história da advogada não fazia parte das provas dos autos, escreveram os juízes. Para eles, ela violou até mesmo as “Regras de Conduta Profissional” dos advogados de Iowa, que diz: “Um advogado não deve, em um julgamento, se referir a qualquer matéria que não é sustentada por prova admissível, declarar conhecimento pessoal dos fatos em questão, a não ser na condição de testemunha, ou expressar sua opinião pessoal sobre a justiça de uma causa, a credibilidade de uma testemunha ou a culpabilidade de um litigante civil”.

A questão da credibilidade da testemunha, “aumentada com o aval da advogada, ao fazer uma analogia com sua própria história”, foi essencial para o desfecho financeiro do julgamento, afirmaram os juízes. “Não teve influência na responsabilização do supervisor da vítima, porque isso prevaleceu no julgamento, mas garantiu o aumento dos valores das indenizações”, eles escreveram.

Por exemplo, a vítima alegou que foi violentada sexualmente por um tio, na infância. Isso viria a justificar o sofrimento que resultou em distúrbios emocionais passados e futuros, causado pelo caso presente de assédio sexual. Pode ser verdade, mas, no julgamento, a vítima era a única testemunha desse fato — e convencer os jurados dependia unicamente de seu nível de credibilidade.

Funcionou, porque a vítima recebeu indenizações por distúrbios emocionais passados, presentes e futuros, agravados pelo fato de haver sido violentada na infância. Para os juízes, “foi tudo calculado para aumentar a simpatia do júri e conseguir mais dinheiro”.

“A advogada fez uma escolha estratégica deliberada de contar sua história carregada de emoções no final das alegações finais, já de réplica, quando ela exerceria um impacto emocional maior nos jurados e quando o advogado da outra parte não tinha mais oportunidade de responder”, escreveram.

Táticas contestadas
Os juízes criticaram a atitude da advogada de usar a experiência pessoal, a fim de aumentar a credibilidade de sua cliente, porque expôs fatos que não faziam parte das provas dos autos: “A regra cardinal das alegações finais é a de que o advogado deve limitar seus comentários às provas dos autos, embora possa fazer deduções razoáveis dessas provas”.

Mas também atribuíram culpa ao juiz, por corroborar com o sucesso da estratégia. Quando a advogada começou a contar sua história, o advogado da outra parte protestou. O juiz mandou a advogada prosseguir. Antes de os jurados se retirarem para deliberação, ele os instruiu a aceitar o testemunho da advogada. E, mais tarde, negou um pedido da outra parte de rever a decisão do julgamento.

Nas alegações finais, a advogada disse aos jurados que se sentia agradecida a sua cliente por lhe dar a responsabilidade e o poder de lutar contra o assédio sexual e corrigir injustiças. “Tive esse poder em minhas mãos por dois anos (o caso começou em 2010), mas agora minha participação chegou ao fim. Por isso, passo esse poder de corrigir injustiças a vocês”, ela disse aos jurados, segundo a decisão.

Os juízes contestaram essa tática também: “Dar aos jurados o poder e a responsabilidade de corrigir injustiças não é um recurso apropriado. É tão errado quanto um promotor pedir aos jurados, ao final de um caso criminal, que sejam ‘a consciência da comunidade’. Isso é um argumento inapropriado nas alegações finais, que justifica um novo julgamento”.

Ao final da decisão, os juízes deixaram claro que a implicância deles era com a estratégia para aumentar os valores das indenizações e não com a responsabilização dos acusados pelo assédio sexual, seguido de retaliação e demissão. Muito menos com os direitos da vítima à indenização.

“Ao contrário, é lamentável submeter a vítima e as testemunhas a um novo julgamento. E, principalmente, privá-la por mais tempo da indenização que merece. Mas, vale o que já escrevemos em outra decisão — o que já foi citado por diversos tribunais: Quando um advogado se afasta do caminho dos argumentos legítimos, ele o faz por sua conta e risco e de seu cliente”.

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