Alteração metodológica

Cidadania prisional resguarda o direito de ir e vir

Autor

  • Thiago Colnago Cabral

    é juiz de Direito da 3ª Vara de Tóxicos Crime Organizado e Lavagem de Capitais de Belo Horizonte (MG) doutor e mestre pela USP e mestrando na Universitat di Girona (Espanha).

18 de abril de 2014, 8h17

Ante a lembrança sempre viva de episódios como os do Complexo Penitenciário de Pedrinhas (MA) e do Carandiru (SP), dentre inúmeros outros, resta estabelecida dúvida incontornável: é possível se falar em cidadania no cárcere?

Conquanto a questão encerre competência concorrente do Executivo e do Judiciário, cabe ao último assegurar que o tempo de permanência do cárcere seja exatamente aquele estabelecido em lei, notadamente face os efeitos deletérios do cárcere.

Assim, cabe ao Judiciário assegurar a efetividade no âmbito da Execução Penal, no sentido de decidir benefícios prisionais em prazo razoável, correspondente ao exato dia em que cumprida parcela mínima de pena exigida para dado benefício, desde que verificado comportamento satisfatório.

A custódia que ultrapasse o limite legal sem justificativa legítima envergará invariável ilegalidade, ainda que a inobservância se opere por um único dia, ensejando inclusive encargo indenizatório ao Poder Público[1].

As unidades judiciárias já dispõem de sistema de informática que possibilita a identificação dos sentenciados que, em dado período, tenham cumprido parcela da pena que lhes garanta progressão de regime prisional, obtenção de livramento condicional ou mesmo a extinção da pena pelo seu cumprimento.

Amparada nestas informações, a gestão das Varas de Execução Penal se caracteriza pela emissão dos relatórios referentes a benefícios prisionais, com identificação dos sentenciados que irão atingir parcela de pena suficiente ao gozo de benefício prisional, seguindo-se o seu processamento (conclusão ao juiz, requisição e juntada de documentos, vista às partes para suas manifestações e nova conclusão ao juiz para julgamento).

A prática cotidiana, todavia, demonstra que a metodologia em comento enverga pouca eficiência, repercutindo no encarceramento do cidadão por prazo superior ao fixado em lei, eis que, conquanto identificado previamente o atendimento ao requisito temporal, os trâmites imprescindíveis à sua apreciação judicial acabavam por retardá-lo.

Foi neste cenário desfavorável que modificado o gerenciamento do trâmite processual na Vara de Execuções Penais de Governador Valadares (MG), com o propósito exclusivo de evitar que a segregação fosse mantida, ainda que por tempo mínimo, por prazo superior ao fixado em lei, de modo que se pretende, na verdade, que todos os benefícios prisionais sejam apreciados no exato dia em que cumprida a parcela exigida da pena.

A técnica processual adotada no Projeto Cidadania Prisional, na Vara de Execuções Penais de Governador Valadares e premiada na X Edição do Prêmio Innovare, utiliza os relatórios gerenciais disponibilizados pelos softwares das Varas de Execução Penal como parâmetro para a organização da pauta de audiências, assegurando que, no dia em que cumprida parcela de pena mínima à obtenção de benefício, cada sentenciado compareça invariavelmente em juízo para ter apreciada a benesse.

Presentes à audiência todos os interessados (magistrado, promotor de justiça, defensor e sentenciado) e dispondo todos de acesso imediato ao processo, em aplicação das regras da oralidade e da concentração, resta viabilizado o imediato processamento e julgamento de remições, incidentes de falta disciplinar e eventuais benefícios cujo requisito objetivo tenha se implementado.

A nova proposta metodológica produziu enormes benefícios, a saber: o término dos casos de aprisionamento por prazo superior ao fixado em lei; o encerramento do gasto de recursos públicos para a manutenção no cárcere de cidadão que haveria de estar solto ou em regime mais brando; o efetivo combate à superpopulação carcerária; a diminuição das atividades da unidade judiciária já que os atos são concentradamente realizados em audiência; e a redução de atos de indisciplina carcerária, ante a conscientização dos segregados de que os benefícios serão apreciados no tempo adequado.

Logo, diminuta alteração metodológica no gerenciamento da atividade judicante repercutiu em melhoria considerável de sua eficiência, salvaguardando a liberdade dos encarcerados de maneira eficaz e sem aporte adicional de recursos, implementando, assim e apesar de todas as mazelas do sistema prisional, a cidadania no âmbito carcerário na medida em que resguarda o direito de ir e vir em sentido amplo.


[1] “A prisão por erro judiciário ou permanência do preso por tempo superior ao determinado na sentença, de acordo com o art. 5°, LXXV, da CF, garante ao cidadão o direito à indenização” (STJ, REsp 427560/TO, Min. Luiz Fux).

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