Acesso à justiça

Advocacia pro bono para pessoas físicas é dever do advogado

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13 de abril de 2014, 7h46

 “Houve época em que mais da metade de minha advocacia era gratuita”. H. Sobral Pinto

Há alguns dias assisti ao excelente documentário “Sobral — O homem que não tinha preço” e logo me chamou a atenção para a intensa atividade pro bono exercida pelo Dr. Sobral Pinto e para a necessidade de reavivar a discussão sobre o dever dos advogados de participar de iniciativas que promovam a advocacia pro bono, inclusive para pessoas físicas.

Procurei, logo pela manhã do dia seguinte, o que para mim é a melhor publicação de ética profissional na advocacia: o livro do dr. Ruy de Azevedo Sodré, datado de 1975 e que continua extremamente atual. Em um dos capítulos, discorre Ruy Sodré sobre “A defesa do réu pobre”. Diz ele: “Estamos, assim, integrados no ordenamento jurídico do Estado, na função de distribuir justiça. Cabe-nos, por isso, essa missão penosa, mas enobrecedora, de assegurar o direito de defesa aos que não possuem recursos suficientes para a contratação de um defensor, uma vez que os serviços deste são essenciais à administração da justiça”. 

Essa passagem magnífica me fez lembrar que desde 1988, quando iniciei o estágio no escritório de meu avô, Octavio Machado de Barros, aprendi que a advocacia remunerada e o trabalho pro bono para pessoas físicas eram atividades inerentes ao trabalho do advogado e conviviam harmonicamente na atividade do escritório. Aprendi, com o meu avô, que o advogado presta serviço público e exerce função social (artigo 2º, parágrafo 1º do Estatuto da Advocacia). E faz parte da função social do advogado atuar ativamente para garantir o acesso à justiça a todos os cidadãos, atuando parte de seu tempo, de forma pro bono em benefício de pessoas carentes. Nesse sentido, o inciso IX, do artigo 2º, do Código de Ética indica expressamente, como dever do advogado, “pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade”.

E, dentre os direitos básicos dos cidadãos brasileiros, um dos menos respeitados é o amplo acesso à justiça, garantido pelo inciso XXXV, do artigo 5º da Constituição. A defensoria pública tem, é verdade, o dever de prover, primordialmente, assistência jurídica aos necessitados (artigo 134 da Constituição), mas essa função hercúlea deve ser exercida por todos os atores da sociedade, em cooperação e harmonia. Além da defensoria pública, a prestação de serviços jurídicos aos necessitados deve ser promovida por entidades privadas, conveniadas ou não ao poder público, e também pelos próprios advogados individualmente. Colaborar para que todos os cidadãos tenham acesso à Justiça é um dever de todos nós.

E a advocacia pro bono foi se desenvolvendo vigorosamente nas últimas décadas, crescendo com força, rapidamente. Mas o caminho não foi fácil. Em 2002, ainda na gestão de Carlos Miguel Aidar, o Conselho Seccional da OAB-SP editou a chamada Resolução Pro Bono, que tinha por objetivo regular e fomentar o desenvolvimento da advocacia pro bono no estado de São Paulo. Em que pese o nobre objetivo daquela norma, a Resolução Pro Bono acabou por impedir o desenvolvimento da advocacia pro bono para pessoas físicas, justamente os mais necessitados e aqueles que anseiam por ajuda do Estado, da OAB, de associações, de advogados, anseiam por ajuda de qualquer um que queira ajudar.

Essa restrição à advocacia gratuita aos necessitados causou um grande mal para nossa sociedade. Há, cada vez mais, pessoas físicas sedentas por justiça, necessitadas de apoio jurídico para a defesa de seus direitos mais básicos. Existe, é verdade, um esforço muito grande das Defensorias Públicas, dos advogados que participam do convênio com o Estado, para prover assistência judiciária, mas esse esforço não está sendo suficiente, porque o problema é muito maior. A sociedade clama por ajuda.

Sensível a esse chamado da sociedade, o Conselheiro Federal da OAB por São Paulo, Luis Flavio Borges D’ Urso, suspendeu os efeitos da Resolução Pro Bono, a fim de que a OAB, agora no âmbito nacional, pudesse elaborar uma nova resolução para regular a atividade pro bono em todo o Brasil. Passados 12 anos da edição da Resolução Pro Bono de São Paulo, é hora de repensá-la para permitir a advocacia pro bono às pessoas físicas, a fim de que todos possam, em harmonia, de forma coordenada e cooperativa, lutar para prover o acesso à justiça às pessoas mais carentes.

Chegou a hora de OAB, defensorias públicas, associações que lutam pela causa pro bono e escritórios de advocacia darem-se as mãos para, juntos, lutar para o desenvolvimento da advocacia pro bono em benefício das pessoas físicas carentes, que tanto necessitam da classe dos advogados.

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