Embargos Culturais

Ensinamento de Ronald Dworkin na interpretação do Direito

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

13 de abril de 2014, 8h01

Spacca
Aproximando Direito e Literatura, Ronald Dworkin insistia que prática jurídica era efetivo exercício de interpretação. Não o seria, no entanto, apenas na interpretação fria de leis e contratos. Afirmava que o Direito contemplava função absolutamente política, ainda que Dworkin não vinculasse Direito e política do modo como articulado pelo grupo do Critical Legal Studies. Para esta última corrente, que vicejou na academia norte-americana ao longo da década de 1980, o Direito é política, Law is Politics: era este o mote e a bandeira de luta de um movimento que criticou Dworkin.

Juízes, advogados e promotores não conseguem evitar a influência da política em suas atividades. Insistia Dworkin, por outro lado, que a política de que tratava, e à qual se reportava, não era matéria de sectarismo, no sentido de opção partidária. Adiantava que quem não percebesse essa diferença apenas compreenderia a questão de modo ralo e superficial. Isto é, a política que informa o Direito, no pensamento de Dworkin, não consistia em permanente embate partidário, a exemplo da competição entre republicanos e democratas nos Estados Unidos.

A experiência pragmática norte-americana evidencia partidarismo que dá contornos a posições liberais e conservadoras, a exemplo do conflito entre hawks (gaviões) e doves (pombas) em matéria penal; estes últimos pretendem um Direito Penal mais humanitário, e são identificados com posições do Partido Democrata; aqueles outros pretendem uma legislação criminal de tolerância mínima, e fazem fila com o Partido Republicano. No entanto, o tom político que Dworkin emprestava ao Direito teria outro sentido, qualificando decisão, opção e, consequentemente, resultado de mecanismos de interpretação.

Dworkin propunha que se poderia melhorar a compreensão do Direito mediante instrumentos que possibilitassem comparações entre interpretações jurídicas e interpretações de outros campos do conhecimento e da experiência humanas. Sugeria contrastes com modelos exegéticos da Literatura. Acrescentava que o Direito, quando e se melhor compreendido, colaboraria para que tivéssemos uma melhor inteligência de tudo que nos envolve.

A tradição positivista apontaria plausibilidade na aceitação da definição de prescrições normativas como dotadas de fundo descritivo. Para o jusfilósofo norte-americano, o positivismo e a escola analítica identificariam prescrições normativas como fragmentos da história. Esta percepção, e tento continuar como ventríloquo de Dworkin, poderia ser válida quando testada em circunstâncias muito simples. Não o seria para explicar problemas mais complexos. Dworkin exemplificaria com questões de interpretação de normas sobre ações afirmativas, não devidamente julgadas por tribunais superiores. Questionava se o intérprete descreveria o Direito que tinha que interpretar, ou se apenas delineava o Direito que supunha como mais adequado. Era, nesse sentido, um realista. Todos nós somos, em um certo sentido.

 Proposições jurídicas também qualificam juízos interpretativos na História do Direito. Para Dworkin, proposições jurídicas contêm indicativos de decisão e de avaliação. É senso comum a afirmativa de que o Direito seja matéria de interpretação. No entanto, seguia Dworkin, assim declaravam porquanto definiam a interpretação de uma determinada forma. Dworkin acrescentava que lei obscura, ou termo vago, ou sentença ambígua, provocam reação imediata, previsível, sustentando-se que a norma deva ser interpretada. Recorre-se imediatamente a amplo conjunto de técnicas de interpretação, com as quais os juristas têm muita familiaridade e sobre as quais falam o tempo todo.

Dworkin então nos lembrava da tese do originalismo, tão recorrente na jurisprudência norte-americana. A referida posição supõe que a função do intérprete consiste no encontro, na revelação e na aplicação da intenção original do autor da norma. O conceito tem amplo uso no Direito Constitucional, tal como praticado nos Estados Unidos, especialmente em âmbito de Suprema Corte, onde pontificam intencionalistas até os ossos, a exemplo de Antonin Scalia, juiz daquele Tribunal.

O acompanhamento das tendências hermenêuticas das cortes norte-americanas aponta que o originalismo sustenta teses conservadoras, ligadas ao ideário do partido republicano, em questões sensíveis, a exemplo de problemas de aborto, liberdade de expressão e ações afirmativas. No sentido oposto, certo ativismo judicial animaria teses mais liberais, ainda que o liberalismo no vocabulário político norte-americano contemple definição diferente daquela que aqui compartilhamos.

A partir do originalismo, Dworkin apontava que boa parte de esforços interpretativos poderia centrar-se na tentativa de se descobrir a intenção do legislador. Lembrava casos nos quais se descobriria que o legislador não tinha nenhuma intenção, ou que sua intenção era simplesmente indecifrável… Algo tão emblemático como o sonho de Nabucodonosor, descoberto e interpretado pelo profeta Daniel.

De algum modo cético, Dworkin afirmava que o julgador que dizia ter descoberto a intenção do legislador estaria apenas concebendo um véu que teria por função esconder que de fato manifestara interpretação própria.

Autores

  • é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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