Falta de parâmetros

Falta de regra para imprensa atrapalha juízes, diz Barbosa

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8 de abril de 2014, 10h20

O ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, acredita que a regulação da comunicação no país permitirá que magistrados julguem mais bem os casos relacionados à atividade. “Na vida social, sempre há necessidade de se estabelecer balizas, e a regulação ajuda bastante o magistrado a resolver os conflitos que surgem. Sem um balizamento normativo, seja ele vindo do Estado ou de determinado grupo produtivo, o juiz, que tem a incumbência de resolver os conflitos, terá dificuldade de fazê-lo”, declarou, diante de um grupo de jornalistas, na abertura do seminário Liberdade de Expressão e o Poder Judiciário, nesta segunda-feira (7/4), no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Questionado se defendia um novo marco legal para o setor, que atualizasse o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, editado quando não havia ainda celular, internet e outras tecnologias, Barbosa disse que a falta de normas "tende a favorecer quem tem mais poder, mais dinheiro”. Defender a normatização desse setor, argumentou, não tem qualquer relação com censura. "A vida social é feita de constantes choques e embates entre direitos de pessoas e grupos. O que não pode haver é um vazio de normas."

Antes, em seu discurso inaugural, falando a uma plateia formada por dezenas de magistrados, o presidente do STF havia dito que "a democratização do espaço comunicativo" no Brasil ainda é um "desafio à organização social". Apontou a falta, entre os veículos de comunicação, de maior diversidade "que expresse o espectro complexo da sociedade brasileira".

"Negros, por exemplo, são raramente chamados a dar suas opiniões em suas áreas de expertise, exceto quando se trata de situações estereotipadas ou estereotipantes", criticou.

Destacou também a importância de ponderar o princípio da liberdade de expressão diante do que chamou de "práticas discriminatórias de incitação à animosidade e à violência”. Barbosa citou o caso de Siegfried Ellwanger, que teve pedido de Habeas Corpus negado pelo STF, em 2003. Ele fora condenado a dois anos de prisão — convertidos em prestação de serviços comunitários — pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pela publicação de livros antissemitas.

Para o ministro, formas de expressão que “divulgam, incitam e promovem” atitudes extremistas de intolerância devem ser restringidas. Nesse episódio, lembrou, a jurisprudência da corte consolidou o entendimento de que abusos no exercício da liberdade de expressão devem ser “balanceados ou coibidos, mediante a proteção dos direitos fundamentais de grupos socialmente fragilizados ou marginalizados”.

Barbosa acrescentou que o "papel delicado" reservado ao Poder Judiciário consiste na identificação das circunstâncias em que tais restrições podem ou não ser aplicadas.

A presidente do TJ-RJ, desembargadora Leila Mariano, reconheceu que muitos dos magistrados de sua geração não tiveram contato, na graduação, com disciplinas que abordassem os princípios da liberdade de expressão e de imprensa. "Essa questão envolve a todos nós. Nossos magistrados precisam estar cada vez mais preparados para exercer o Direito e concretizar as garantias constitucionais", afirmou.

Aberto ao público, o evento continua nesta terça-feira (8/4). Com mesas dedicadas a temas como violência contra jornalistas, obrigação de investigar crimes e acesso à informação e à Internet, o seminário é organizado pelo STF, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Unesco (Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura) e as relatorias Especiais de Liberdade de Expressão da ONU (Organização das Nações Unidas) e da OEA (Organização dos Estados Americanos). Clique aqui para ver a programação. 

Leia o discurso do presidente do STF:

"A liberdade de expressão está presente em mais de 90% das Constituições do mundo contemporâneo. A liberdade de imprensa, no entanto, não encontra um panorama tão satisfatório, uma vez que pouco mais de 50% das Constituições do mundo, desde o pós-guerra, preveem essa garantia. No Brasil, felizmente, a liberdade de imprensa e de informação são asseguradas de forma plena pela Constituição de 1988.

Uma imprensa livre e aberta à divulgação de ideias e opiniões plurais sobre temas de interesse público é, sem dúvida, o melhor antídoto contra os desmandos do poder público e contra qualquer tipo de arbitrariedade. Além disso, contribui decisivamente para que os indivíduos possam formar livremente suas próprias convicções sobre temas de seu interesse particular, bem como sobre temas de interesse da comunidade em que se inserem.

Com a redemocratização de nosso país, e especialmente com a promulgação da Constituição de 1988, consolidou-se entre nós o princípio da liberdade de expressão como um componente essencial do Estado Democrático de Direito. São inegáveis os avanços alcançados no nosso país no domínio da liberdade de expressão. Não mais se convive aqui com a censura pública, a imprensa tem exercido de forma plena o seu papel essencial de fiscalização de toda forma de poder. Os artistas, escritores e criadores desempenham livremente seus respectivos ofícios. Lamentavelmente, no entanto, o Brasil ainda tem testemunhado atos de violência contra jornalistas e comunicadores em função do livre exercício de sua profissão. A impunidade de crimes dessa natureza, que constituem grave violação aos direitos humanos, deve ser combatida de todas as formas, como prioridade absoluta de todos os órgãos do Estado.

Permanece, igualmente, como desafio à nossa organização social a efetiva democratização do espaço comunicativo em nosso país. Para mim, é necessário cunhar um pluralismo forte na imprensa nacional, o que ainda não existe. Falta, a meu ver, uma maior diversidade que expresse todo o espectro complexo da sociedade brasileira. Essa diversidade, especialmente a racial, não se encontra espelhada no panorama audiovisual brasileiro, por exemplo. Sem falar da quase total ausência de minorias em posições de liderança e controle na maior parte dos veículos de comunicação de nosso país. Negros, por exemplo, são raramente chamados a dar suas opiniões em suas áreas de expertise, exceto quando se trata de situações estereotipadas ou estereotipantes. No meu ponto de vista, esse ainda é um grande desafio presente na comunicação brasileira.

Como já tive oportunidade de apontar, em evento realizado em 2013 na Costa Rica, em comemoração ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, há sim, uma falta de diversidade político-ideológica na imprensa brasileira. Some-se à tendência de diminuição de distribuição de jornais em papel, o que não é uma exclusividade de nosso país. O chamado boom do jornalismo via internet é, sem dúvida, um dos principais responsáveis por esse escasseamento paulatino e aparentemente incontornável da imprensa escrita, que vem ocorrendo no nosso país, mas também a nível mundial. Isso, seguramente, não fortalece a criação desse ambiente de pluralismo, ou enraizamento e fortalecimento da pluralidade de visões no espaço comunicativo.

A internet provocou uma mudança de paradigma quanto à circulação de ideias, levando ao desaparecimento de periódicos tradicionais, causando uma baixa na qualidade da informação produzida e criando uma precariedade no relacionamento entre o autor e o produtor de notícias.

A manifestação de pensamento e as liberdades de expressão e de informação, sob qualquer forma, acham-se consagradas em capítulo específico da nossa Constituição Federal, intitulada “Da Comunicação Social”. O legislador constituinte brasileiro proibiu a edição de leis que configurem embaraço à liberdade de informação e vedou qualquer censura política, ideológica e artística.

A Constituição assegura o direito de resposta, garante a liberdade de consciência e de crença, bem como prescreve a livre atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, além do acesso à informação. Esses dispositivos revelam o núcleo essencial da Constituição na defesa da liberdade de expressão como um valor essencial do regime democrático. No entanto, a liberdade de comunicação social não é absoluta, e deve estar em compasso com outros direitos também protegidos pela Constituição, dentre os quais, o direito à intimidade, à vida privada, à honra e a imagem das pessoas, bem como valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Nenhum desses direitos pode ser instrumentalizado ou servir de pretexto para opressão desse ou daquele grupo social, muito menos para prática do racismo, do sexismo, ou para a estigmatização religiosa. A contrapartidada da liberdade de comunicação em geral será sempre a responsabilidade pela manifestação de pensamento. É justamente da contraposição de direitos e deveres que emerge o verdadeiro sentido da liberdade de expressão, cujo fim maior é garantir um ambiente de plena igualdade entre os membros da comunidade. Para tanto, é importante harmonizar a liberdade de expressão com manifestações comumente chamadas de “discurso de ódio”, que são na verdade, práticas discriminatórias de incitação à animosidade e à violência. As formas de expressão que de forma ofensiva divulgam, incitam e promovem atitudes extremistas de intolerância devem, a meu ver, ser restringidas em uma sociedade que se vê democrática e pluralista.

É essa a lição que se pode extrair da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, no famoso caso de Siegfried Ellwanger, em que a Corte, em 2003, assentou o entendimento de que a liberdade de expressão não abarca a divulgação de manifestações antissemitas, que, naquele caso, consubstanciaram o crime de racismo. Abusos no exercício da liberdade de expressão, portanto, hão de ser balanceados ou coibidos, mediante a proteção dos direitos fundamentais de grupos socialmente fragilizados ou marginalizados. Este é o papel do Poder Judiciário.

O grande desafio, portanto, reside, sempre, em identificar as circunstâncias em que tais restrições podem ou não ser aplicadas. Vem daí o papel delicado reservado ao Poder Judiciário. É grande a contribuição de eventos como o deste seminário, numa iniciativa conjunta do STF e das Relatorias de Liberdade de Expressão das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos, com a acolhida do nosso anfitrião, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. É por meio da análise do diálogo sobre os desafios vividos no contexto atual que podemos refletir sobre a liberdade de expressão e a atividade jornalística do Brasil, para, estando a serviço da população, aprofundarmos o sentimento de respeito aos direitos e garantias protegidos pela nossa Carta Magna.”

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