Luta pela redemocratização

Lançamento de livro reúne advogados de presos políticos

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1 de abril de 2014, 18h58

O lançamento do livro Coragem — a Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo, na última sexta-feira (28/3), reuniu advogados de presos e perseguidos políticos pela ditadura militar. Eles ocuparam o palco montado na prédio do futuro Memorial da Luta pela Justiça, onde funcionou a 2ª Auditoria Militar durante a repressão. O evento reuniu nomes como José Carlos Dias, Idibal Pivetta, Luiz Olavo Baptista, Ayrton Soares, Arnaldo Malheiros Filho e Paulo Sérgio Leite Fernandes.

O presidente da OAB-SP, Marcos da Costa, abriu o evento, destacando que a homenagem era destinada aos “colegas que dignificam a advocacia no Brasil”.  Para ele,  o livro Coragem faz um justo tributo aos advogados combativos que atuaram durante a ditadura militar e que exerceram a advocacia no prédio da Auditoria Militar em São Paulo para que, mesmo em um ambiente hostil, sem sequer poder conversar reservadamente com seu constituinte, fazer valer o direito de defesa.

“O livro vem resgatar essa história de coragem e servir como exemplo para todos, principalmente para o jovem advogado que, às vezes, não conhece a dimensão histórica da advocacia paulista e brasileira na luta pela redemocratização do país”, disse o presidente da OAB-SP.

OAB-SP
Idealizador do livro, o deputado José Mentor (PT-SP) afirmou que a obra quer resgatar a importância dos advogados que defenderam presos e perseguidos políticos e sua contribuição no processo de redemocratização do Brasil: “Imagine que no dia seguinte do golpe, os advogados estavam buscando os clientes sem saber o que encontrar. O mesmo aconteceu no dia seguinte ao AI-5. Eles esgrimavam com alfinete na boca do leão. Vários advogados foram presos e tiveram os escritórios devassados, não tinha processo legal, não tinha ampla defesa. Mas, em muitos casos, a simples presença dos advogados quebrava a incomunicabilidade, acabava com a tortura e salvava vidas”.

O membro nato da OAB e Diretor da Escola Superior de Advocacia de São Paulo, Rubens Approbato Machado, que fez uma das introduções do livro, lembrou que a obra começou a ser gestada em 1998, quando ele era presidente da Seccional Paulista da OAB e José Mentor, vereador da Câmara Municipal de São Paulo. “Esses advogados merecem ficar na história e a história tem de contar o que houve durante esse período. O livro é um tributo que pagamos aos que souberam enfrentar com coragem e conhecimento esse período da nossa história”, disse Approbato, que ressaltou que ao longo do período de repressão a OAB não se calou ao arbítrio, “porque é a maior entidade da sociedade civil, que é forte, porque seus membros são fortes”.

“Os 50 anos do golpe militar não são para ser comemorados, mas lamentados pelo que ocorreu”, advertiu Mário Sérgio Duarte Garcia, Membro nato da OAB e Presidente da Comissão da Verdade da OAB-SP. Para ele, “o que é objeto da memória é o trabalho excepcional e corajoso dos advogados, que queremos perpetuar”, disse. Para Mário Sérgio, os advogados retratados no livro tiveram uma ação firme, corajosa, trabalhando gratuitamente, varando madrugadas no anseio de libertar os clientes presos”.

Luiz Flávio Borges D’Urso, Conselheiro Federal, Diretor de Relações Institucionais da OAB e ex-presidente a OAB-SP (2004/2012) também lembrou a origem do livro: "Nos idos de 1998, enquanto eu presidia a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) tive a oportunidade de prestar uma justa homenagem, por iniciativa do advogado José Mentor, aos colegas advogados criminalistas que atuaram junto à Justiça Militar, durante o período do governo militar no Brasil, na defesa de presos políticos. Foi uma bela homenagem, merecida face ao trabalho e a coragem desses valorosos defensores".

Depoimentos

Idibal Pivetta — advogado e membro da Comissão da Verdade da OAB-SP
"O livro é importantíssimo. Livros de história do Brasil quando falam do período da ditadura fazem referência em duas, três linhas, apenas. Temos de recuperar essa memória. Será em cima de erros e acertos do passado que vamos construir uma sociedade melhor. Fui advogado de preso político e fui preso político. Fiquei detido no DOI-Codi durante 60 dias, depois 40 dias no Dops e mais 30 dias no presídio do Hipódromo. Foi muito doloroso. Maior susto foi dos clientes, quando cheguei no DOI-Codi e encontrei 18 clientes, que se desesperaram porque se o advogado estava preso, eles estavam perdidos. Mas conseguimos minha absolvição em primeira e segunda instâncias."

José Carlos Dias — advogado e membro da Comissão da Verdade Nacional
"O livro tem a importância de mostrar o exercício de defesa durante o período da ditadura, praticado pelos advogados que defenderam centenas de perseguidos políticos. Acho que esse livro incita os jovens a tomarem consciência do papel do advogado. Temos de legar o que vivemos às futuras gerações. Era muito difícil advogar e vivemos momentos penosos neste prédio (Auditoria Militar). Nós, advogados, somos vocacionados à liberdade, ao direito e à justiça."

Luiz Olavo Baptista —advogado
"O livro conta um episódio importante da advocacia, que não é só feita pelo grande escritório para ganhar dinheiro, mas a defesa do direito de cada um de nós. Essa é a advocacia importante. Naquela época (da ditadura), muitos advogados receberam várias ameaças para parar de advogar para os presos políticos. Também recebi muitas. Eu não era criminalista, sempre advoguei no Direito comercial e internacional. Mas começou com meu estagiário — Antonio Funari Filho e depois outros estudantes e pessoas que não podiam pagar. Entre eles, um padre que foi preso porque fez caridade, tratava pessoas feridas. Mas não é isso  o que está no Evangelho? O Duque de Caxias fez isso. Prendeu o padre Feijó."

Arnaldo Malheiros  Filho — advogado
"O livro faz uma justa homenagem aos advogados que tiveram um papel difícil durante o período da ditadura, com militância mais intensa, eles tinham que advogar não só contra a acusação, mas contra a lei e o Estado. Foi uma história de luta difícil enfrentada com muita coragem."

Ayrton Soares — advogado  e membro da Comissão da Verdade da OAB-SP
"O que mais emociona nesse processo, que estamos deflagrando, é estar presente neste local, sem que haja esquema de segurança brutal, que isolava para permitir um tribunal de exceção. Este livro visa consagrar uma fase da história dos advogados de São Paulo que enfrentaram neste ambiente (2ª Auditoria Militar), processos montados contra dissidentes políticos. Nunca nesse lugar se fez justiça."

Paulo Sérgio Leite Fernandes — advogado  e membro da Comissão da Verdade da OAB-SP
"Este livro resgata o Brasil para o futuro incomensurável que este país vai ter. É um marco, uma recordação para aqueles que não estavam lá (período de repressão) e cresceram no meio do caminho. Quando começamos isso, os políticos de hoje não tinham nascido. Aprenderam conosco o que fazer no futuro. Fico estimulado a continuar, nos meus 78 anos, com energia para manter o que conquistamos."

Sérgio Rosenthal — presidente da AASP
"O livro não apenas preenche uma lacuna histórica, se presta a duas finalidades importantíssimas para nossa sociedade: faz justa homenagem a advogados que tiveram extrema coragem em um período triste de nossa história e se presta a trazer os fatos para uma geração que não viveu os efeitos da ruptura do Estado de Direito no país. Talvez ,quem tem hoje 30 anos, não tenha o registro do que vivenciou o povo brasileiro durante os anos de chumbo e tire lições dessa história para que nada disso aconteça novamente."

Martim de Almeida Sampaio — Diretor-adjunto de Direitos Humanos da OAB-SP
"Este livro é um marco importante, porque faz o relato da luta dos advogados nos tribunais militares na ditadura e faz com que as gerações atuais saibam o que se passou aqui, no prédio da Auditoria Militar. A advocacia teve papel fundamental no regaste da democracia, mobilizando a sociedade. Não sem razão uma funcionária da OAB, Lyda Monteiro, foi assassinada com uma carta bomba na década de 80."

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